Ana
Vitória – Jornal de Notícias
O
realizador Manoel de Oliveira morreu, esta quinta-feira, aos 106 anos. "Se
há uma coisa que nos torna pacíficos, para o bem e para o mal, é a morte",
disse numa entrevista ao JN.
Com
um currículo de mais de 40 filmes, Manoel de Oliveira era ele próprio um
testemunho da História do último século: quando nasceu no Porto, em 1908, D.
Manuel II era rei de Portugal. Quando se estreou no cinema, em "Douro -
Fauna Fluvial" (1931), os filmes eram mudos e a preto e branco.
Distinguido
no ano passado com a Legião de Honra de França, em Serralves, o cineasta disse,
na altura, que os seus discursos estão como os novos filmes: "Mais
pequenos". Porém, tinha vários projetos na manga, como um filme sobre as
mulheres e as vindimas e a adaptação de "A Ronda da Noite", de
Agustina Bessa-Luís. Na altura falou ainda de outro projeto, "A Igreja do
Diabo", conto de Machado de Assis que pretendia rodar com os brasileiros
Lima Duarte e Fernanda Montenegro.
A
curta-metragem "O Velho do Restelo", o seu filme mais recente, que
teve estreia mundial no Festival de Veneza, estreou no Cinema Ideal, em Lisboa
e, no Porto, no Teatro Rivoli, no âmbito do festival Porto/Post/Doc, que assim
assinalou o 106º aniversário do realizador, no passado dia 11 de
dezembro.
Quarta-feira,
a organização do Figueira Film Art, havia anunciado que o decano dos cineastas
fora escolhido para padrinho da 2ª edição do Figueira Filme Art.
Filme
póstumo: "Visita ou Memória e Confissões"
"O
meu ofício é o cinema e fico orgulhoso quando sou reconhecido", costumava
dizer Manoel de Oliveira Ele que descreveu em tempos a própria longevidade como
um capricho da natureza, confessava que para si, fazer cinema era fácil.
Discursos é que não. A sua paixão intrínseca pelo cinema era justificada com o
facto de este "ser uma invenção extraordinária, a que mais se aproxima da
vida".
Figura
incontornável do cinema português era também o mais conhecido
internacionalmente. Conseguiu ter uma carreira mais profícua e celebrada após
os 75 anos, idade em que a maioria começa a retirar-se da profissão ou a perder
a relevância.
De
facto, era último realizador cuja carreira começou ainda no cinema mudo com
"Douro, Faina Fluvial" (1931) e chegou à atualidade com "O Gebo
e a Sombra" (2012). A despedida do cinema deu-se com a curta-metragem «O
Velho do Restelo», que estreou em Portugal a 11 de dezembro do ano passado, no
dia do seu aniversário.
O
cineasta deixa ainda aquele que desejou que fosse o seu filme póstumo:
"Visita ou Memória e Confissões", de caráter autobiográfico, filmado
em 1982 e que, por sua vontade explícita, só poderia ser mostrado publicamente
após a sua morte. O cineasta tinha então 74 anos.
Figurante
aos 19, realizador aos 23
Manoel
Cândido Pinto de Oliveira nasceu no dia 11 de dezembro em 1908, no seio de uma
família da burguesia industrial do Porto, 13 anos após o nascimento do cinema.
O
primeiro contacto com a Sétima Arte foi como ator, quando aos 19 anos fez
figuração no filme "Fátima Milagrosa", de Rino Lupo (1928).
A
paixão pelo cinema rivalizava com o gosto pelo atletismo (foi campeão de salto
à vara) e pelo automobilismo, modalidade em que conquistou alguns prémios.
"Douro, faina Fluvial", uma curta-metragem documental sobre a vida
nas margens do rio Douro, foi o primeiro filme que rodou, então com 23 anos,
com uma câmara oferecida pelo pai.
A
estreia desse filme aconteceu a 19 de setembro de 1931, no mesmo dia em que
morreu Aurélio da Paz dos Reis, considerado o pai do cinema português.
Atualmente,
a película é largamente elogiada, quase unanimemente considerada uma
obra-prima, mas na altura foi mal recebida pelo público, tal como
"Aniki-Bobó", o seu primeiro filme de ficção, estreado em 1942.
A
falta de apoios financeiros levou-o a deixar o cinema até 1956, quando estreou
a curta-metragem "O Pintor e a Cidade", o seu primeiro filme a cores.
"Fazer
este filme é como ganhar uma batalha: É difícil. A conjuntura económica trava e
fragiliza a montagem financeira do filme", afirmou, em entrevista
concedida em abril de 2014 à revista francesa "Cahiers du Cinéma", na
qual desabafou que em Portugal "há uma grande indiferença pelo que já
realizei".
"Se
há uma coisa que nos torna pacíficos, para o bem e para o mal, é a morte"
Numa
das muitas entrevistas que concedeu ao JN, Manoel de Oliveira confessava que
não gostava muito que se falasse de público quando se aludia aos espetadores
dos seus filmes. "Públicos são os candeeiros da rua, as cadeiras do cinema",
ironizou.
"Não
aprovo muito que se chame públicos. Não há públicos, há pessoas. Os filmes que
faço são os que entendo que devo fazer. É uma coisa pessoal. Gosto do cinema no
seu aspeto artístico, não no aspeto comercial. Os filmes artísticos não têm por
fim ganhar dinheiro", disse.
Para
o cineasta, "a arte não tem qualquer finalidade útil, mas uma função muito
particular, que é a do ensino da condição humana".
"É
preciso guardar esse sentimento humanista, que é fundamental. Aprendemos com o
que vivemos, com o que sofremos, mas essa aprendizagem só se completa com o
lado artístico", defendia.
Oliveira
confessou também que o momento a que mais gostaria de retornar seria ao da
juventude. "Mas quem não gostaria de lá voltar depois de a ter
perdido?", questionou.
E
quando lhe perguntaram se a evolução tecnológica o ajudou a fazer melhores
filmes, admitiu que "a técnica ajuda, mas pertence à ciência e não à
arte". E, um tanto desassombrado, concluiu: "Se há uma coisa que nos
torna pacíficos, para o bem e para o mal, é a morte. Ela é sempre certa e isso
dá-nos algum conforto".
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