Com
a nova tragédia na costa da Líbia, passa de 1,5 mil o número de mortos e
desaparecidos no Mediterrâneo. Chega de condolências hipócritas: é hora de
agir, opina Johannes Beck, chefe da redação Português para a África.
O
que ainda precisa acontecer para que a União Europeia mude sua política de
imigrantes e refugiados? Quantos ainda precisam se afogar no Mediterrâneo para
que os políticos europeus se movimentem? Quantas cerimônias fúnebres são
necessárias até que Bruxelas finalmente reaja?
Justo
a altamente endividada Itália mostrou, depois do naufrágio no litoral de
Lampedusa em 2013, como a Europa deveria reagir a tais catástrofes: no quadro
da missão Mare Nostrum, navios da Marinha italiana passaram a monitorar todo o caminho
marítimo entre o Norte da África e o Sul da Europa.
Contudo,
embora desse modo a Itália tenha possivelmente livrado milhares de pessoas de
morrerem afogadas, os demais Estados europeus não quiseram participar dos
custos de 108 milhões de euros por ano. Em vez disso, em novembro de 2014 a
agência europeia de segurança de fronteiras Frontex assumiu a tarefa de
resgatar os refugiados.
Essa
missão, denominada Triton, deveria ser mais barata, e por isso se concentrou no
salvamento nas proximidades das costas europeias. No caso de naufrágios mais
distantes, como
o atual, no litoral norte-africano, ela não presta ajuda. E assim se aceita
levianamente que milhares de mortes ocorram.
Depois
da nova tragédia no Mar Mediterrâneo, eu não quero mais escutar condolências de
políticos europeus. Quem não quis contribuir nas missões de resgate da Mare
Nostrum, por achá-las caras demais, deve ser pelo menos honesto e admitir
abertamente que não dá grande valor à vida de refugiados da Eritreia, Etiópia
ou Síria.
Uma
olhada na política agrícola europeia demonstra quão cínica foi a discussão em
torno do financiamento da Mare Nostrum: a UE financia seus agricultores com
cerca de 50 bilhões de euros por ano. Isso significa que os europeus gastam, em
um dia, mais em subsídios agrários do que custaria todo um ano de resgate de
refugiados no Mediterrâneo, dentro de uma missão nos moldes da Mare Nostrum.
Os
princípios básicos de uma nova política para refugiados e imigrantes estão definidos
há anos.
Primeiro,
em curto prazo, o salvamento marítimo precisa ser novamente estendido a todo o
Mediterrâneo, naturalmente financiado pela totalidade dos Estados-membros da
UE, como tarefa da comunidade. A Itália não pode ser abandonada à própria
sorte, como no caso da missão Mare Nostrum.
Segundo,
no médio prazo, é necessária uma reforma da política de imigração da UE. Além
do direito a asilo por perseguição política e a proteção a refugiados de zonas
de guerra, como a Síria, há também que se reconhecer a migração por motivos
econômicos.
Há
anos a Europa já é, de fato, um continente de imigrantes. A população de vários
países está envelhecida e também no futuro eles precisarão de imigrantes. Com a
ajuda de quotas e de um procedimento regulamentado de contagem de pontos, essa
forma de imigração deve se tornar legal e transparente. Isso reduziria o número
dos emigrantes por motivos econômicos que recorrem aos barcos dos traficantes
de pessoas no Mediterrâneo.
Terceiro,
a longo prazo, a UE deve focar mais nas causas do êxodo e imigração. Quem
destrói as estruturas estatais da Líbia com uma operação militar, não tem o
direito de, em seguida, se recolher inteiramente e observar o país se
precipitar no caos.
A
UE precisa insistir de modo mais enérgico e consequente pelo respeito aos
direitos humanos. Isso se aplica, por exemplo, à Eritreia, nação de origem de
grande parte dos refugiados do Mediterrâneo, onde por muito tempo a UE e seus
países integrantes, inclusive a Alemanha, fizeram vista grossa, e de início até
apoiaram o regime ditatorial com verbas para o desenvolvimento.
É
tempo de agir. Tempo para falar e lamentar, já houve bastante.
Johannes
Beck (av) – Deutsche Welle, opinião
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