Rui
Peralta, Luanda
I
- O acordo entre a Federação Russa e a Turquia, fez deste ultimo país o
principal receptor de gás russo na região. A Russia fornecerá, também, gás
adicional às populações do centro da Turquia e a "um enclave da fronteira
turco-grega" (segundo os termos do acordo). É um bom negócio para ambas as
partes: a Russia entra pela porta traseiras da UE, instalando-se no lucrativo
mercado europeu. A Turquia, por sua vez, é o grande intermediário. Mas o acordo
assinala, ainda, duas mudanças de posição (uma da Russia, outra da Turquia). A
Russia abandonou o projecto do gasoduto (Corrente do Sul) que transportaria gás
para o Sul da Europa e a Turquia abandonou o seu posicionamento euro-atlântico,
reassumindo a sua posição histórica euroasiática.
Para
esta mudança da Turquia muito contribuíram os fracassos da política da UE para
o Médio-Oriente e para o sector da energia. Claro que os turcos continuarão a
manter relacionamento privilegiado com a UE e com os USA, mas este reposicionamento
altera as relações Ocidente/Oriente, para além de representar uma vitória
geoeconómica e geopolítica da Russia, que desta forma amplia o seu mercado do
gás e contorna alguns dos impactos negativos das sanções, na economia e na
sociedade russa.
Este
cenário imprevisto representa um aumento da quota de mercado do gás russo, que
numa primeira fase fornecerá 3 mil milhões de metros cúbicos de gás à Turquia,
através do gasoduto Corrente Azul, com um desconto de 6% para os consumidores
turcos. Em simultâneo a Russia contorna os obstáculos colocados pela UE e pelos
USA, que através de ameaças e chantagens diversas neutralizam o posicionamento
favorável aos russos por parte da Bulgária, Hungria e Sérvia.
Os
mais afectados com esta alteração russa é o sul da Europa que não tem qualquer
fornecedor que possa satisfazer as suas necessidades crescentes de consumo,
para além de pagar mais 30% do que pagaria á GAZPROM. Em silêncio permanecem os
USA. Não o silêncio calculista mas o silêncio da surpresa. E compreende-se o
constrangimento da administração Obama. Os USA terão de rever a sua política
para a região além da sua estratégia no sector da energia. E isso é demasiado
complexo para os levianos conselheiros que rodeiam a Casa Branca...
II
- O silêncio dos USA é relativo. Tudo está escrito na House Resolution 758,
aprovada por 95% dos representantes (411 a favor, 10 contra e 13 abstenções) no dia
4 de Dezembro. Esta é uma resolução abertamente anti-russa. Considera as acções
da Federação Russa ("under President Vladimir Putin") que acusa de
"política de agressão contra os países vizinhos". Mas a HR 758 é
unilateral e não justifica as acusações, limitando-se a distorcer a realidade
dos factos, falsificando-os e escondendo-os, rescrevendo o passado e p
presente. E isto é grave. A política externa de um país, qualquer que ele seja,
não pode ser alicerçada em factos distorcidos, em realidades virtuais.
A
agressividade da linguagem utilizada na resolução é de tão grande intensidade
que o documento parece ter sido redigido por gente sem berço, roçando o linguajar
de caserna. Coloca os USA num plano geográfico não existente, escamoteando a
trágica realidade do drama norte-americano: o imperialismo, que coloca os USA
em lugares a que não pertence e que não lhe pertence. É um documento dos
"falcões" (o Partido da Guerra, transversal a democratas e
republicanos) que abafa o arrolhar das "pombas" (que não é o Partido
da Paz, é antes um "clube de damas e cavalheiros" que não são
transversais a nada, mas que pululam pelos corredores de tudo o que tem
corredores, como os democratas, os republicanos, a Casa Branca, o Congresso, o
Senado e outros de menos importância).
Estamos,
pois, na presença de um texto de propaganda pura e dura, sem grandes problemas
em disfarçar aquilo que é: propaganda musculada e intimidatória. Objectivo?
Mobilização total contra a Russia. Custe o que custar e a quem custar...
