sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Portugal: LEOPARDOS COM PELE DE CORDEIROS




As inquirições parlamentares ao descalabro do Banco Espírito Santo têm sido úteis para observarmos comportamentos que dizem muito sobre a natureza humana, sobre a arte de ser português e sobre a grande teia financeira que vai (des)orientando o nosso mundo global.

António José Teixeira – SIC, opinião

1. Ricardo Salgado recorre ao provérbio para reclamar idoneidade. O leopardo deixará a pele quando morre, o homem a sua reputação. Salgado ainda não caiu em si. Vive em estado de negação. Não foi ele, não sabia, não deu instruções. Tem óbvio direito, como qualquer um, a reclamar inocência. Não tem é o direito a ser irresponsável. Não é só por lhe ficar mal ou por ninguém acreditar. É uma questão de decência. 

2. Ricardo Salgado ainda hoje acredita que o BES e o GES sobreviveriam se lhe tivessem concedido um empréstimo de médio prazo. Provavelmente, sobreviveria. Ou não. Provavelmente, com mais um empréstimo, assim sobrevivem muitos bancos e empresas. Com empréstimo, ou sem empréstimo, nada será para sempre. É também a lei de quem vive de emprestar e receber, de apostar e investir, de ganhar e de perder. Salgado conhece o jogo e os jogadores. Tanto, que quase sempre saiu a ganhar. Não estava preparado para perder... tudo. Incluindo a reputação.

3. Ricardo Salgado contou ao longo de décadas com múltiplos apoios e cumplicidades. Ele era mais do que um grupo financeiro e económico. Não sei se era um político, mas ajudou a fazer políticos. Alguns estão aí. Silenciosos uns, desculpando-se outros, já se esqueceram de como fecharam os olhos ao longo de anos de muita circulação de capitais. As comadres que se levantaram, chocadas com contas que não batiam certo, não o fizeram por terem princípios morais mais elevados do que Salgado. Fizeram-no pelo absoluto interesse pessoal. Até aí, ou não sabiam de nada ou apenas sentiam que as coisas não corriam muito bem... E não se incomodaram.

 4. Ricardo Salgado construiu uma teia intrincada de sociedades, cheia de alçapões e esconderijos. Muita complexidade para melhor dissimular operações financeiras. Tudo sofisticado, tudo decerto legal e ajustado aos desafios da globalização. Os mercados financeiros são os motores globais. Para o bem e para o mal andam demasiadas vezes à solta. Nem as regulações nacionais costumavam causar-lhes incómodo. Controlam auditores, fecham-se habilmente, não é fácil tocar-lhes. Os supervisores podem chamar-se super, mas são quase sempre impotentes. Estão aí, cheias de justificações, as tristes figuras do Banco de Portugal no BPN e no BES.

5. Ricardo Salgado soube cultivar a sombra. Mas deixou muitos rastos claros dos seus actos. Não apenas seus. Há muitas assinaturas que sempre o acompanharam. Foram apostas em balanços públicos do seu exercício. E mesmo que os números pecassem por defeito, já havia demasiado excesso no que tinha letra de forma. Andam por aí alguns escandalizados tardios que poderiam ter prevenido a debacle. Mas não souberam ou não quiseram.

6. Ricardo Salgado podia ter salvo o BES? Podia. Se tivesse percebido que o mundo mudou nos últimos anos. Não percebeu o tempo. Já só corria atrás do prejuízo quando um banqueiro se faz do lucro. Salgado queria mais tempo. Era demasiado tarde. Talvez não fosse para o BES se o Governo quisesse abrir mão do dinheiro da troika para a recapitalização da banca. Já não era Salgado. Era Vitor Bento. Mas nem assim. O cálculo político ditou a sentença. Governo e Banco de Portugal já tinham decidido: o BES acabou. O BES é, definitivamente, o banco mau.

7. Ricardo Salgado e a família Espírito Santo caíram em desgraça e ficaram a nu. O que se tem visto e ouvido não é bonito. É vulgar, ordinário. Nos negócios e nas relações pessoais. É mais do que um combate familiar, mesmo sendo uma família antiga e cheia de pergaminhos nas finanças da República e antes do Reino. Ilustra a decadência de quem não soube honrar compromissos e estar à altura do tempo. Não sei se o que aí está, e aí vem, será melhor. Mas sei que será difícil recuperar a confiança em banqueiros. A fidúcia é o grande capital.

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