terça-feira, 23 de dezembro de 2014

HONRA A UM HERÓI DA CIDADE DO CUITO E DE ANGOLA!



Martinho Júnior, Luanda

1 – A 20 de dezembro do corrente faleceu na cidade do Cuito, capital da Província do Bié, o camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar”, um bravo de muitas batalhas que ao longo de décadas se foram travando em Angola e partícipe na defesa do Cuito, quando foi assolada pelas hordas de Savimbi, durante a “guerra dos diamantes de sangue”…

O camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar”, distinguiu-se em combates em vários pontos do país e é um dos combatentes que em ocasiões distintas mais vezes terá sido ferido em combate.

De entre as acções em que participou destacam-se a segurança dos companheiros cubanos que constituíram a vanguarda da “Operação Carlota” em finais de 1975 (base secreta sita na Camuxiba, em Luanda, próximo do Estado Maior das FAPLA, ao Morro da Luz), a retomada de Quibaxe, imediatamente antes da batalha de Quifangondo, o desembarque em Ambrizete, logo após o treino recebido pela primeira formação de fuzileiros navais na ilha Cazanga (baía do Mussulo), a coluna que partiu de Ambrizete e retomou Casa da Telha, Tomboco e Quiende (uma das três colunas que retomaram o norte do país em princípios de 1976), a protecção ao primeiro Governador Provincial do Bié após a independência, camarada Faustino Muteka em 1977 e 1978, combates em toda a região centro, incluindo acções contra-ofensivas que levaram ao desmantelamento de várias bases da UNITA, entre elas a sede e destacamentos da Região Militar 89 (desde meados da década de 70 e até ao início da década de 90) e a defesa da cidade do Cuito durante os meses de assédio, quando Savimbi se decidiu pela “guerra dos diamantes de sangue”!

2 – Intrépido e destemido, o camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar” foi um dos combatentes que participou nas Forças Especiais do Bié, depois Brigada de Luta Contra Bandidos, adstrita o ex-Ministério da Segurança do Estado, uma unidade que se responsabilizou pela segurança geo estratégica que garantiu a viabilidade da soberania de Angola no planalto central, contra as iniciativas conjugadas das SADF no Cuando Cubango que impulsionavam as das FALA no Bié (desde meados da década de 70 e até à década de 90) e depois contra Savimbi, no quadro da“guerra dos diamantes de sangue”, que incluiu a “guerra das cidades”.

Homem da linha da frente, não tinha jeito para trabalhos administrativos, nem de secretaria, nem de logística, sendo um excelente conhecedor de tácticas de pequenos grupos, de todo o tipo, incluindo de combate nocturno.

Foi e é admirado pelos seus companheiros de luta, mas em vida não mereceu ser reformado com subida de posto na Caixa Social das FAA, como acontece ainda hoje, injustamente, com muitos oficiais seus contemporâneos pertencentes às mesmas unidades e só se conseguiu reformar muito recentemente por via do Ministério do Interior, por que entretanto tinha passado a fazer parte da Emigração e Fronteiras, onde prestou serviço na sua última fase activa.

3 – O camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar” é membro da ASPAR, “Acção Social Para Apoio e Reinserção”, uma Instituição de Utilidade Pública que advoga sobretudo a comunidade de camaradas combatentes e membros do MPLA com situação ainda não contemplada em termos de justo enquadramento nas medidas de Reconstrução Nacional, Reconciliação e de Reinserção Social.

De facto, enquanto em função da corrente de Acordos a esmagadora maioria dos combatentes que pertenceram à FNLA, à UNITA e à FLEC estão com sua situação enquadrada nas medidas gerais de Reconstrução Nacional, Reconciliação e Reinserção Social, alguns daqueles combatentes patenteados pelas FAPLA, que fizeram parte de forças que respondiam à ex-Segurança do Estado, mesmo que tenham sido e continuem a ser membros do MPLA, têm sentido muitas dificuldades em se equipararem, por que alguns membros do Governo Angolano, responsável acima de tudo pela execução das medidas, não têm correspondido ao nível da dignidade que eles merecem, em desajuste com o próprio MPLA que se debruçou sobre o assunto quer no IVº, quer agora no Vº Congresso Extraordinário!

Outros combatentes que prestaram serviço no ex-Ministério da Segurança do Estado, que assumiram actividades de oficiais operativos sem contudo terem sido patenteados pelas FAPLA, estão ainda em situação mais precária, não havendo até hoje forma de garantir as reformas que por mérito têm direito, depois de serem desactivados há mais de 20 anos, sem qualquer medida vinculativa!

Outro facto no mínimo intrigante, é o de terem sido sistematicamente enaltecidos os feitos dos combatentes que impediram Savimbi de tomar o Cuito, tendo até muitos deles sido sepultados no cemitério onde foram recolhidas as ossadas dos anónimos tombados, sem que haja uma política coerente em relação aos combatentes defensores da cidade ainda em vida, assim como em relação às viúvas e órfãos, ao contrário do que vai acontecendo quantas vezes com aqueles que integraram as forças que a atacaram!

4 – Por muito esquecido que tenha sido o camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar” e outros camaradas de trincheira, os combatentes das horas mais difíceis e decisivas em que se afirmou a independência e a soberania de Angola, têm toda a legitimidade em honrar a memória dos caídos, o seu heroísmo, o seu imenso mérito e lembrar que a ineficácia que tem dado provas em muitos casos alguns membros do Governo Angolano nas políticas que os deviam integrar dignamente nos expedientes de paz, enquadra-se no mais nefasto e desprestigiante oportunismo!

Por essa razão, em nome do próprio MPLA de que muitos anónimos são militantes com provas dadas nas horas e nos momentos críticos, essa aparente ineficácia governamental, com respostas tão equívocas neste caso ao nível do Ministério do Interior, não pode mais passar em branco e deixar de ser apontada e advertida publicamente!

Enquanto por exemplo em Cuba, que fez das trincheiras angolanas as suas trincheiras, os heróis são lembrados, enaltecidos e evocados como exemplo, com a cultura de sua memória por razões de independência, de soberania e da construção do socialismo, em Angola há quem pretenda passar uma esponja sobre a história, por que não tem melhor argumento para responder perante a Pátria e o seu próprio Povo!

*Foto recolhida por Martinho Júnior no dia 15 de junho de 2011 no conhecido colégio dos Maristas na cidade do Cuito, por alturas duma Assembleia de Antigos Combatentes; o “Saber Andar” é a torre da esquerda, ao lado do autor.

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