Na
HR 758 está escrito: "(...)the Russian Federation has subjected Ukraine to
a campaign of political, economic and military aggression for the purpose of
establishing its domination over the country and progressively erasing its
independence". Falso! A Russia não desempenhou qualquer papel no golpe de
Estado ucraniano e não foi a Russia que desencadeou a actual situação,
consequência do golpe em
Kiev. Quanto aos USA, tal como os seus submissos parceiros
europeus (parceiros menores, ou sócios minoritários, com uma quota menor nos
despojos do Imperio), já não podem dizer o mesmo. Apoiaram o golpe, estavam por
detrás e participaram atarefadamente nas acções de desestabilização e
aconselham o actual governo ucraniano a rejeitar as propostas de paz, enviadas
por Moscovo.
Mais
á frente o texto da Resolução refere: "Russian Federation's forcible
occupation and illegal annexation of Crimea (...)". A Russia não ocupou a
Crimeia, conforme acusa a Resolução. O que aconteceu foi algo muito diferente
da versão da NATO e que, aparentemente, não constava dos planos “pentagónicos”
dos militaristas atlantistas. Em resposta ao golpe de Kiev o Parlamento da
Crimeia adoptou uma resolução que apelava a um referendo sobre a
"desanexação" do território, uma vez que o Parlamento da Crimeia
considerou ilegítimo o governo ucraniano instituído pelo golpe de estado, não
existindo, nessas circunstâncias, possibilidades do Parlamento da Crimeia
continuar a manter as negociações com o governo anterior e com o parlamento de
Kiev. A soberania popular decidiu-se pela secessão, optando pela perspectiva
euroasiática.
Também
não é verdade que a HR 758 refere sobre a "ajuda" russa aos
"separatistas" e às "forças paramilitares", responsáveis
pela "morte de quatro mil e quinhentos civis e por centenas de milhares de
refugiados". A realidade é outra. Os milhares de mortos e as centenas de
milhares de refugiados são consequência da acção das forças militares de Kiev e
das milícias ultranacionalistas ao serviço dos serviços de segurança do governo
revanchista ucraniano. Ao romperem com os equilíbrios culturais e sociais do
país, ao exibirem uma prática etnicista que apressou-se a reprimir as legítimas
e históricas aspirações das populações não ucranianas que habitam na Ucrânia, o
governo ilegítimo da NATO para a Ucrânia ocupada, foi o responsável pela actual
situação. Às populações nada mais restou senão a opção da separação.
As
revindicações secessionistas são muito anteriores ao golpe e passaram por
longos períodos de moderação e por momentos de radicalização (a Republica de
Donetsk, por exemplo, é discutida em Kiev desde 2007). Não são
"invenções" russas como a NATO e os seus serviçais, que tomaram o
poder em Kiev, afirmam. Foi o golpe de estado que levou os activistas em
Donetsk a assumirem o controlo da situação e a proclamarem (auto-defensivamente)
o Estado Federal da Novorussiya, em 7 de Abril deste ano. Um mês depois (16 de
Maio) o governo ucraniano declara que a Republica Popular de Donetsk (membro do
Estado Federal da Novorussiya) era uma organização terrorista, enviando forças
militares para a região com o objectivo de reprimir o movimento e bombardeando
áreas civis em Donbass.
Não é conhecido qualquer envolvimento directo russo e os USA
nunca demostraram quaisquer evidencias desse envolvimento directo (embora
existam indícios de operações de suporte logístico e um deputado russo tenha
apresentado evidencias da existência de redes de voluntários russos na região.
Por comprovar fica o envolvimento directo do Kremlin, embora a investigação
continue no Parlamento russo).
Para
lá da questão secessionista a HR 758 recupera (embora a administração Obama
mantenha silêncio sobre o assunto, contrastando com o alarido inicial) a
tragédia ocorrida com o avião das linhas aéreas da Malásia. É demonstrativo da
completa falta de senso comum desta resolução trazer á ribalta um assunto que
está a ser investigado e sobre o qual ainda não existe qualquer conclusão (a
não ser que a tragédia não ocorreu da forma como a NATO a publicitou
inicialmente). Outra demonstração de falta de discernimento ocorre quando a
resolução reescreve os acontecimentos de 2008 na Geórgia. A Russia não invadiu
a Geórgia. A Russia reagiu às provocações fronteiriças do governo georgiano e
às ameaças veladas da NATO. As Forças Armadas da Federação Russa penetraram em
território georgiano para assumirem o seu compromisso com a Osséssia do Sul
(sob protecção russa) face aos constantes avanços militares georgianos nessa
região. E a medida parece ter resultado, se considerarmos a forma mais pacífica
e responsável com que o governo georgiano aborda, actualmente, estas questões.
