O
cineasta António Pedro Vasconcelos é o mentor de um manifesto contra a venda
companhia aérea portuguesa. "Não TAP os olhos" é o título da
iniciativa e já conta com as assinaturas de nomes como Manuel Alegre, Mário
Soares, Miguel Sousa Tavares, Pedro Abrunhosa e Tony Carreira. Leia aqui o
texto na íntegra.
Margarida
Fiúza - Expresso
Não
à venda da TAP
Depois
de um recuo, que se esperava tivesse sido ditado pelo bom senso, mas que se
revelou apenas estratégico, o Governo reiterou o seu propósito de vender a
nossa companhia aérea nacional.
A
concretizar-se, a alienação de um património nacional com quase 70 anos de
experiência, e que representa, além do mais, um dos poucos exemplos de sucesso
e de prestígio além-fronteiras - como atestam os rankings e os variadíssimos
prémios internacionais, em termos de segurança, conforto e eficácia -, seria um
desastre nacional, sem falar do negócio ruinoso que representaria e do risco
para milhares de empregos, com reflexos na sustentabilidade da Segurança
Social.
A
TAP é património nacional. E o Governo, qualquer Governo, não pode dispor do
património do país como se fosse dele. O Presidente da República tem, por isso,
nas mãos, e os portugueses, enquanto cidadãos, têm na voz com que podem
exprimir o seu protesto, os instrumentos para travar esta decisão danosa para o
interesse nacional.
Mas
não é só para os portugueses que vivem em Portugal que a TAP é, mais do que uma
companhia de bandeira, um símbolo e um garante de soberania e de independência:
é para mais de cinco milhões de concidadãos nossos que vivem pelo mundo fora,
de Caracas a Paris, de Luanda ao Rio de Janeiro, do Luxemburgo ao Maputo, que
dependem da TAP para o seu trabalho e os seus negócios, mas também para manter
os laços familiares e afectivos com a Pátria.
A
primeira obrigação de um Estado soberano é assegurar a união, a coesão e a defesa
da comunidade. E a manutenção de uma linha aérea que nos una ao universo da
língua portuguesa é uma actividade soberana, tal como a defesa nacional ou a
administração da justiça, numa palavra, a salvaguarda dos interesses nacionais,
quaisquer que eles sejam e onde quer que eles se encontrem.
Não
é isso que entende o Governo, que se escuda nas regras da União Europeia que
alegadamente impediriam os estados membros de injectar dinheiro nas suas
companhias aéreas. Ora, se necessário fosse, a Comissária europeia da
concorrência, Margrethe Vestager, já veio desmentir a versão do Governo,
acrescentando que o Estado português não apresentou, até à data, em Bruxelas,
nenhuma proposta de viabilização da TAP.
E,
ao contrário do que se quer fazer crer, mesmo nos Estados Unidos, existe um
impedimento legal para a compra por empresas estrangeiras de participações
maioritárias em qualquer das suas linhas aéreas. Por sua vez, a indústria
alemã, por exemplo, é suportada, na generalidade, por uma rede semi-pública de
institutos de investigação que beneficiam de investimento estatal. E, conforme
reconhece a OCDE, "vários países europeus têm legislação que restringe
aquisições por capital estrangeiro; adicionalmente, vários governos europeus
tentaram recentemente desencorajar cross-country takeovers, em sectores
que vão da energia aos transportes aéreos e produtos alimentares."
Por
isso, só não é possível financiar a TAP se o Governo se demitir das suas
obrigações e decidir não defender o seu património e o interesse nacional.
Sobretudo, depois de o acórdão Altmark do Tribunal de Justiça da UE, ter
feito jurisprudência, ao fixar as regras e condições para os Estados Membros
poderem financiar, directamente ou através de empréstimos bancários, os
serviços de interesse económico geral, o que, no caso da TAP, acontece na
grande maioria dos voos (Regiões Autónomas, Diáspora e grandes concentrações de
portugueses fora do nosso território). Os princípios que norteiam as políticas
de intervenção estatal no sector aeronáutico são muito claros. Por forma a
assegurarem alguma estabilidade concorrencial no sector, estas políticas são
norteadas pelo princípio "one time, last time", que proíbe uma
empresa de receber apoio e ajuda na reestruturação mais do que uma vez a cada
dez anos. Ora, não há apoio estatal à TAP há 18 anos!
Mas,
além do mais, a TAP não é uma companhia qualquer, porque não somos um país
qualquer: somos um país com responsabilidades para com a imensa diáspora de
cinco milhões de portugueses, dispersos pelos cinco continentes, e para com os
que vivem nos Açores e na Madeira, mas também para com os cidadãos das antigas
colónias, na América Latina, em África e no Oriente, um espaço de 250 milhões
de falantes da mesma língua: o português. Como alguém escreveu,
"privatizar a TAP seria o equivalente histórico a D. Manuel ter dado a
exploração das caravelas quinhentistas a navegadores espanhóis".
