sexta-feira, 29 de maio de 2015

Portugal. O PAÍS ESTÁ PIOR. URGE A RUPTURA



Octavio Teixeira – Seara Nova

Diariamente se ouvem o Governo e o Presidente da República a dizer de que Portugal está melhor, que "é hoje um país mais livre, mais confiante e mais optimista no futuro do que aquele que nos legaram em 2011" (Passos Coelho).

Infelizmente para o país, trata-se de propaganda enganosa. Decorridos quatro anos de sujeição a um pesado programa austeritário, temos hoje uma sociedade mais desigual e uma economia mais frágil.

Para sustentarem a propaganda os seus autores socorrem-se da espuma de algumas ondas, escamoteando a crua realidade.

A espuma das ondas

As taxas de juro a que a República se financia nos mercados externos estão historicamente baixas. Na verdade as taxas de juro nominais atingiram níveis historicamente baixos para todos os países e não apenas para Portugal. O que mostra, que apenas estamos a apanhar uma boleia geral e nada tem a ver com a situação portuguesa (aliás, as empresas de "rating" continuam a classificar-nos como lixo). Mas, mais importante, se as taxas de juro nominais atingiram o mínimo dos últimos 15 anos simultaneamente o deflator do PIB baixou ainda mais. E o que interessa à economia não é o valor nominal da taxa de juro nominal mas o seu valor real, porque é isso que determina se está com melhores ou piores condições para pagar as dívidas. E a verdade é que as taxas de juro reais não estão mais baixas.

A taxa de desemprego tem vindo a diminuir. Escamoteiam os efeitos sobre esse valor de uma emigração acumulada nos últimos quatro anos da ordem de 400.000 cidadãos. Omitem que nesse período foram destruídos 399.000 postos de trabalho. Escondem a grande camuflagem estatística dos desempregados, designadamente com os "estagiários" temporários, que reduz para 14% uma taxa de desemprego que os próprios dados do INE implicitamente mostram ser superior a 20%.

A economia, o PIB, saltou da recessão para crescimentos positivos. Mas calam que isso se deve em grande medida à baixa do preço do petróleo e da taxa cambial do Euro (para o que as políticas do Governo nada contribuíram e que nada garante se prolonguem no tempo) e, fundamentalmente, que esse crescimento económico para além de ser muito débil não é sustentado (até o FMI e a CE o reconhecem).

A balança corrente externa está positiva. Mas calam que isso se deve essencialmente à redução do consumo das famílias em consequência do seu empobrecimento e à brutal e queda do investimento.

Por último, o défice orçamental tem vindo a baixar. Só faltava que assim não fosse, depois das brutais reduções salariais na administração pública, da redução das pensões de reforma, dos abonos de família, do rendimento social de inserção e do subsídio de desemprego, do enorme aumento da carga fiscal e do corte, nestes quatro anos, de 2/3 do investimento público.

Só a perspectiva de eternizar tudo isto pode sustentar um discurso de optimismo e confiança no futuro.

A dura realidade

Destapando o manto diáfano da propaganda, o que a dura realidade constata é que há menos criação de riqueza, menos capacidade produtiva e menos emprego. Que há mais desigualdade, mais desemprego, mais emigração e mais população em risco de pobreza. Que o trabalho está desvalorizado e as famílias mais pobres. Que foram e estão a ser vendidos ao desbarato bens públicos estratégicos. E que também há mais dívida pública e mais dívida externa.

E esta realidade só pode suscitar justificado pessimismo e receio quanto ao futuro.

Para sustentar esta afirmação basta olhar para as questões da dívida e do investimento.

O país está mais próximo de uma situação de "bancarrota" do que há quatro anos. A dívida externa bruta aumentou para 235% do PIB e a dívida pública para mais de 130%. Os juros da dívida pública representam um fardo cada vez maior, com um valor equivalente a 112% dos encargos com o SNS e 134% dos encargos com a Educação. Se aos juros somarmos as amortizações da dívida de médio e longo prazo, e tendo em conta que cerca de ¾ desta dívida pública é dívida externa, isso significa que da exportação de bens, serviços e turismo esvai-se no pagamento do serviço da dívida pública.

São recursos financeiros incomportáveis que bloqueiam a capacidade nacional de investimento e de crescimento económico. Recursos essenciais para promover o necessário investimento público e para reduzir a carga fiscal visando o aumento indispensável da procura interna.

Acresce que esses volumosos encargos sustentam a permanente dinâmica autofágica da dívida: os juros pagos de 2011 a 2014 são responsáveis por quase do aumento da dívida que ocorreu no mesmo período.

Recordando que o Tratado Orçamental exige a redução da dívida pública para 60% do PIB num prazo de 20 anos, mesmo numa perspectiva demasiado optimista de crescimento nominal do PIB de 3,8% ao ano, isso obrigaria à obtenção de saldos orçamentais primários positivos da ordem dos 3 a 4% anuais durante duas décadas. Ora, após estes quatro anos de forte austeridade, o máximo que o Governo conseguiu foi um saldo primário de 0,4%. Ou seja, tais saldos só seriam possíveis com o agravamento das políticas de austeridade e por um prolongado período. E sabe-se o que isso significaria, em grau mais elevado do que actualmente: a redução de salários e pensões de reforma, a redução significativa do cumprimento das funções sociais do Estado, a eliminação de direitos laborais, a manutenção do desemprego a níveis elevadíssimos, o aumento da pobreza, a emigração permanente da juventude, a privatização de tudo que público seja, incluindo a saúde e a educação.