Parece
que em Washington existe uma visão distorcida da realidade, que não consegue
ultrapassar preconceitos culturais hegemónicos. As elites políticas e
económicas norte-americanas estão a conduzir o país para o abismo, afastando-o
(com a sua visão unidimensional) da pluridimensionalidade da economia-mundo. Os
USA não conseguem desenvolver uma estratégia geoeconómica autónoma da
geopolítica e da geoestratégia, que articule estes dois elementos, mas que não
esteja submetida aos seus desígnios. E a HR 758 é mais uma prova disso.
Colocar
a NATO às portas da Russia não é um bom negócio. Os militares caducos do
Pentágono, formados nos princípios arcaicos de West Point, podem considerar que
isso é uma obra-prima, mas não é. Não traz qualquer mais-valia á economia
norte-americana, nem comporta qualquer benefício para o Povo norte-americano. É
mau negócio, uma imbecilidade. Obra-prima? Quanto muito é a prima do
mestre-de-obras, vestida pelas "prima donnas" do Pentágono e da Casa
Branca e pelos maníaco-depressivos da CIA e do NSA.
III
- No século XIX os ideólogos contrarrevolucionários lisonjeavam a Russia e o
czar Alexandre, que na prosa de alguns deles assumia proporções míticas. O czar
era o Salvador, que livrou a humanidade de Napoleão o Anticristo e esta
retórica não foi criada pelos serviços de propaganda de guerra contra as
invasões napoleónicas, mas pelos ideólogos europeus da contrarrevolução. Na
actualidade para onde corre a tinta dos ideólogos reacionários da
extrema-direita europeia? Para o mesmo lugar onde afluem as organizações da
extrema-direita europeia, os partidos populistas europeus e grupos afins, que
refazem a peregrinação dos seus correligionários dos seculos XVIII e XIX:
Moscovo!
A
lista é extensa, mas sobressaem a Frente Nacional (FN) francesa da
"vamp" Marine Le Pen (filha de peixe) que pretende ser a próxima
presidente da França, nas eleições de 2017. Marine e a sua FN (herança paterna)
receberam entre 9 milhões a 45 milhões de euros (a FN não fala do assunto,
Marine ainda menos e os russos confirmam mas não especificam. Imigrantes
ilegais, já sabem...o Kremlin reforçou os cacetes dos bandos da FN! Imigrantes
legais preparem-se! Marine já tem mais apoios para vos ilegalizar! A França é
dos Gauleses e onde cantam os galos não cacarejam as galinhas, c'est pas
Marine?
Na
lista sucedem-se a Alternativa pela Alemanha (AFD, uma mistela intragável de
arianos envergonhados que escondem a suástica dentro do penico, por debaixo da
cama), o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ, do falecido Jörg Haider,
conhecido pela sua fobia aos imigrantes), o JOBBI (O Melhor, um grupo
nacionalista húngaro antissemita, anti-cigano, anti-melanina e anti tudo o que
seja nariz afilado ou tom de pele mais moreno e escurito, carapinha, etc.), os cavalheiros
musculados do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP, liderado por
um fã incondicional de Putin, o eurófobo Nigel Furage), a Liga Norte (os
regionalistas italianos da nova-direita), a União Russa da Letónia (LKS, um
grupo da direita tradicionalista da comunidade russa da Letónia, que marcha com
fotografias e imagens do ultimo czar, trajando com as fardas do exército
imperial russo czarista) e outra fauna e flora do panorama da direita
nacionalista e populista europeia, sendo alguns espécimes abertamente
neofascistas e os restantes esotericamente fascistas (só em segredo é que
confessam).
Não
deixa de ser curioso que o aparelho politico-ideológico russo financie estes
grupos, organizações e partidos e que a extrema-direita europeia (um complexo
amalgama de saudosistas, tradicionalistas, nacionalistas, pan-nacionalistas,
racistas, xenófobos, primatas territorialistas e neofascistas) sintam o mesmo
fascínio por Putin que os seus antepassados sentiram pelo czar Nicolau, isto no
exacto momento em que a Russia desmascara os golpistas de Kiev, suportados
pelos bandos fascistoides ucranianos (reativados pela NATO). Vladimir Putin não
é um ideólogo, mas alguns personagens que o rodeiam formularam um discurso e
sistematizaram um pensamento politico desenvolvimentista alicerçado na cultura
política russa e na tradição institucional Bizantina. Nos tempos conturbados em
que a economia-mundo mergulhou este discurso assentou arreais a Ocidente e a
sistematização da praxis politico-estatal russa seguiu-lhe as pisadas,
ultrapassando as fronteiras da Federação.
