sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Portugal: OBRIGADA, ALBERTO JOÃO



Cristina Azevedo – Jornal de Notícias, opinião

Alberto João Jardim deixou esta semana a presidência do Governo Regional da Madeira após 36 anos consecutivos de liderança. Acontecimentos internacionais violentos e muito exigentes do ponto de vista informativo e mediático fizerem com que a sua saída fosse apenas pontualmente registada pela Comunicação Social.

E, no entanto, talvez merecesse um pouco mais da nossa reflexão coletiva.

Alberto João Jardim é o último dos políticos portugueses, até agora sempre ininterruptamente em funções, que pôde testemunhar e contribuir decisivamente para alterar a vida política, social, económica e até física de um território.

E o território em causa não é, e nunca foi, um território qualquer. Sendo o nosso primeiro porto de chegada na aventura dos descobrimentos, a Madeira contribuiu para a orientação estratégica de prosseguir o caminho pela costa de África assumindo-se como base logística e como território pioneiro de povoamento, infraestruturação e governo político. O regime das Capitanias encetado e aperfeiçoado na Madeira foi mais tarde usado em todo o mundo atlântico português.

E nele, o Reino mostrou com especial vivacidade como seria o modelo a seguir na manutenção dos territórios apropriados: centralizador, utilizador ávido dos recursos existentes e indiferente à especificidade e reivindicações económicas, culturais e sociais das populações autóctones ou povoadoras. Foi assim em todo o Império. No entanto, na Madeira talvez o tenha sido com uma especial violência e uma inusitada longevidade.

Vale a pena tentar conhecer um pouco do que foi a história, sobretudo a económica, da Região Autónoma para verificarmos, como permanentemente os parcos recursos naturais do arquipélago, em particular a dotação de terra arável, foram sistematicamente explorados em razão dos interesses da Coroa e das elites rurais exportadas da metrópole.

Ou seja, durante séculos, o plantio de cereais, por exemplo, esteve fortemente limitado em razão da supremacia dada à cana do açúcar ou, quando a Coroa decidiu privilegiar os engenhos de S. Tomé, à vinha, por sua vez ameaçada, um pouco mais tarde, pelo cultivo da banana.

O que parece uma versatilidade de culturas interessante foi, no entanto, fonte de indizível pobreza uma vez que o cultivo obrigatório do que o mercado pedia, impedia a produção interna suficiente para o alimento básico da população. A Madeira viveu durante séculos sem ter direito a cultivar a quantidade suficiente de cereais para se alimentar sendo que, por essas épocas, o pão correspondia a mais de metade do gasto calórico diário.

E a cadeia dominante sobre as terras aráveis reproduziu-se com igual vigor no domínio comercial progressivamente tomado por uma elite estrangeira (sobretudo inglesa) igualmente acarinhada e favorecida pelo poder de Lisboa que assim acumulava o quarto e depois o quinto e outros impostos ou alcavalas que impunha sobre a produção e comercialização.

O que torna tudo isto muito diferente de outras histórias de domínio e desrespeito é o tempo através do qual se perpetuou. Alberto João Jardim assume o Governo de um território onde o Contrato de Colonia - instrumento "parafeudal" de vinculação à terra de senhores e lavradores - só é definitivamente extinto em 1977!

Uma luz rigorosa sobre o que foi o ponto de partida do percurso de Alberto João Jardim impõe uma leitura intelectualmente honesta dos resultados.

Ou seja, a vitória e o legado de João Jardim são, antes de tudo e para além de tudo, o levantar da dignidade dos madeirenses e a reivindicação constante de uma modernização que obrigasse a tomar em conta o capital social, humano e financeiro extorquido e explorado durante mais de cinco séculos.

Tudo o resto são contas de conjuntura que não só não levam em consideração o recuo histórico obrigatório como, infelizmente, não têm na maior parte dos casos exemplo muito mais saudável no lado continental do país.

E na Madeira, desde o início do mandato de Alberto João, a população, o acesso à educação, os cuidados de saúde, as condições de vida em geral melhoraram exponencialmente.

Se se derem ao cuidado de analisar alguns números verão que poucas sub-regiões, (semelhantes em população) no continente, tiveram o progresso da Madeira. Talvez nos tivesse valido uma regionalização que nos fizesse recuperar a dignidade de uma identidade de que tantas vezes somos forçados a abdicar.

Por nos mostrar que é possível e por ter feito de Portugal um país, ainda assim, mais coeso, obrigada Alberto João!

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