Ana
Sá Lopes – jornal i, opinião
Um
resultado decente do PS nas eleições da Madeira estaria hoje a ser propalado aos
quatro ventos como uma prova de “um novo ciclo” e “um novo rumo”
Numa
campanha eleitoral dizem-se coisas inúteis, muitas desastradas, outras
inclusivamente parvas. Mas António Costa podia ter evitado acentuar, quando foi
cumprir o doloroso dever de participar nas regionais da Madeira, que “é natural
que as pessoas compreendam que a necessidade de mudança que se sente na Madeira
é uma necessidade de mudança que se sente em todo o país”.
Não,
esta frase desastrada, à luz dos resultados de domingo, não veio de nenhum dos
inimigos políticos de António Costa – mesmo daqueles que, como dizia Churchill,
se sentam na bancadas do seu partido. Foi o próprio Costa a extrapolar uma
“necessidade de mudança” na Madeira para o país inteiro. Se a Madeira quisesse
dizer alguma coisa ou os resultados fossem extrapoláveis, era dia de luto no
Largo do Rato.
O
problema da derrota mortal que o PS teve nas regionais é intrinsecamente
madeirense: 40 anos de PSD não originaram uma alternativa política fora do PSD.
Alberto João Jardim não é o príncipe de Salina, de “O Leopardo”, mas circunstâncias
variadas, incluindo a incapacidade, que se perde no fim dos tempos, dos
socialistas madeirenses, permitiram que na Madeira se cumprisse a frase de
Lampedusa. No fim do jardinismo foi preciso que algo mudasse – Albuquerque, um
candidato que há algum tempo se tinha consolidado como opositor interno de
Jardim – para que tudo ficasse na mesma, nas mãos do PSD que sempre governou a
ilha.
Claro
que o discurso do PS, hoje, é correcto: sabemos perfeitamente que não é
possível transpor os resultados de uma realidade específica, o arquipélago da
Madeira, para as legislativas nacionais. Não foi porque a desastrada coligação
Mudança conseguiu que o PS ainda tivesse menos votos do que nas eleições
anteriores – e menos deputados eleitos – que Costa vai ter menos hipóteses de
vencer as legislativas de Setembro/Outubro. Tudo isto é certo e muito bonito,
se não soubéssemos que Costa começou por tentar fazer um discurso de campanha
em que colava um desejo de mudança na Madeira ao desejo de mudança a nível
nacional. Se não soubéssemos também que um resultado decente do PS nas eleições
da Madeira estaria hoje a ser propalado aos quatro ventos como uma prova do
“novo ciclo”, do “novo rumo” e da nova liderança de António Costa. Se não
soubéssemos que, em vez de se esconder na noite de domingo, Costa estaria a
fazer um comício onde calhasse.
Teria
dado jeito ao PS um melhor resultado na Madeira porque a política também vive
de “onda psicológica”, aquela que Costa conseguiu surfar durante o processo das
primárias e foi perdendo devagarinho, essencialmente por culpa própria. Costa
acreditou sinceramente na existência de uma passadeira vermelha que o levaria
sem esforço às eleições. Se a decisão de sair da câmara é um passo no rumo
certo, ainda não chega para inverter o gigantesco capital de esperança que
desperdiçou sem que ninguém saiba como nem porquê.
Redactora-principal - Escreve
à quarta-feira
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