Rui Peralta, Luanda
Alternativas
dissidentes: a outra globalização
I - A actual desordem mundial - estabelecida nos anos 80 com os programas de ajustamento estrutural e com a implosão da URSS, na década de 90 - não é viável. Após a II Guerra Mundial existiu um sistema bipolar - evidenciado na "guerra fria" e que tinha na " coexistência pacífica" a camuflagem geoestratégica dos mecanismos de concorrência e de acumulação de capital que determinaram todo esse período - que permitia uma negociação nos termos da economia mundo, transformando por breves momentos a bipolarização em multipolarização, na esfera económica e social.
Para
além dos dois blocos (Ocidente de raiz democrática-liberal e bloco socialista)
existiam mais dois participantes, nem sempre presentes, mas cuja existência
permitiu o equilíbrio durante os períodos críticos do sistema mundial da época
(a atrás referida multipolarização económica e social): a China, que detinha
uma independência sustentável (tanto nas suas opções internas como nas opções
externas e que, com outro discurso, mantem) ; a Conferencia de Bandung de 1955
(que comemora o seu 60° aniversário) responsável pelo
"não-alinhamento" que teve uma função essencial na multipolarização
da época (e que foi de enorme importância estratégica para os movimentos
emancipadores), embora responsável por inúmeras derrotas e pela situação
económica e política actual das áreas periféricas, como sejam a recolonização
do continente africano ou da nova aplicação da Doutrina Monroe para a América
Latina. E se a ordem bipolar permitia breves momentos multipolares, a actual
desordem unipolar obriga a momentos cada vez maiores do caos a-polar.
II - A
situação actual é complexa para todos. Para Africa (situação trágica, na
maioria dos países e cautelosa para as excepções), para a América Latina, para
a Asia e Oceânia, para a Europa (particularmente preocupante a Sul), Eurásia e
para os USA e Canadá. O cenário mundial está recheado de elementos trágicos ao
nível das dinâmicas internas e economias nacionais, não melhorando ao nível das
dinâmicas externas e da economia-mundo. Os momentos de optimismo gerados por
processos como a integração dos mercados asiáticos, que avança a "todo o
vapor" (utilizando a figuração do discurso maoista), não são suficientes
para colmatar a tragedia: o fosso cada vez maior que separa a riqueza da
pobreza. Os ricos cada vez mais ricos enquanto os pobres o melhor que conseguem
é permanecerem na mesma, vendo os ricos a afastarem-se no horizonte longínquo.
Por outro lado a tragédia contem um outro elemento relevante (consequência
deste fosso abismal): o fenómeno oligárquico. De Washington a Pequim e de
Sidney a Moscovo, do Cabo ao Cairo e de Dacar a Dar-es-Salam, de Luanda ao
Maputo e de Bissau a Díli ou de Havana a Auckland, o mundo é governado por
oligarquias. Umas desenvolvem-se nas democracias liberais do Ocidente, outras
nas fotocópias do modelo Ocidental noutras latitudes e outras nos modelos
diversificados de capitalismo de Estado que pululam por este mundo.
As
oligarquias tornam a vida inviável. O desastre social gerado pela imposição
desta desordem global, senil, que resume a democracia ao exercício do voto e ao
multipartidarismo, ao marketing politico e empresarial e que transformam a
cidadania em negócio rentável para uma minoria, enquanto o cidadão é
espezinhado como se vivesse numa sociedade totalitária (e todas elas são cada
vez mais totalitárias) atingiu o seu ponto de ruptura.
III - A senilidade que caracteriza os principais actores no palco mundial actual é digna de uma dantesca tragicomédia. Por sua vez a lógica do capitalismo não é a mais adequada para assegurar a sobrevivência a metade da Humanidade. A decadência das elites dominantes é evidente e é esse factor que torna perigosa a senilidade do capitalismo. A História das sociedades humanas está recheada de episódios trágicos, genocídios e holocaustos. Podemos observá-los nas civilizações sul e centro-americanas, na Asia, no Ocidente (os progroms, as caças-às-bruxas, e o holocausto nazi), na Eurásia e em Africa (o caso recente do Ruanda). Elites em processo de decadência conduzem a genocídios e situações atípicas de irracionalidade social. Os sinais são por demais evidentes: a ascensão do fascismo na Europa e no mundo islâmico, a destruturação neocolonial e o saque a que a agricultura africana é submetida, a alienação do dinheiro fácil e do fato e da gravata, trespassam as sociedades africanas.
