Em
evidência após ataque, extrema-direita francesa é antieuro, antiaborto e quer
baixar idade penal para 13 anos
Amanda
Lourenço, Paris – Opera Mundi
Após
atentado à ‘Charlie Hebdo’, expectativa é de que Frente Nacional, partido de
Marine Le Pen, ganhe mais força política com clima de xenofobia no país
A
FN (Frente Nacional), partido da extrema-direita francesa liderado por Marine
Le Pen, já vem há algum tempo despontando como relevante força política no
cenário nacional. Apenas em 2014,venceu as eleições para o Parlamento Europeu na
França, conseguiu significativo avanço nos pleitos municipais
país afora e ainda aparece liderando as intenções de voto, com 28% da preferência,
para as eleições departamentais em 2015.
Desde
a semana passada, quando 17 pessoas morreram nos episódios relacionados ao
ataque contra a revista satírica Charlie Hebdo, a legenda direitista
ganhou ainda mais atenção. A líder Marine Le Pen não perdeu tempo: pediu a volta da pena de morte, extinta há mais de 30 anos,
e disparou: “Por trás do terrorismo, há uma ideologia: o fundamentalismo
islâmico”.
O
que torna a Frente Nacional tão singular neste momento da história é a
expectativa (e o temor) de que o partido da extrema-direita seja capaz
capitalizar esse clima de tensão, islamofobia e xenofobia que surge, em alguns
pontos do país, como reação ao ataque terrorista. Desde o assalto
à Charlie Hebdo, por exemplo, mais de 50 atos antimuçulmanos foram
registrados na França.
Com
isso, o partido sairia fortalecido e com mais respaldo popular para participar
da corrida presidencial em 2017 — o que não deixaria de ser uma ironia, já que
a Charlie Hebdo, pivô, neste cenário, da ascensão de Le Pen, tinha na
Frente Nacional um de seus alvos mais frequentes.
“Os
atentados em si não foram nada. O pior ainda está por vir”, ouve-se em cada
esquina de Paris. Mas, no caso de as previsões pessimistas se concretizaram —
ainda que distantes e superestimadas, na opinião de muitos —, o que mudaria se
Marine Le Pen passasse a ocupar o cargo mais alto da França?
Abaixo,
estão algumas das mais importantes propostas de campanha defendidas pela Frente
Nacional:
Abandono
do euro
Um dos carros-chefes de Marine Le Pen, a volta ao franco teoricamente permitiria recuperar a competitividade e diminuir o desemprego e o déficit. A nacionalização parcial dos bancos seria necessária em um primeiro momento. Especialistas dizem que como nenhum país saiu do euro antes, é impossível prever as consequências do abandono. Como a França é uma das maiores economias da Europa, sua saída provavelmente provocaria um colapso em toda a região, o que certamente seria sentido pela própria França, cedo ou tarde.
Antecipação
da aposentadoria
Em 2010, a França aumentou a idade legal de aposentadoria de 60 para 62 anos e o tempo de cotização de 40 para 43 anos. A FN quer reinstaurar os antigos critérios, sem levar em conta o envelhecimento da geração baby-boom. Se os sindicatos ainda tentam lutar por esta causa, os trabalhadores já parecem ter se conformado diante das evidências: “Levando em conta as dificuldades econômicas, mas também o aumento da expectativa de vida, muitos assalariados estão percebendo que esta reivindicação não é mais justificável. Não é mais uma prioridade”, afirma Dominique Andolfatto, professor de ciências políticas da Universidade de Bourgogne.
Reestabelecimento
da pena de morte
Cada vez que um crime choca o país, Marine Le Pen aparece defendendo a pena capital. Não foi diferente depois do ataque terrorista da última semana. Entre as propostas oficiais do partido também está a prisão perpétua efetiva, sem qualquer possibilidade de liberação.
Compromisso
contra imigração
Há uma série de medidas contra os estrangeiros clandestinos: expulsão imediata dos que estiverem na França, supressão da possibilidade de regularização e fim do atendimento médico universal obrigatório. O objetivo é reduzir de 200 mil para 10 mil imigrantes regularizados por ano. A mão de obra estrangeira, mesmo a ilegal, sempre foi um mecanismo importante para o desenvolvimento do país. “No papel, esse excesso de trabalhadores é inútil, já que temos uma taxa de desemprego superior a 10%. Entretanto, há uma rejeição dos franceses por certos tipos de trabalho manuais, difíceis e mal remunerados e estes clandestinos suprem a necessidade em certos setores como indústria e construção”, afirma Andolfatto.
Incentivo
à natalidade
O partido de Marine Le Pen defende “uma grande política natalista ao invés de uma imigração cara e desestabilizante”. Porém, como já esclareceu Andolfatto, uma coisa não tem muito a ver com a outra. Além do mais, há décadas o governo francês vem realizando uma política natalista e seus resultados foram bastante satisfatórios: a França tem a segunda maior taxa de natalidade da Europa, atrás apenas da Irlanda e na frente até mesmo do Brasil.
Luta
contra o aborto
O aborto foi legalizado na França há exatos 40 anos e é um direito social tão enraizado, que nem partidos ultraconservadores ousam tocar nele. De maneira um tanto absurda, o que propõe a FN é “a escolha de não abortar”, oferecendo outras opções como adoção pré-natal ou ajudas financeiras a famílias numerosas.
Laicidade
com foco no islã
A França é um país laico e já aprovou leis polêmicas em torno desta laicidade, como a proibição do porte de sinais ou símbolos religiosos em estabelecimentos públicos, sejam eles véus, cruzes ou quipás. O princípio não é aceitar todas as religiões, mas evitar a demonstração de todas elas. A FN tem uma preferência por focar na religião muçulmana, que, segundo o partido, “tem como objetivo aplicar a sharia (lei islâmica) na França”. Le Pen pretende lutar contra o “comunitarismo e o fundamentalismo islâmico” proibindo a discriminação positiva nas entrevistas de trabalho, entre outros. Ela parece ignorar, entretanto, que o índice de desemprego dos decendentes de imigrantes da África ou de países árabes é três vezes maior do que entre os franceses.
Outras
propostas da Frente Nacional:
-
supressão do direito à nacionalidade francesa apenas pelo nascimento em solo
francês;
-
proibição da dupla nacionalidade, exceto entre países europeus;
-
diminuição da maioridade penal para 13 anos de idade;
-
reestabelecimento da autoridade e da meritocracia nas escolas;
-
reconhecimento moral e financeiro dos harkis, argelinos que lutaram ao lado dos
franceses na Argélia colonial. Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e soldado na
guerra da Argélia, é acusado da prática de tortura durante seu serviço na
ocasião; e,
-
rejeição do casamento gay e adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo.
*Título PG
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