Luís
Osório – jornal i, editorial
Uma
mala de dinheiro para aqui e outra para acolá, sabemos como a história acaba. A
corrupção teve e tem um campo fértil para se desenvolver
Ricardo
Salgado julgou ter as peças na mão. Os peões e bispos políticos a quem
promovia, os partidos a quem financiava, a comunicação social a quem comprava
espaço publicitário, as empresas, os empreiteiros, as fundações e o diabo a
quatro. Muitos dos homens que ajudaram a construir o regime saído do Estado
Novo, a partir do momento em que a família Espírito Santo tornou à pátria,
dependeram ou foram construídos e promovidos pela mão do banqueiro agora
abandonado à desgraça.
O
BES e a ganância não são o motivo destas linhas. Tudo, ou quase, já foi dito.
As palavras estão a gastar-se ou gastaram-se por completo. Teremos, espero que
brevemente, de virar a página. Porém, temo que nesse rasgar de uma página para
a outra não aproveitemos para escrever um novo livro. A democracia e a
liberdade não são conceitos exactamente iguais. Mas um e outro dependem de um
regime, de uma organização, que nos proteja de nós próprios – que nos regule o
nosso egoísmo, a nossa ambição, o nosso individualismo.
Os
partidos precisam de dinheiro. Arranjam-nos através de subvenções, de
financiamentos e donativos que, sobretudo nas verbas que vêm de privados,
raramente são declarados na totalidade. É um pouco como a lei seca americana:
quanto mais se proibia o álcool, mais negócio paralelo se fazia… e mais
intermediários surgiam na folha de pagamentos. Havia para todos.
À
conta do financiamento dos partidos nasceram no PSD, PS e CDS (nomeadamente
estes) pessoas que se especializaram em recolher as malas de dinheiros dos
financiadores que, em múltiplos casos, nem sequer assinavam a lista oficial de
mecenas. Uma mala de dinheiro para aqui e outra para acolá, sabemos como a
história acaba. A corrupção teve e tem um campo fértil para se desenvolver, um
verdadeiro rio que “alaga” também gente séria e competente. São as regras do
jogo, um lamento insuportável.
Nos
últimos quarenta anos, em vários governos, à esquerda e à direita, responsáveis
das Obras Públicas especializaram-se no que era aceite tacitamente por todos.
Assumiam-no sem culpas, afinal estava em causa a democracia e o seu custo. Se
existiam corruptos a ganhar dinheiro com as operações, tal era a condição humana,
pouco ou nada a fazer.
A
geração que alcançou o poder (e as próximas) pode contribuir para uma
transparência que é essencial para a sobrevivência da democracia partidária. É
fulcral não desperdiçar a oportunidade de tornar a lei de financiamento dos
partidos, menos restritiva e mais aberta ao conhecimento público. É fundamental
regulamentar e autorizar o lobby político. E é igualmente decisivo escrutinar
os homens e as mulheres antes de serem investidos na função de ministros,
secretários de Estado, directores-gerais ou deputados. Sermos um pouco mais
americanos, assumindo os riscos de o fazer. É que chegámos a um ponto em que se
tornou insuportável a ideia de que a democracia é uma casa onde jagunços jogam
póquer com as nossas vidas.
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