Yala
é um exemplo. Existem milhares de exemplos similares por todo o continente. Nem
todos nas zonas rurais. Alguns surgem nos contextos urbanos, como os salários
constantemente atrasados, o desconhecimento das nomas constitucionais e das
Constituições, dos Direitos Humanos, apartheid social, disfunções dos serviços
públicos e das instituições públicas.
Angola,
por exemplo, tem muitas histórias trágicas. A maioria destas histórias trágicas
(em simultâneo com os exemplos de heroísmo, coragem e abnegação. Sobre esse
período épico aconselho a leitura dos textos de Martinho Júnior - em particular
este ultimo excelente trabalho sobre o Kuito Kanavale - que com a sua prosa
transparente e objectiva analisa este período épico e simultaneamente trágico
da luta pela independência nacional e das dinâmicas internas e externas deste
processo. Sobre a guerra de libertação nacional contra o colonial-fascismo
português aconselho a excelente "ferramenta" que a Associação
Tchiweka de Documentação publicou no mês passado: "1961. Memória de um ano
decisivo") ocorreram na guerra de libertação nacional contra o
colonialismo e na guerra a que o país foi sujeito para forjar a sua
independência.
A
conquista da Paz foi um dos episódios épicos da Historia da Nação Angolana.
Permitiu o reforço de importantes conquistas da independência, a continuidade
do processo democrático, o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, a
Constituição da Republica e a concretização de algumas importantes aspirações
populares. Mas a Paz acabou, também ela, por gerar as suas tragédias.
Quais?
As mais diversas e de variada ordem. A questão dos livros escolares, o problema
do apartheid social no sistema de educação, a completa imbecilidade dos
programas escolares e dos respectivos manuais, os problemas do ineficiente
sistema de saúde (se é que existe um sistema de saúde), os atentados
urbanísticos, a ineficiência do Estado e das instituições públicas, das
empresas públicas e privadas, da banca pública e privada, a mão-de-obra
"inqualificável" (claro que existem excepções e alguns sectores
excepcionais, de mão-obra qualificada, mas è esse o problema: ser excepção e
não a norma), indisciplinada, com baixo nível de consciência profissional, a
política de empregos, a corrupção como cultura, enfim um rol infindável de
ineficiência e de atentados ao mínimo bom senso. Inclusive uma Constituição
cuja função é ser espezinhada a toda a hora e a todo o instante, por aqueles
que juram-lhe fidelidade. São as instituições publicas com mais empregados que
moscas e tantos são que, em algumas delas há um mês de salario que fica
esquecido nos cofres da instituição e gastam mais dinheiro em lanches, óbitos e
festas de pedido, baptizados e casamentos do que no seu objecto social.
São
os problemas dos trabalhadores imigrantes que entram legais no país e depois
ficam ilegais, porque a identidade patronal (publica ou privada) não tratou dos
processos de renovação de visto. E depois como existe uma "salazarice"
(restos do colonial-fascismo que deixou no país uma mão-cheia de bufos da
policia politica colonia-fascista, ao qual se juntou, no processo de paz, a
estirpe dos agentes internos do imperialismo e de outras camadas parasitas
geradas durante a guerra) chamada sistema integrado de segurança, os
desgraçados dos trabalhadores imigrantes ficam pendurados para levantarem o seu
salário no banco, ou para terem um telefone ou o que quer que seja, porque a
iniciativa privada ê obrigada ao exercício da bufaria. Ou seja: não há
clientes, há suspeitos de serem estrangeiros. Mas o curioso é que estes
imigrantes que trabalham em algumas prodigiosas instituições públicas até
constam na Direcção Provincial de Quadros (DPQ), mesmo com os vistos caducados.
Há
o drama dos imigrantes ilegais, que servem de bode expiatório para os erros
políticos e para justificar a ineficácia das políticas económicas.
Na
cultura o panorama não é melhor, sendo o Ministério da Cultura um mistério e
tão misterioso quanto um ninho de lacraus (consta pelas ruas que até a
ministra - pessoa competente e reconhecidamente responsável - queixa-se dos
bloqueios internos que o seu ministério sofre).
