Tomás
Vasques – jornal i, opinião
O
segredo de justiça é um instrumento concebido para proteger os arguidos que se
transformou numa arma mortífera contra os direitos de quem devia proteger
Não
sei - ninguém sabe, neste momento - se o ex-secretário geral do Partido
Socialista e ex-primeiro-ministro é culpado ou inocente dos crimes que o juiz
Carlos Alexandre lhe imputou, ainda sob a forma de indícios. Nem a própria
prisão preventiva em que se encontra José Sócrates está consolidada. Nos termos
da lei, essa medida de coação é ainda questionável em instâncias superiores. Ou
seja, para abreviar, neste caso (como em relação a qualquer outro caso de
qualquer cidadão, na mesma situação), a justiça ainda não cumpriu na plenitude
a sua missão: investigar, acusar e julgar até à última instância. Até que isso
aconteça muita água vai correr debaixo das pontes.
O
que este caso trouxe à tona de água, tanto ou mais que qualquer outro anterior,
sobretudo pela particular contaminação política que o envolve, foi, em primeiro
lugar, que o "segredo de justiça", consagrado na lei, é um
instrumento que, concebido para proteger os arguidos, se transformou no seu
contrário: é uma arma mortífera contra os direitos de quem devia proteger. Em
segundo lugar, constatado que o "segredo de justiça" já não existe, e
é usado através da comunicação social selectivamente, de modo a produzir uma
acusação e uma condenação antecipadas na opinião pública, a presunção de
inocência passa a ser letra morta e substituída pelo seu inverso: a presunção
de culpa até prova em
contrário. Finalmente , em terceiro lugar, a condenação
antecipada, no tempo mediático e não no tempo e nos trâmites judiciais, sem
contraditório, provoca, inevitavelmente, uma inversão do ónus da prova: passa a
caber ao arguido, já publicamente acusado e condenado, demonstrar que está
inocente, libertando a justiça da tarefa de provar a sua culpa. Ao contrário do
que muita gente por aí diz, a perversão de princípios basilares de um Estado de
direito não fortalece a democracia. Esta empobrece sempre que deita pela borda
fora as traves mestras que lhe conferiram o estatuto de "ser o pior regime
com excepção de todos os outros".
Há
quem defenda este desregulamento das regras basilares das sociedades
democráticas argumentando que, em primeiro lugar, na sociedade da informação e
do espectáculo dos nossos dias, é impossível manter-se o "segredo de
justiça" e, em segundo lugar, este julgamento e condenação antecipados não
são judiciais mas políticos. Fracos argumentos para a destruição de bens
democráticos tão preciosos.
Quanto
ao "segredo de justiça" basta lembrar, neste caso mais recente, que
na noite de sexta-feira, 21 de Novembro, não havia a mais insignificante
notícia jornalística sobre a detenção, no dia anterior, de três indivíduos, um
empresário, um motorista e um advogado (todos relacionados com José Sócrates),
por suspeitas de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude
fiscal, bem como a visita policial a casa do filho e da ex- -mulher do
ex-primeiro-ministro. Como acredito que a comunicação social teria divulgado
essa notícia, no caso de ela ter chegado ao conhecimento das redacções, presumo
naturalmente que as "gargantas fundas" não quiseram abrir a torneira,
o que significa que a torneira, se se quiser, no respeito pela lei, pode ficar
fechada.
Quanto
aos julgamentos políticos, é melhor avisar essa gente que não decorrem da sua
vontade e são feitos em eleições. José Sócrates , e o governo do Partido
Socialista, foram julgados politicamente nas eleições de Junho de 2011.
Pretender um "julgamento político" fora de eleições, a partir de uma
condenação mediática, assenta em sucessivas violações do segredo de justiça, do
princípio da presunção de inocência, da inversão do ónus da prova, do
contraditório e à margem da pirâmide da justiça, conduz-nos a uma democracia
apodrecida, sem substância. Uma democracia à mercê de todos os apetites
antidemocráticos.
PS
Muita gente desejava que o congresso do Partido Socialista, realizado este
fim-de-semana, meia dúzia de dias após a detenção de José Sócrates, fosse uma
espécie de velório ou, pior ainda, que se transformasse num desfile de
carpideiras a vociferar contra a justiça. Isso não aconteceu, naturalmente.
António Costa foi capaz, no calendário difícil em que se realizou este XX
Congresso do PS, de dar a dimensão política que se exige ao maior partido da
oposição. E ficou claro que "nem uma mudança de líderes da direita
permitirá qualquer tipo de acordo".
Jurista,
escreve à segunda-feira
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