sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Portugal: PÓQUER COM A NOSSA VIDA



Luís Osório – jornal i, editorial

Uma mala de dinheiro para aqui e outra para acolá, sabemos como a história acaba. A corrupção teve e tem um campo fértil para se desenvolver

Ricardo Salgado julgou ter as peças na mão. Os peões e bispos políticos a quem promovia, os partidos a quem financiava, a comunicação social a quem comprava espaço publicitário, as empresas, os empreiteiros, as fundações e o diabo a quatro. Muitos dos homens que ajudaram a construir o regime saído do Estado Novo, a partir do momento em que a família Espírito Santo tornou à pátria, dependeram ou foram construídos e promovidos pela mão do banqueiro agora abandonado à desgraça.

O BES e a ganância não são o motivo destas linhas. Tudo, ou quase, já foi dito. As palavras estão a gastar-se ou gastaram-se por completo. Teremos, espero que brevemente, de virar a página. Porém, temo que nesse rasgar de uma página para a outra não aproveitemos para escrever um novo livro. A democracia e a liberdade não são conceitos exactamente iguais. Mas um e outro dependem de um regime, de uma organização, que nos proteja de nós próprios – que nos regule o nosso egoísmo, a nossa ambição, o nosso individualismo.

Os partidos precisam de dinheiro. Arranjam-nos através de subvenções, de financiamentos e donativos que, sobretudo nas verbas que vêm de privados, raramente são declarados na totalidade. É um pouco como a lei seca americana: quanto mais se proibia o álcool, mais negócio paralelo se fazia… e mais intermediários surgiam na folha de pagamentos. Havia para todos.

À conta do financiamento dos partidos nasceram no PSD, PS e CDS (nomeadamente estes) pessoas que se especializaram em recolher as malas de dinheiros dos financiadores que, em múltiplos casos, nem sequer assinavam a lista oficial de mecenas. Uma mala de dinheiro para aqui e outra para acolá, sabemos como a história acaba. A corrupção teve e tem um campo fértil para se desenvolver, um verdadeiro rio que “alaga” também gente séria e competente. São as regras do jogo, um lamento insuportável. 

Nos últimos quarenta anos, em vários governos, à esquerda e à direita, responsáveis das Obras Públicas especializaram-se no que era aceite tacitamente por todos. Assumiam-no sem culpas, afinal estava em causa a democracia e o seu custo. Se existiam corruptos a ganhar dinheiro com as operações, tal era a condição humana, pouco ou nada a fazer.

A geração que alcançou o poder (e as próximas) pode contribuir para uma transparência que é essencial para a sobrevivência da democracia partidária. É fulcral não desperdiçar a oportunidade de tornar a lei de financiamento dos partidos, menos restritiva e mais aberta ao conhecimento público. É fundamental regulamentar e autorizar o lobby político. E é igualmente decisivo escrutinar os homens e as mulheres antes de serem investidos na função de ministros, secretários de Estado, directores-gerais ou deputados. Sermos um pouco mais americanos, assumindo os riscos de o fazer. É que chegámos a um ponto em que se tornou insuportável a ideia de que a democracia é uma casa onde jagunços jogam póquer com as nossas vidas.

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