quinta-feira, 21 de maio de 2015

GRANDES LAGOS OU GRANDES PÂNTANOS?



Reginaldo Silva – Rede Angola, opinião

A cada reunião que se segue da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL), presidida actualmente por Angola, a sensação que se fica é, no mínimo, estranha para quem de fora tem vindo a observar a movimentação desta jovem organização africana.

Em fase de implementação está o desdobramento de uma solução que é simultaneamente diplomática, política e militar e que está na estrada já lá vão mais de 10 anos.

Como causa mais remota de tudo isto, temos no já distante ano de 1994 o genocídio do Rwanda e o peso trágico dos seus 800 mil mortos, passando pela instabilidade endémica em que mergulhou (até aos dias de hoje) o Congo Kinshasa, após o derrube de Mobuto Sese Seko.

Este desfecho, como se sabe, contou com o decisivo envolvimento directo das tropas de Angola ao lado do movimento revolucionário liderado pelo já falecido/assassinado Laurent Kabila, pouco tempo depois de ter conquistado o poder.

É este envolvimento que explica a “promoção” de Angola à condição de novo membro da região com a qual o nosso país não tem qualquer relacionamento de um ponto de vista mais geográfico, por não ter qualquer fronteira com algum dos grandes lagos que a integram, que são sete no total, a saber: Niassa, Tanganica, Kivu, Eduardo,  Alberto, Vitória (o maior) e Turkana.

Se ficássemos só por esta compartimentação, os países desta região seriam apenas Moçambique, Malawi, Tanzânia, República Democrática do Congo, o Burundi, o Rwanda, Quénia, Uganda e Etiópia.

Como se vê, a região original dos Grandes Lagos já não coincide com a composição actual da CIRGL.

A “promoção” angolana continua até hoje a não ser muito bem digerida por alguns “membros de pleno direito” da dita região, por verem nela a manifestação de algum expansionismo por parte de Luanda, cuja diplomacia de facto tem estado a crescer a olhos vistos em matéria de ambições regionais, com Angola a jogar em vários tabuleiros, para além da SADC.

Em termos mais concretos, falando do surgimento da CIRGL, tudo começou no ano 2000 na sequência de duas resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança da ONU (1291/1304) nas quais se pedia a criação de uma conferência internacional sobre a paz, a segurança e o desenvolvimento na região dos Grandes Lagos.

Quatro anos depois, em Novembro de 2004, foi aprovada em Dar-es-Salam, por unanimidade, a Declaração sobre a Paz, a Segurança e o Desenvolvimento da Região dos Grandes Lagos que deu origem ao Pacto que actualmente é a base do compromisso que sustenta a CIRGL.

Em poucas palavras, e muito resumidamente, esta seria a história desta Conferência Internacional que, pelos vistos, continua a dar mais do que falar do que de fazer, tendo em conta os raquíticos resultados até agora obtidos na pacificação e estabilização da região.

O emprego da palavra estranha que usamos no inicio para classificar a sensação de quem como nós observa, a alguma distância, a movimentação desta Conferência Internacional, é claramente um recurso da linguagem diplomática.

Isto para evitarmos ter de chamar os bois pelo seu próprio nome ou para, em nome da esperança que é a última a morrer, não assumirmos outras conclusões mais definitivas quanto ao prolongado impasse em que a região está mergulhada, nos vários dossiers que a compõem.

Um impasse que para já passa, sobretudo no caso da RDC, pela manifesta incapacidade de se eliminarem de uma vez por todas as tais “forças negativas” que já estão suficientemente identificadas e após se ter decidido que só mesmo “à porrada” é que elas iria desaparecer.

O problema é como organizar a prometida caça aos rebeldes, numa região em que os mesmos protagonistas assumem posições distintas em função da plateia onde se encontram a falar, como parece ser o caso do próprio Rwanda e mesmo do Uganda.

As coisas agora agravaram-se ainda mais com a instabilidade a voltar a ameaçar o Burundi, na sequência das manifestações anti-Nkurunzinza e da fracassada tentativa de golpe de estado que, por pouco, não dava origem a mais uma guerra civil, possibilidade que ainda não está de todo posta de lado pelos observadores.

Na sequência destes acontecimentos, a CIRGL que está sedeada na capital burundesa, viu a sua própria soberania ser ameaçada, com a detenção de parte do seu pessoal que se encontra em Bujumbura, ao ponto da reunião extraordinária que agora teve lugar em Luanda ter sido forçada a denunciar publicamente esta situação.

Assim a CIRGL fica como?

Fica em muito pouco, convenhamos, para uma organização que nem é respeitada por um dos seus membros, por sinal um dos que esteve na origem da sua criação.

O Burundi e o Rwanda são quase irmãos gémeos na hora de se contarem novas e velhas espingardas, pelo que todos os cuidados ainda são poucos.

Nkurunzinza fez questão de não mandar ninguém a Luanda, nem dar qualquer satisfação aos seus pares, enquanto se aguarda pela resposta ao apelo que lhe foi endereçado para cancelar as eleições previstas para 26 do mês corrente.

De facto, e dando todos os benefícios da dúvida, começamos a ter cada vez mais dúvidas do que certezas sobre a evolução dos acontecimentos, ao ponto de já não sabermos bem qual será o melhor nome para a região

Se Grandes Lagos, se grandes pântanos?

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