Também
a agricultura é um mistério bem guardado num kafkiano ministério carregado de
funcionários inoperantes que limitam-se ao passar do tempo. Os camponeses
trabalham, as lavras produzem, as comunidades subsistem (embora vejam as suas
terras invadidas, de quando em quando, por curiosos de vários tipos e níveis) o
comércio rural vai funcionando e no mundo rural angolano tudo funciona nos
entretantos. O "milagre" é mesmo este: trabalha-se, produz-se,
vende-se. Depois logo se vê. O que não se vê é a reforma agrária, políticas
sectoriais de desenvolvimento agropecuário e a massa informe dos funcionários
do ministério...e também não se faz notar no mercado as grandes propriedades
latifundiárias "adquiridas" por elementos do aparelho politico e
militar. Será que aguardam por novos créditos, porque já gastaram, sem pagar,
os créditos cedidos aos seus projectos de papel...
Se
em Angola, um país da linha da frente enquanto tal, uma nação-baluarte da luta
contra o imperialismo em Africa, a situação é complexa e comporta imensos
factores neocoloniais que evidenciaram-se nos processos de alteração
institucional (abandono da via socialista, multipartidarismo, Estado de
Democrático de Direito, etc.) e dominaram os aparelhos políticos, ideológicos e
militares, em países que sempre foram dominados por regimes neocoloniais a
situação é socialmente catastrófica.
A
coisa seria cómica, não fosse a tragédia que isso representa na vida das
pessoas e não fosse o sinal evidente da decadência institucional que
comportam estas atitudes próprias de asnos e de irresponsáveis.
Esta
lógica senil torna, pois, o sistema inviável e reverte a sociedade para o
estágio da horda. E a esta lógica senil e destrutiva há que responder com a
racionalidade e criar novos instrumentos de análise e novas ferramentas
transformadoras. Construir projectos soberanos nacionais, democráticos e
populares (e um projecto soberano é o que assenta na soberania popular e não
nos ditames dos alfaiates de Washington, dos sapateiros da U.E. ou dos
estilistas dos BRICS. E um projecto nacional não é um projecto xenófobo,
racista, chauvinista ou tribalista e muito menos uma profecia efectuada pelas
crenças religiosas instaladas no núcleo duro do Poder, camufladas por um Estado
pretensamente laico). Projectos nacionais, democráticos e populares, que
transformem a realidade actual num mundo mais justo e mais livre, que
transformem as realidades nacionais e se reflitam na Economia-mundo, como um
grito anti-periférico e insubmisso. Projectos nacionais, democráticos e
populares (projectos soberanos e não fundos soberanos) que prossigam na senda e
nos trilhos dos projectos de libertação nacional que conduziram África á
independência e os povos africanos â esperança de uma nova vida, paulatinamente
tornada alienação, subserviência e subjugação aos ditames neocoloniais.
IV - Ora,
foi aqui, em Africa, no Norte do continente, na Tunísia, que reuniu-se o Fórum
Social Mundial, em Março.
Mais de 4 mil grupos, associações e movimentos sociais
estiveram presentes. Desenvolvimento, reforma agraria, alternativas políticas,
aprofundamento da democracia, direitos humanos, cidadania, participação, meio
ambiente, urbanismo, soberania, foram apenas alguns dos temas discutidos.
Afinal
África não é apenas a terra saqueada, o processo de recolonização, a
caducidade, a corrupção e decadência das suas parasitárias e assimiladas
oligarquias neocoloniais, ou o embuste afrocapitalista. Por muito que as
oligarquias neocoloniais tentem esconder, a Nova África, a África Alternativa,
a África-Futuro, está presente. Desde a luta de libertação nacional...
Bibliografia
http://www.grain.org
http://www.ciagkenya.org
http://www.democracynow.org
Kenyatta, J. Au pied du Mont Kenya Ed. Maspero, Paris, 1967 (2° edição)
Oginga,
O. Not yet Uharu Ed. Heinemann, London, 1967
Afana,
O. L'economie de l’Ouest-africain Ed.Maspero, 1966
Etudes
congolaises, n°1, 1966
Démé,
K. Les classes sociales dans le Senegal in La Pensée , n° 130, Dezembro,1966.
Amin,
S. L'accumulation capitaliste à l'echelle mondiale Ed. Anthropos, Paris, 1970
Amin,
S. L'Afrique de l'Ouest bloquée Ed. Minuit, Paris,1971
Cabral, A. L'arme de la théorie in Partisans, n°26-27, 03/1966
Cabral, A. L'arme de la théorie in Partisans, n°26-27, 03/1966
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