Considerando o estado global da economia portuguesa e os problemas de endividamento do sector privado, a obtenção desses saldos constitui uma missão impossível. Se fosse tentada, arrastaria a economia para uma prolongada depressão e promoveria o empobrecimento perene da população.

No que respeita ao investimento. Durante os últimos três anos o investimento (FBCF), em valor nominal, é agora idêntico ao de 1997. E em termos do PIB caiu para 15%, a percentagem mais baixa desde 1953. É um gravíssimo obstáculo à necessária recuperação económica e do emprego - a que se pode e deve somar o nível de emigração (superior ao dos anos 60) em particular da juventude.

E a queda de 63% do investimento público significa a degradação acentuada das infraestruturas económicas e sociais existentes (e o seu não aumento) que ao Estado incumbem, com nefastos feitos económicos e socias (educação, saúde, infância, idosos, etc.).

Tudo isto só pode causar justificado pessimismo quanto ao futuro.

A ruptura é urgente

Não é admissível que a economia e a estrutura produtiva estejam condenadas ao definhamento e que a sociedade seja ameaçada pela "profecia" de Salazar de que "os portugueses não podem aspirar a mais do que à dignidade na pobreza".

Por isso é urgente promover a ruptura com as políticas que têm sido seguidas e eliminar os obstáculos ao desenvolvimento.

E o primeiro desses obstáculos é o da dívida pública. É imperioso renegociá-la e assim conseguir a sua reestruturação adequada. A questão não é não pagar a dívida, é pagarmos apenas aquilo que podemos pagar e de acordo com a nossa capacidade para pagar.

A reestruturação da dívida pública, para além dos seus efeitos directos na viabilização de políticas económicas e sociais não austeritárias, gera condições que favorecem a resolução dos problemas do endividamento externo e do das empresas e famílias. E sem a reestruturação da dívida pública não será possível libertar os recursos suficientes que favoreçam o crescimento económico necessário.

Sem a reestruturação da dívida é a própria sustentabilidade da sociedade portuguesa que está em causa, com os mais jovens a emigrar, os salários a convergirem cada vez mais para os limiares da indigência, o empobrecimento generalizado e a destruição dos pilares essenciais de um Estado social, designadamente a saúde, a educação e a protecção social.
E a não reestruturação da dívida tem, ainda, efeitos nefastos sobre a democracia politica e a soberania nacional. Porque isso significaria que não pudesse haver alternativa à política austeritária. O que constituiria a negação da democracia política e do poder soberano do povo de optar por outras vias. A não reestruturação significativa da dívida pública impede, objectiva e independentemente da cor partidária quem estiver no governo, quaisquer estratégias e políticas diferentes das aplicadas nos últimos quatro anos. As alterações possíveis circunscrevem-se ao grau. E o melhor a que uma política de austeridade mais moderada poderá aspirar é uma austeridade mais moderada, mas mantendo-nos num quadro de austeridade perpétua.

A renegociação da dívida pública parece-me inevitável. Ela será feita, mais cedo ou mais tarde (e quanto mais tarde pior) nos termos que os credores institucionais imponham ou nos termos definidos por Portugal. Ou seja, determinada pelos interesses dos credores ou pelos interesses do país e dos portugueses. Por isso deve ser assumida por iniciativa do Estado português salvaguardando os interesses nacionais e assente num serviço da dívida compatível com o crescimento económico, a promoção do emprego e o desenvolvimento social. Não há nenhuma razão para que o imperativo do pagamento aos credores seja considerado de natureza superior a outros compromissos igualmente assumidos pelo Estado, designadamente na saúde, na justiça, na educação, na protecção social, nos direitos dos trabalhadores.

Antes pelo contrário. As responsabilidades do Estado para com os cidadãos e a coesão social têm de estar acima das obrigações para com os credores. Portugal não será o primeiro país a ter de reestruturar a dívida, nem será o último.

Porém, tenhamos a consciência de que a crise da dívida pública não é a causa da crise económica. A crise portuguesa é a resultante de perdas acumuladas de competitividade, devido à impossibilidade de depois de 1999 compensar essas perdas com desvalorizações da moeda. E, para além de causas conjunturais, essa foi a causa fundamental que levou ao acumular de dívidas (pública e externa) excessivas nos últimos 15 anos. Acresce que o crescimento galopante da dívida pública externa se fica a dever à impossibilidade de recorrer ao financiamento pelo seu banco central.

Por isso a reestruturação da dívida sendo urgente e aliviando os constrangimentos que pesam sobre a economia e a população, não resolve um problema de fundo e central: a competitividade capaz de gerar condições para o crescimento económico e a reindustrialização do país. O Euro é o obstáculo maior ao desenvolvimento do país. E a sua ultrapassagem só é possível com a recuperação da soberania monetária. Não como um fim em si mesmo mas para possibilitar uma política de pleno emprego, de crescimento económico e de desenvolvimento social.

Em suma, o desenvolvimento e a recuperação da soberania passam pela reestruturação da dívida e fundamentalmente pela saída da zona Euro. Apesar dos seus custos. De qualquer modo menores que os decorrentes da desvalorização interna, da austeridade perpétua. E só assim será possível a implementação de uma política de esquerda.

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