O
cortejar mútuo, entre o actual aparelho russo e a extrema-direita iniciou-se,
de forma estruturada, em 2012, quando a Universidade de Herzen, São
Petersburgo, realizou um ciclo de conferências sobre a mundialização. Um dos
convidados foi o académico francês Alan de Benoist, um teórico da nova-direita
europeia e do pan-nacionalismo europeu, nome de referência da extrema-direita
francesa (embora nunca próximo á FN) e europeia. Benoist foi um sucesso em São Petersburgo ,
sendo as suas intervenções nos diversos painéis da conferência intensamente
aplaudidos, em particular pelos sectores próximos a Putin. Um ano depois
Benoist recebe, em Paris, Alexandre Duguin, um politólogo russo, com um vasto
trabalho académico na área das Ciências Politicas, teórico da Eurásia e um
nacional-bolchevique (corrente politica da extrema-direita russa, tendência
nacional-comunista, que viam no liberalismo um factor de decadência do Estado
russo e que pretendiam que a Russia reassumisse a grandeza e o peso geopolítico
e geoestratégico da URSS), actualmente muito próximo a Putin e considerado um
dos ideólogos da sua administração. Após esse encontro intensificou-se o
rodopio entre figuras académicas da extrema-direita e académicos russos,
encontros que pouco tempo depois foram alargados aos círculos políticos e
partidários, até chegar á situação presente, em que Moscovo satisfaz
as necessidades de tesouraria dos partidos de extrema-direita, para que estes
possam cumprir os respectivos "desígnios nacionais".
O
discurso da elite dominante russa exalta o "regresso à grandiosidade
russa". Destaca a URSS como exemplo dessa grandiosidade épica, mas vai
mais além, mergulha no passado, recorrendo aos períodos heroicos da Historia
Russa, a fundação do Estado, a defesa da cristandade, a afirmação da família, a
virilidade e uma intransigente defesa da soberania nacional, subordinando a
esta a soberania popular, que apenas deverá exercer-se em função dos interesses
nacionais, sendo o Estado um órgão da Nação e não uma imanação da soberania
popular. A nação acima da democracia e esta tendo os interesses da nação como
limites á sua actuação. Tudo imana da soberania nacional, inclusive a soberania
popular, que apenas é legítima em função dos seus desígnios nacionais, embora a
soberania popular seja um mecanismo legitimador.
Este
discurso assenta sobre um Estado paternalista e protecionista, o quanto baste
(não muito, porque já lá vão os tempos do czar protector dos pobres e dos
fracos, do Papá dos Povos - como Estaline era apresentado no Estado Soviético -
e do esclerótico e estereotipado socialismo real, do Estado de todo o Povo),
gestor de clientelismos diversos, como é a Federação Russa. Mas este discurso
seria um prato frio, servido ao balcão e digerido em pé, se não fosse aquecido
e apimentado por duas especiarias fundamentais nos conturbados tempos que correm
diante dos nossos cinco sentidos: o anti-imperialismo norte-americano e o
antiliberalismo.
O
elemento anti-imperialista, no actual discurso russo (e que é um elemento comum
- central na Russia e na China, equilibrado no Brasil e na Africa do Sul,
difuso na India - no "capitalismo BRICS", a ultima versão do
capitalismo nacional e social ensaiado pelo nacionalismo burguês de Bandung)
está directamente ligado ao retomar da "grandiosidade" da Russia, ao
regresso da Russia como superpotência (um mito fundacional do Estado russo,
fundado sobre as ruinas do Imperio Romano do Oriente - Bizâncio, o centro do
mundo euroasiático), como Nova Roma, na defesa da cristandade, ou guardião
invencível dos valores cristãos, quando das invasões do "anticristo"
Napoleão, ou, ainda, como protector do proletariado internacional e dos Povos
do mundo, no período soviético. O anti-imperialismo no discurso russo tem,
ainda, dois outros aspectos: um assente na agressão camuflada e na pressão
aberta realizada pela NATO junto às fronteiras russas e o outro como elemento
de camuflagem de intenções. O nacionalismo russo é imperial e os factores
federativos não constituíram anticorpos imperiais devido á estrutura estatal e
á organização institucional (alicerçada no principio absoluto da soberania
nacional. As estruturas federativas só conseguem impedir a estrutura imperial
se for alicerçada na soberania popular, mas com mecanismos de participação bem
alicerçados e comparáveis aos mecanismos de representatividade, caso contrário
repetem o erro norte-americano e a estrutura federal torna-se um suporte de
desenvolvimento á superestrutura imperialista).
