Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
A
democracia está a tornar-se, acelerada e perigosamente, refém dos mercados
financeiros. Estes, utilizando o seu poder dominante, procuram impor, nas mais
diversas esferas da sociedade, a cartilha neoliberal que marca a atual fase do
capitalismo reinante. Os governos que ideologicamente se situam neste campo - e
mesmo aqueles que o rejeitam conceptualmente mas se sujeitam às suas
inevitabilidades - estão condenados a mentir sistematicamente aos cidadãos: é a
"inevitabilidade" resultante do choque brutal entre os objetivos e
resultados das políticas prosseguidas e a vida em democracia em sociedades
modernas, que implica supremacia da política definida pelo voto e anseios dos
povos, desenvolvimento humano com sistemas universais e solidários de direitos sociais
fundamentais. Entre o dia 8 e o dia 11 deste mês, os juros da dívida pública
portuguesa subiram de novo de 2,72% para perto de 3%. Algo semelhante, embora
em menor extensão, aconteceu com os juros das dívidas espanhola e italiana. O
que aconteceu de extraordinário nesses dias em Portugal, Espanha e Itália?
Nada, além do que vem acontecendo nos últimos anos. Na Grécia, também
prosseguiram as políticas de austeridade, mas surgiu ali um facto novo. O
Governo grego decidiu antecipar as votações no Parlamento, tendentes à eleição
do novo presidente da República. Se nessas eleições não forem obtidos os dois
terços necessários, a consequência possível será a realização de eleições para
o Parlamento já no início de 2015. Segundo as sondagens, a oposição pode ganhar
essas eleições. Perante este cenário, o direito de o povo grego escolher os
seus governantes e as políticas que deseja para o seu país é de imediato
ameaçado: os juros da dívida subiram para 8,58%. Para os agentes financeiros
que comandam a flutuação dos juros, eleições democráticas representam
"riscos políticos".
Este
episódio mostra que vivemos à beira do abismo. Um espirro na Grécia é
transformado num tremor de terra em toda a periferia da União Europeia. O
acesso ao mercado da dívida soberana, de que o Governo português tanto se gaba,
está preso por arames face a estas instabilidades e à falta de transparência
dos balanços dos bancos portugueses. E a democracia tem sobre a cabeça a
espada, não de Dâmocles mas da finança internacional. Ao mínimo sinal de
mudança política contra os seus gostos, os capitais, com toda a liberdade
especulativa, batem asas e atiram os juros para os píncaros. Assim, qualquer
país pode ficar sujeito ao incumprimento do serviço da dívida, ou a um novo
resgate.
Num
mundo desprovido de instituições de governação à escala internacional e com
governos que subjugam a política, a integração económica e financeira
exponencia os riscos sistémicos. Como numa floresta sem aceiros, qualquer
pequena fogueira se transforma rapidamente num incêndio. Na União Europeia e no
país, em vez de andarem a "encanar a perna à rã" com declarações de
boas intenções e indução de falsas esperanças, mas sem ação concreta, exige-se
a criação de alguns atritos nas pistas onde viajam os capitais e a colocação de
barreiras de controlo, impeditivas dos roubos atualmente "legais" e
potenciadoras da taxação da riqueza a favor do bem coletivo.
Em
Portugal, sentimo-nos chocados com as trapaças, manipulações e mentiras
concretizadas por gestores sem escrúpulos nas negociatas dos swaps, nos
processos BES/GES, BPN, Portugal Telecom e tantos outros.
Mas
as privatizações e as negociatas das PPP também foram feitas debaixo de
idênticas propagandas mentirosas. Além disso, se compararmos com objetividade
as promessa eleitorais dos responsáveis políticos que estão no Governo com as
políticas que depois impuseram, ou se compararmos os objetivos por eles anunciados
nas "reformas" da justiça, do ensino, da saúde com aquilo que delas
resultou, deparamo-nos igualmente com monumentais manipulações e mentiras. O
Governo manipula leituras e dados estatísticos, para nos mentir sobre a
evolução do emprego e do desemprego. Tem em marcha um ataque brutal à segurança
social para privatizar serviços sociais e despedir trabalhadores. Fá-lo, a
coberto de propaganda mentirosa.
O
futuro reclama forte combate à especulação e à mentira.
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