Privatizar
a TAP, que é a maior exportadora nacional, seria, literalmente, como escreveu
outro português indignado, "um crime de lesa-Pátria. O que se ganha com a
transportadora nacional não fica espelhado nas contas da TAP - está disperso
nos ganhos dos hotéis, restaurantes ou centros de conferências, por
exemplo".
Para
mais, em Portugal, a TAP, pelas características e pela dimensão do país,
tem funcionado, na prática, como um monopólio público, e, como lembrou o
cidadão António Pires de Lima, pouco tempo antes de ser Ministro da Economia, é
um perigo e um erro "privatizar monopólios"!
Se
a decisão de privatizar tudo e a todo o custo não obedecesse a um plano para
afastar o Estado da economia (e, na floresta dos interesses, sem o Estado, o
mercado transforma-se numa selva), o Governo devia ter aprendido com as
recentes, graves e desastrosas privatizações de sectores estratégicos da nossa
economia - que representaram, também, uma alienação da nossa soberania. Os que
alimentam o mito conveniente de que os privados nos libertam dos riscos da má
gestão pública deviam, no mínimo, sentir-se abalados pelos casos recentes do
BPN (os gastos com a intervenção no BPN cobririam mais de 40 vezes a dívida da
TAP), do BES ou da PT.
Os
portugueses sentem que a TAP é sua, como eram os CTT, a GALP, a PT, a EDP ou a
CIMPOR, o que lhes dá o direito a protestar e a exigir. A sua privatização
seria, deste modo, mais uma medida da sistemática alienação dos centros
estratégicos de decisão nacionais, como foi também a liberalização da
exploração das minas, da floresta ou da água, sem contar com as PPPs ou os
SWAPs, com sacrifício do interesse nacional.
De
facto, podemos perguntar-nos o que ganhámos nós, como consumidores e como país,
com a privatização, total ou parcial, dessas empresas? Aumento de preços e pior
serviço, despedimentos, lucros fantásticos para os accionistas, num mercado
protegido pelo Estado através de um sistema fiscal que os favorece. Lucros que,
na maioria dos casos, não são injectados na nossa economia, uma vez que se
trata de empresas de capital estrangeiro. O exemplo da ANA, o maior centro
comercial do país, que, desde que foi entregue em mãos privadas, aumentou
várias vezes a taxa de aeroporto, devia bastar para nos elucidar.
Mas
o Governo reincide: depois de, no passado, ter sido feita uma tentativa,
felizmente abortada, de a fundir com a Swissair (que, entretanto, faliu), a TAP
viu-se impelida a comprar a Portugália, que também estava falida. Depois,
viu-se obrigada a recomprar a Groundforce, então já espanhola, a quem tinha
sido entregue todo o handling do aeroporto de Lisboa e Faro, e que
prestava cada vez pior serviço. E, finalmente, num negócio desastroso, tanto a
nível financeiro como estratégico, e cuja opacidade está por clarificar, foi
empurrada para comprar a VEM, no Brasil, operação que tem vindo a custar à holding somas
absurdas, que perturbam o plano operacional da empresa no seu core
business: o transporte aéreo.
Os
portugueses dispõem de uma empresa que funciona bem e prestigia o país, que garante
a manutenção do HUB em Lisboa, que, com uma frota diminuta, compete
com os gigantes europeus (70 aviões, contra 240 da Air France, 420 da Lufhtansa
e 230 da British Airways), que ganhou, por mérito próprio, um papel de
liderança absoluta no Atlântico Sul e um papel importante em África, que é uma
alavanca de negócios no mercado brasileiro (como aconteceu com a GALP ou PT,
graças à entrada da TAP em rotas estratégicas, ou mais recentemente na Colômbia
e no Panamá), que, enquanto transportadora aérea, é rentável, que dá trabalho a
quase 12.000 pessoas e paga 200 milhões de euros de impostos por ano.
Além
de que, através da própria TAP, são todos os anos consumidos e colocados num
mercado de milhões de pessoas, produtos que representam aquilo que de melhor é
produzido neste País, como sustenta a segunda posição no ranking das Empresas
Exportadoras, com mais de dois mil milhões de Euros de vendas ao exterior.
É
esta empresa que é nossa, onde o Estado não investe um cêntimo há quase vinte
anos, que o Governo quer agora entregar em mãos estranhas ao interesse
nacional, e mesmo estrangeiras, uma operação cujo encaixe, além do mais,
poderia ser igual a zero.
Um
país que entrega tudo à iniciativa privada, fica privado de iniciativa.
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