Cristina
Azevedo – Jornal de Notícias, opinião
Alberto
João Jardim deixou esta semana a presidência do Governo Regional da Madeira
após 36 anos consecutivos de liderança. Acontecimentos internacionais violentos
e muito exigentes do ponto de vista informativo e mediático fizerem com que a
sua saída fosse apenas pontualmente registada pela Comunicação Social.
E,
no entanto, talvez merecesse um pouco mais da nossa reflexão coletiva.
Alberto
João Jardim é o último dos políticos portugueses, até agora sempre
ininterruptamente em funções, que pôde testemunhar e contribuir decisivamente
para alterar a vida política, social, económica e até física de um território.
E
o território em causa não é, e nunca foi, um território qualquer. Sendo o nosso
primeiro porto de chegada na aventura dos descobrimentos, a Madeira contribuiu
para a orientação estratégica de prosseguir o caminho pela costa de África
assumindo-se como base logística e como território pioneiro de povoamento,
infraestruturação e governo político. O regime das Capitanias encetado e
aperfeiçoado na Madeira foi mais tarde usado em todo o mundo atlântico
português.
E
nele, o Reino mostrou com especial vivacidade como seria o modelo a seguir na
manutenção dos territórios apropriados: centralizador, utilizador ávido dos
recursos existentes e indiferente à especificidade e reivindicações económicas,
culturais e sociais das populações autóctones ou povoadoras. Foi assim em todo
o Império. No entanto, na Madeira talvez o tenha sido com uma especial
violência e uma inusitada longevidade.
Vale
a pena tentar conhecer um pouco do que foi a história, sobretudo a económica,
da Região Autónoma para verificarmos, como permanentemente os parcos recursos
naturais do arquipélago, em particular a dotação de terra arável, foram
sistematicamente explorados em razão dos interesses da Coroa e das elites
rurais exportadas da metrópole.
Ou
seja, durante séculos, o plantio de cereais, por exemplo, esteve fortemente
limitado em razão da supremacia dada à cana do açúcar ou, quando a Coroa
decidiu privilegiar os engenhos de S. Tomé, à vinha, por sua vez ameaçada, um
pouco mais tarde, pelo cultivo da banana.
O
que parece uma versatilidade de culturas interessante foi, no entanto, fonte de
indizível pobreza uma vez que o cultivo obrigatório do que o mercado pedia,
impedia a produção interna suficiente para o alimento básico da população. A
Madeira viveu durante séculos sem ter direito a cultivar a quantidade
suficiente de cereais para se alimentar sendo que, por essas épocas, o pão
correspondia a mais de metade do gasto calórico diário.
E
a cadeia dominante sobre as terras aráveis reproduziu-se com igual vigor no
domínio comercial progressivamente tomado por uma elite estrangeira (sobretudo
inglesa) igualmente acarinhada e favorecida pelo poder de Lisboa que assim acumulava
o quarto e depois o quinto e outros impostos ou alcavalas que impunha sobre a
produção e comercialização.
O
que torna tudo isto muito diferente de outras histórias de domínio e
desrespeito é o tempo através do qual se perpetuou. Alberto João Jardim assume
o Governo de um território onde o Contrato de Colonia - instrumento
"parafeudal" de vinculação à terra de senhores e lavradores - só é
definitivamente extinto em 1977!
Uma
luz rigorosa sobre o que foi o ponto de partida do percurso de Alberto João
Jardim impõe uma leitura intelectualmente honesta dos resultados.
Ou
seja, a vitória e o legado de João Jardim são, antes de tudo e para além de
tudo, o levantar da dignidade dos madeirenses e a reivindicação constante de
uma modernização que obrigasse a tomar em conta o capital social, humano e
financeiro extorquido e explorado durante mais de cinco séculos.
Tudo
o resto são contas de conjuntura que não só não levam em consideração o recuo
histórico obrigatório como, infelizmente, não têm na maior parte dos casos
exemplo muito mais saudável no lado continental do país.
E
na Madeira, desde o início do mandato de Alberto João, a população, o acesso à
educação, os cuidados de saúde, as condições de vida em geral melhoraram
exponencialmente.
Se
se derem ao cuidado de analisar alguns números verão que poucas sub-regiões,
(semelhantes em população) no continente, tiveram o progresso da Madeira.
Talvez nos tivesse valido uma regionalização que nos fizesse recuperar a
dignidade de uma identidade de que tantas vezes somos forçados a abdicar.
Por
nos mostrar que é possível e por ter feito de Portugal um país, ainda assim,
mais coeso, obrigada Alberto João!
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