domingo, 12 de abril de 2015

Angola. O humor negro (quase) de Rafael Marques inimigo do presidente e dos generais




Este artigo que foi publicado por iniciativa do nosso jornal em língua francesa no mundialmente conhecido jornal parisiense “Le Monde”. Publicamo-lo aqui para avisar as autoridades angolanas que de nada servirão quaisquer manobras dilatórias como a que foi posta em prática na abertura do julgamento do Rafael Marques, adiar convinha pois o ambiente estava quente demais e o mundo à espreita não augurava nenhum proveito para os lacaios multimilionários do regime. No dia 23 de Abril o mundo vai estar ainda mais à espreita e, quanto mais se adiar mais atenta estará a comunidade internacional. Desistam, vocês já perderam.

António Setas – Folha 8 (ao) 11 abril 2015

O julgamento do jorna­lista e acti­vista ango­lano Rafael Marques teve início e suspensão, em Luanda, no dia 24 de Março, 2015, com portas fechadas e du­rou cinco horas. Ao sair, o mais famoso activista de Angola desabafou: “Fui ao tribunal para enfrentar no­vas acusações de difama­ção criminal. Tinha nove e recebi como prenda extra outras 15. Sem ter sido no­tificado”. A audiência foi adiada para 23 de Abril.

À porta do tribunal junta­ram-se dezenas de jovens para apoiar esse ícone da luta contra o presidente, José Eduardo dos Santos. Não puderam evitar o con­fronto com as forças de se­gurança. Os seus slogans proclamavam, “Liberdade para Rafael”, ou, “A prisão para os generais”. Alguns deles foram presos pela polícia.Na véspera do jul­gamento, o caso tomou uma dimensão internacio­nal por causa de artigos publicados no The Guar­dian e no Folha de S. Paulo e um prémio foi atribuído a Rafael Marques no dia 18 de Março, em Londres, pela organização Index on Censorship.

Com o seu prémio no bol­so, Rafael Marques voltou a Luanda para o julgamen­to. 

SETE GENERAIS CONTRA ELE

Muito activo, Rafael é acusado de ter feito falsas acusações, caluniosas, por ocasião da publicação em 2011, em Portugal, do seu livro intitulado “Diaman­tes de sangue: Tortura e Corrupção em Angola”. O autor acusa nessa obra nove generais de serem cúmplices de “crimes con­tra a humanidade” no seio da população que vive na área das minas de diaman­tes, nas Lundas. Apelou naturalmente para a res­ponsabilidade moral dos generais proprietários dessas minas e das empre­sas de segurança que per­mitem que o sistema fun­cione.Os acusadores de Rafael Marques são sete generais, entre os quais está um dos homens mais poderosos e milionário de Angola, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da “ Casa Militar “da Presidência, e dois ex-comandantes do exército. Só pedem uma indemnização de 1 milhão e 200 mil dólares. Mais nada.

“A liberdade de expressão e de informação tem como limites os direitos, a inte­gridade e a boa imagem dos outros”, opinou Fer­nando de Oliveira, um dos advogados da acusação.

Entretanto, uma petição on line a favor de Rafael Marques, que corre o risco de ser condenado até nove anos de prisão, foi lançada pela Amnistia Internacio­nal Portugal e dirigida ao primeiro-ministro Portu­guês, Passos Coelho, e ao ministro dos Negócios Es­trangeiros, Rui Machete.A Amnistia Internacional também publicou uma carta aberta pedindo “um julgamento justo”, carta essa publicada no dia 22.03 pelo jornal português “O Público”, contando-se nela, como signatários, orga­nizações como, Transpa­rência Internacional, Re­pórteres Sem Fronteiras, o Comité para a Protecção dos Jornalistas, a Robert F. Kennedy Center para a Justiça e Direitos Huma­nos e a União Panafricana de Advogados.

COMEMORANDO O CENTÉSIMO PROCESSO

Rafael Marques permane­ce sereno. Esta não é a pri­meira vez que ele denuncia casos de alegada corrup­ção e injustiça social no país, particularmente no seu website, Maka Ango­la. Em 1999 passou 43 dias na prisão sem acusação formulada. Para ele, isto é rotina, igual à rotina de um outro alvo da ira dos líderes angolanos, William Tonet, director-geral do semanário Folha 8, que, na semana passada come­morou o centésimo (100) processo movido contra a sua pessoa e o seu Folha 8. Essas acusações, a maior parte das vezes, prestam­-se a rir, porque não têm base legal e nem sequer permitem um julgamento. Vão-se acumulando com o único propósito de intimi­dar os críticos do regime.

Entrevistado pelo Guar­dian, Rafael Marques ga­rantiu que estava bastante calmo e não tinha medo da prisão. “Eu não tenho medo de ser preso. Vai ser uma boa oportunidade para trabalhar em direitos humanos na cadeia”, disse ele, mostrando um refina­do senso de humor. Não negro (humour noir), mas quase.


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