segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Portugal: DAQUI NINGUÉM SAI VIVO



Tomás Vasques – jornal i, opinião

A Moral e a Ética são conceitos em desuso. Foram banidos da acção política das elites que nos pastoreiam

Daqui ninguém sai vivo, parece ser o lema adoptado, em relação aos membros do governo, pelo senhor primeiro-ministro. Em vez de lhe exigir responsabilidades, demitindo-o, a bem do bom nome do regime democrático e do próprio governo, elogiou Nuno Crato, o ministro da Educação, responsável político pelo maior pandemónio de que há memória na colocação de professores. Na mesma linha, deixou a arder em lume brando Paula Teixeira da Cruz, a responsável política pelo "apagão" que paralisou os tribunais durante mês e meio, mesmo depois de se ter apurado que os "bodes expiatórios" eram produto da fértil imaginação da senhora ministra da Justiça. Por isso, entranhada esta cultura política, já ninguém estranha que, na semana passada, Passos Coelho tenha recusado o pedido de demissão de Miguel Macedo, ministro da Administração Interna quando lhe caiu o Carmo e a Trindade em cima, sob a forma de "vistos dourados". A presunção de inocência, até trânsito em julgado de sentença condenatória, de que gozam os altos funcionários do Estado, próximos do ministro, envolvidos em suspeitas de corrupção e outros crimes, não afasta as responsabilidades políticas de Miguel Macedo.

"Quem ignora o que se dá nas coxias do poder e da alta política, como acontece desde sempre com a maior parte das gentes", como escreveu João Ubaldo Ribeiro, esse enorme escritor baiano, que nos deixou há meses, no seu romance "O Feitiço da ilha do Pavão", não percebe esta obsessão do senhor primeiro-ministro, nem outras situações que, para mal da democracia, e dos cidadãos, se espalharam como mancha de óleo na paisagem política. É o caso das recentes declarações do senhor Presidente da República. Disse, há dias: "O que é que andaram a fazer os gestores da PT?" Acrescentando, com ar grave: "É, pelo menos, esta pergunta que os portugueses têm o direito de colocar". A declaração de Cavaco Silva contém a mesma cultura de irresponsabilidade política que tolhe o actual governo. Se o senhor Presidente da República pensa, hoje, que os gestores em causa delapidaram uma das poucas empresas de referência do nosso tecido económico, o que está implícito na sua declaração, devia ter pedido desculpa aos portugueses por ter condecorado os ex-presidentes daquela empresa, Zeinal Bava e Miguel Horta e Costa, semanas antes do colapso do BES e da PT, a 10 de Junho deste ano, com a Grã-Cruz de Mérito Comercial, atribuída por "serviços relevantes à valorização do comércio". Qualquer pergunta dos portugueses só pode ser dirigida a quem, pelo cargo que ocupa, os convenceu que os gestores da PT eram merecedores dos penduricalhos distribuídos, com pompa e circunstância, no Dia de Portugal.

Sabemos que esta irresponsabilidade política não é um exclusivo cá de casa. O senhor Jean-Claude Juncker, recentemente empossado presidente da Comissão Europeia, enquanto primeiro-ministro do Luxemburgo, estabeleceu acordos secretos com centenas de multinacionais que lhes permitiram a fuga de milhões e milhões de euros de impostos devidos pela sua actividade em outros países da União Europeia, entre eles países como Portugal e a Grécia. O senhor Juncker, enquanto presidente do Eurogrupo, esteve na primeira linha da defesa da austeridade severa sobre os povos a quem, por via da sua acção, retirava avultadas receitas fiscais. Confrontado com as provas do delito, apresentadas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, com desplante, declarou que não fez nada de ilegal e que não se demitia do seu novo cargo por essas minudências.

A Moral e a Ética são conceitos em desuso. Foram banidos da acção política das elites que nos pastoreiam. O plano inclinado em que as democracias se atolam não augura nada de bom. O povo cala e consente, mas como diz o ditado popular: "Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia lá deixa a asa."

Jurista. Escreve à segunda-feira

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