O
antiliberalismo é a segunda característica do discurso de Putin. É em parte uma
consequência do conturbado período pós-Perestroika, em que o alcoolizado e
corrupto Ieltsin geria as actividades dos bandos locais, enquanto o Estado e as
instituições públicas paralisavam e entravam em colapso. Também
porque o liberalismo na Russia está historicamente ligado a períodos de ruptura
social (fim do czarismo absolutista, monarquia constitucional, período
pré-soviético), onde o papel tradicional do Estado bizantino que caracteriza a
superestrutura política russa é alterado, enfraquecendo o seu papel.
O
antiliberalismo (que em diferentes graus caracteriza o capitalismo BRICS:
forte na Russia e na China, menos na India e no Brasil e fraco na Africa do
Sul. No entanto predomina como cultura institucional) comporta uma crítica ao
capitalismo, não como modo de produção mas devido á sua aleatoriedade. Capitalismo?
Sim! Dizem-nos os antiliberais (um amalgama de tralha ideológica e de
interesses cartelizados) mas com planeamento, com controlo, com
"responsabilidade social".
IV
- O acordo com a Turquia também deve ser observado no âmbito desta
Santa-Aliança. O regime de Ancara é um regime populista, que tenta adiar uma
inadiável explosão social latente, através de namoros á UE, numa tentativa de
criar uma situação negociável com as classes médias urbanas e com sectores das
elites económicas e financeiras urbanas, todos profundamente europeizados (em
termos culturais e ao nível dos interesses). Por outro lado existe o problema
das elites rurais e das populações rurais, islamizadas e desconfiadas em
relação á Europa. Mas na panela de pressão turca cozinham ainda o factor curdo,
o factor arménio e de outras comunidades que anseiam pelo momento de assumirem
as suas aspirações históricas de forma autónoma ou autodeterminada. Também aqui
a divisão UE/ Eurásia é sentida de diferentes formas.
Tal
como acontece com a extrema-direita europeia, Putin vê na Turquia um aliado em
potência, que poderá criar uma estratégica beliscadura na NATO (um revês
geoestratégico) e representar um importante revês geoeconómico e geopolítico na
UE. Tal como as pontes abertas á extrema-direita (que remontam ao seculo XIX,
com as escolas do pensamento contrarrevolucionário europeu a identificarem-se
com o papel do Imperio czarista, mas que fazem-se sentir no período soviético
com Estaline e mesmo mais tarde, com Brejnev que olhou a vitória de Mitterrand
na França com desconfiança, preferindo manter as relações com a direita
francesa, gaullista), também este acordo com a Turquia é um retomar histórico
de alianças de outros tempos.
O
projecto euroasiático pode servir dois fins contrários: pode ser um projecto de
mudança, de grande desenvolvimento económico, social e politico da Eurásia,
enquadrando a região na economia-mundo como uma voz activa, ou poderá
representar mais um cenário de preservação das respectivas elites de Poder
(russa e turca), servindo o discurso nacionalista para consumo interno e para
consumo externo dos desesperados (à boa maneira populista), tendo como função
ser mais um angariador de mão-de-obra barata para a economia politica dos
monopólios globais.
Seja
como for, o mundo em que fomos criados já pertence ao foi, já não é. E por
debaixo dos nossos pés - estejamos na Europa, nas Américas, na Asia, Eurásia,
Oceânia ou África - o terreno está minado. E é com a mina na lavra que iremos
ter de sacudir a carga que nos colocaram nas costas e quebrar as agrilhetas que
nos aprisionam, a uns como bestas de carga, a outros como animais de estimação.
Notas:
Withney, M. Talking
Turkey http://www.counterpunch.org/2014/12/05
Koller,
F. Moscou: la Mecque
des mouvements reactionnaires Le Temps,
29-30/12/2014
Rozeff,
M.S. House Resolution 758: A work of fiction http://www.leerockwell.com,
09/12/2014
Groh,
D. La Russia e
l'autocoscienza d'Europa Ed. Einaudi, Turim, 1980
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