As
inquirições parlamentares ao descalabro do Banco Espírito Santo têm sido úteis
para observarmos comportamentos que dizem muito sobre a natureza humana, sobre
a arte de ser português e sobre a grande teia financeira que vai
(des)orientando o nosso mundo global.
António
José Teixeira – SIC, opinião
1.
Ricardo Salgado recorre ao provérbio para reclamar idoneidade. O leopardo
deixará a pele quando morre, o homem a sua reputação. Salgado ainda não caiu em si. Vive em estado de
negação. Não foi ele, não sabia, não deu instruções. Tem óbvio direito, como
qualquer um, a reclamar inocência. Não tem é o direito a ser irresponsável. Não
é só por lhe ficar mal ou por ninguém acreditar. É uma questão de
decência.
2.
Ricardo Salgado ainda hoje acredita que o BES e o GES sobreviveriam se lhe
tivessem concedido um empréstimo de médio prazo. Provavelmente, sobreviveria.
Ou não. Provavelmente, com mais um empréstimo, assim sobrevivem muitos bancos e
empresas. Com empréstimo, ou sem empréstimo, nada será para sempre. É também a
lei de quem vive de emprestar e receber, de apostar e investir, de ganhar e de
perder. Salgado conhece o jogo e os jogadores. Tanto, que quase sempre saiu a
ganhar. Não estava preparado para perder... tudo. Incluindo a reputação.
3.
Ricardo Salgado contou ao longo de décadas com múltiplos apoios e
cumplicidades. Ele era mais do que um grupo financeiro e económico. Não sei se
era um político, mas ajudou a fazer políticos. Alguns estão aí. Silenciosos
uns, desculpando-se outros, já se esqueceram de como fecharam os olhos ao longo
de anos de muita circulação de capitais. As comadres que se levantaram,
chocadas com contas que não batiam certo, não o fizeram por terem princípios
morais mais elevados do que Salgado. Fizeram-no pelo absoluto interesse
pessoal. Até aí, ou não sabiam de nada ou apenas sentiam que as coisas não
corriam muito bem... E não se incomodaram.
4.
Ricardo Salgado construiu uma teia intrincada de sociedades, cheia de alçapões
e esconderijos. Muita complexidade para melhor dissimular operações
financeiras. Tudo sofisticado, tudo decerto legal e ajustado aos desafios da
globalização. Os mercados financeiros são os motores globais. Para o bem e para
o mal andam demasiadas vezes à solta. Nem as regulações nacionais costumavam
causar-lhes incómodo. Controlam auditores, fecham-se habilmente, não é fácil
tocar-lhes. Os supervisores podem chamar-se super, mas são quase sempre
impotentes. Estão aí, cheias de justificações, as tristes figuras do Banco de
Portugal no BPN e no BES.
5.
Ricardo Salgado soube cultivar a sombra. Mas deixou muitos rastos claros dos
seus actos. Não apenas seus. Há muitas assinaturas que sempre o acompanharam.
Foram apostas em balanços públicos do seu exercício. E mesmo que os números
pecassem por defeito, já havia demasiado excesso no que tinha letra de forma.
Andam por aí alguns escandalizados tardios que poderiam ter prevenido a
debacle. Mas não souberam ou não quiseram.
6.
Ricardo Salgado podia ter salvo o BES? Podia. Se tivesse percebido que o mundo
mudou nos últimos anos. Não percebeu o tempo. Já só corria atrás do prejuízo
quando um banqueiro se faz do lucro. Salgado queria mais tempo. Era demasiado
tarde. Talvez não fosse para o BES se o Governo quisesse abrir mão do dinheiro
da troika para a recapitalização da banca. Já não era Salgado. Era Vitor Bento.
Mas nem assim. O cálculo político ditou a sentença. Governo e Banco de Portugal
já tinham decidido: o BES acabou. O BES é, definitivamente, o banco mau.
7.
Ricardo Salgado e a família Espírito Santo caíram em desgraça e ficaram a nu. O
que se tem visto e ouvido não é bonito. É vulgar, ordinário. Nos negócios e nas
relações pessoais. É mais do que um combate familiar, mesmo sendo uma família
antiga e cheia de pergaminhos nas finanças da República e antes do Reino.
Ilustra a decadência de quem não soube honrar compromissos e estar à altura do
tempo. Não sei se o que aí está, e aí vem, será melhor. Mas sei que será
difícil recuperar a confiança em banqueiros. A fidúcia é o grande capital.
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