Pelo
menos 39 menores foram vítimas de tráfico humano em Macau desde 2012, um número
que apenas se refere às jovens que foram acolhidas pelo Centro Bom Pastor, mas
que deverá ser bem mais elevado, segundo uma especialista.
Os
números foram hoje avançados por Aris Tam, investigadora do Instituto
Politécnico de Macau e antiga colaboradora do Bom Pastor, especializada no
apoio às vítimas menores, durante a conferência "Business Leadership to
End Human Trafficking & Modern Day Slavery".
Desde
que este tipo de apoio começou a ser disponibilizado, em 2012, 39 menores, com
idades entre os 14 e os 17 anos, chegaram às mãos do Centro Bom Pastor, todas
vindas da China Continental, o que não significa que todas as vítimas de
tráfico humano venham de lá, salientou Aris Tam, em declarações à agência Lusa.
As
histórias repetem-se: são jovens de aldeias empobrecidas, com pouco
acompanhamento familiar e que são aliciadas para empregos bem pagos em locais
longínquos, como Macau.
A
especialista deu o exemplo de uma rapariga a quem foi oferecido um emprego numa
loja de roupa, numa cidade da China, muito longe da sua. Quando lá chegou, a
jovem foi recebida por uma "tia" que a levou a um salão de beleza
para "a arranjar".
Poucos
dias depois essa "tia" pediu-lhe que tivesse relações sexuais com um
homem por 300 yuan (45 euros) -- essa situação durou um ano, até a rapariga
chegar a Macau, sem que tivesse recebido qualquer quantia. Tinha 14 anos.
"É
a história típica. Querem fazer dinheiro, comprar uma casa, mas acabam a ser
exploradas", afirmou Aris Tam.
"Depois
de entrarem na rede, são frequentemente revendidas por traficantes e mudam-nas
de sítio. A economia de Macau está a florescer, há muita procura e [os
exploradores] recebem muito mais dinheiro. É por isso que as trazem para
Macau", explicou.
A
especialista é cautelosa ao relacionar estas redes de prostituição com o setor
do jogo: "Não diria que está diretamente ligado aos casinos e hotéis
porque não é algo oferecido no menu. E sei que há hotéis e casinos que têm
seguranças que verificam a identificação das raparigas, mas se têm mais de 18
anos e estão em Macau legalmente, sem que haja provas concretas, não podem
fazer nada".
Nem
todas as vítimas de tráfico humano chegam à cidade de forma ilegal -- muitas
conseguem vistos de turista que prolongam através de viagens para outros países
como a Tailândia. Algumas adquirem vistos em locais tão improváveis como o
Burkina Faso.
Aris
Tam referiu que algumas jovens sabem que vêm para redes de prostituição, apesar
de não imaginarem o tratamento a que serão sujeitas e muito menos a ausência de
pagamento. No entanto, se forem menores, de acordo com as Nações Unidas,
continuam a ser consideradas vítimas de tráfico humano.
Centros
como o Bom Pastor acolhem estas jovens durante as poucas semanas que são
autorizadas a ficar em Macau depois de serem detetadas pela polícia. O destino
é sempre o mesmo: são reenviadas para o seu local de origem, uma situação que
preocupa a especialista.
"Não
sabemos o que acontece a estas raparigas quando atravessam a fronteira. O que
estamos a fazer é suficiente? São crianças. Não deveria haver uma maneira
melhor de fazer isto? Não há qualquer acompanhamento quando vão embora",
criticou.
As
autoridades e organizações podem não seguir as jovens uma vez que atravessam a
fronteira, mas o mesmo não acontece com os traficantes, alertou a especialista.
"Começam a fazer contactos até antes delas saírem de Macau. Vão busca-las
a estações de autocarros e comboios e já têm um destino para elas",
lamentou.
Os
exploradores raramente são punidos, perpetuando a situação: "Não houve
muitos casos de acusação e condenação [dos exploradores] porque a recolha de
provas é muito difícil. As raparigas raramente querem contar a sua história à
polícia, por isso o que fazem é enviá-las de volta a casa".
Lusa,
em RTP
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