Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Nesta
missa do sétimo dia, mereceu inusitado destaque, a semana passada, a audição
circense a Ricardo Salgado
A
nossa mais antiga instituição bancária - o BES -, que nasceu na Calçada do
Combro, no século xix, na mesma altura em que, ali, nas imediações, Antero
de Quental se debruçava, no Casino Lisbonense, sobre as Causas da Decadência
dos Povos Peninsulares, morreu subitamente nos primeiros dias de Agosto deste
ano. Apesar da provecta idade, até ao último dia poucos esperavam tal desfecho.
Como
se lembram, dias antes, o senhor Presidente da República, nos confins do mundo,
na Coreia do Sul, tranquilizou a família, os amigos e demais interessados. Com
ar circunspecto, disse: "Os portugueses podem confiar no Banco Espírito
Santo dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cumprir a
exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais
adversa." Sublinho: "podem confiar, mesmo na situação mais
adversa."
Também
o senhor primeiro-ministro, na mesma altura, garantiu aos portugueses:
"Não há nenhuma razão que aponte para que haja uma necessidade de
intervenção do Estado num banco que tem capitais próprios sólidos, que
apresenta uma margem confortável para fazer face a todas as contingências,
mesmo que elas se revelem absolutamente adversas, o que não acontecerá com
certeza."
Afinal,
"o podem confiar" e "o que não acontecerá" aconteceu. Dias
depois, facto insólito, Marques Mendes, o porta-voz disto tudo, anunciava que o
BES se finara. No dia seguinte, o governador do Banco de Portugal confirmou
oficialmente o óbito. Nessa noite, amortalharam o corpo do Espírito Santo num
lençol branco, supostamente novo, debruado com borboletas, e cobriram as
palavras dos mais altos dignatários da Nação de ridículo, senão mesmo com um
"manto diáfano" de perversão.
Perante
a morte inesperada, instalou-se a dúvida: uns dizem que o óbito foi
consequência de doença prolongada, obra exclusiva do Espírito Santo,
principalmente o Ricardo; outros, não negando a doença, dizem que BES teria
salvação se não fosse a pressa do primeiro-ministro e do governador do Banco de
Portugal em enforcarem o doente.
Para
que a dúvida seja esclarecida, de modo a não dilatar a dor que nos sobrevier no
momento em que tivermos de pagar o enterro, o parlamento decidiu constituir uma
comissão de inquérito para "apurar a verdade". Despudoradamente
intrometido, o primeiro-ministro indicou aos "seus" deputados o
caminho para a "verdade". Disse: "Concentrem-se no Espírito
Santo." Ora, este é exactamente o caminho oposto ao que devia ser seguido.
O que está em causa é a avaliação do comportamento do poder político e do
governador do Banco de Portugal neste processo desde meados de 2013 e,
sobretudo, entre as declarações de Cavaco Silva e Passos Coelho e o anúncio da
morte. Devia ser essa a competência de uma comissão de inquérito parlamentar. O
resto, se for o caso, é assunto da competência dos tribunais.
Nesta
missa do sétimo dia, mereceu inusitado destaque, a semana passada, a audição
circense a Ricardo Salgado. Durante mais de dez horas, o antigo banqueiro-mor
passeou-se entre as perguntas dos deputados, como faca em manteiga derretida. O
esforço de alguns deputados não chega para desfazer a intenção da maioria:
despachar o assunto com um relatório final cheio de conclusões que nada
esclarecem quanto ao essencial.
As
razões da morte súbita do BES, no tempo e nas circunstâncias que conhecemos,
ficarão eternamente por esclarecer, na medida em que o que está por detrás das
cortinas só pode ser esclarecido pelo governo de Angola, pelo primeiro-ministro
e ministra das Finanças e por Durão Barroso. O resto não passa de tricas no
seio da família Espírito Santo sobre boa e má gestão, as quais não deviam
merecer a atenção do Parlamento.
PS:
Com esta crónica chega ao fim a minha colaboração semanal neste jornal,
iniciada a 25 de Abril de 2011 - curiosa data. Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades, o que é natural. Agradeço aos leitores que ao longo destes (quase)
quatro anos me acompanharam e agradeço, também, a Ana Sá Lopes o convite que
então me fez.
Jurista
– Escreve à segunda-feira
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