quarta-feira, 10 de junho de 2015

A PROPÓSITO DO KUITO KUANAVALE – VII




18 – Para que fossem possíveis as vitórias contra o colonialismo, contra o “apartheid” e contra muitas das suas sequelas, o Movimento de Libertação em África sustentava sua doutrina e suas ideologias nas próprias contradições históricas que tinham (e têm) expressão no seio da própria humanidade, assumindo a identidade para com os povos oprimidos de todo o mundo, algo que fugia à capacidade de análise quer das então potências coloniais, quer ainda hoje dos estados que compõem por exemplo a NATO, ou o ANZUS.

Estava fora das possibilidades do capitalismo das potências ocidentais, de suas oligarquias e dos seus estados burgueses, avaliar a energia e o poder das revoluções que se enquadraram no Movimento de Libertação em África, estava fora de suas pretensões “oficiais” assumir o conhecimento materialista dialéctico em relação ao qual se evidenciava a Revolução Cubana, como no que estimulava a cultura da unidade e coesão nacionais, de acordo com o pensamento estratégico do Presidente Agostinho Neto, algo inovador em relação a África (constate-se o livro do falecido General Iko Carreira sobre o assunto)!

Essa é a razão de se ficarem pelos conceitos limitativos de contra insurgência, que o “apartheid” fez derivar para a “border war” e não levarem em conta a amplitude integradora das repostas conseguidas a partir dos conceitos marxistas, como por exemplo o argumento de Che Guevara, no seu discurso perante a 19ª Assembleia Geral da ONU, a 11 de Dezembro de 1964, na véspera da saga de sua passagem por África, faz agora 50 anos, como por exemplo a génese do génio inovador do Presidente Agostinho Neto e do seu sucessor Presidente José Eduardo dos Santos.

Eis dois extractos da versão em inglês do discurso de Che Guevara, na parte relativa às organizações já em luta armada contra o colonialismo do Estado Novo e face à evolução da situação na África Austral:

… “In all these parts of the world, imperialism attempts to impose its version of what coexistence should be. It is the oppressed peoples in alliance with the socialist camp that must show them what true coexistence is, and it is the obligation of the United Nations to support them.

We must also state that it is not only in relations among sovereign states that the concept of peaceful coexistence needs to be precisely defined.

As Marxists we have maintained that peaceful coexistence among nations does not encompass coexistence between the exploiters and the exploited, between the oppressors and the oppressed. Furthermore, the right to full independence from all forms of colonial oppression is a fundamental principle of this organization. That is why we express our solidarity with the colonial peoples of so-called Portuguese Guinea, Angola, and Mozambique, who have been massacred for the crime of demanding their freedom. And we are prepared to help them to the extent of our ability in accordance with the Cairo declaration”…

(…)
… “Once again we speak out to put the world on guard against what is happening in South Africa. The brutal policy of apartheid is applied before the eyes of the nations of the world. The peoples of Africa are compelled to endure the fact that on the African continent the superiority of one race over another remains official policy, and that in the name of this racial superiority murder is committed with impunity. Can the United Nations do nothing to stop this!

I would like to refer specifically to the painful case of the Congo, unique in the history of the modern world, which shows how, with absolute impunity, with the most insolent cynicism, the rights of peoples can be flouted.

The direct reason for all this is the enormous wealth of the Congo, which the imperialist countries want to keep under their control. In the speech he made during his first visit to the United Nations, Compañero Fidel Castro observed that the whole problem of coexistence among peoples boils down to the wrongful appropriation of other peoples' wealth. He made the following statement: End the philosophy of plunder and the philosophy of war will be ended as well”…
  
19 – “Criar dois, três Vietnames” a partir das contradições geradas pelo imperialismo capitalista, era algo que também advogava a causa do Movimento de Libertação em África e as aspirações mais legítimas de independência e soberania para os oprimidos, abrindo as portas às possibilidades do Renascimento Africano e aos resgates imensos que ele impõe.

O Che assumiu a vanguarda dessa filosofia-empenho por via da Tricontinental, (ainda que às custas de suas ideias sobre a necessidade do foco revolucionário), a 16 de abril de 1967, já ele estava a travar a sua derradeira luta na Bolívia, que inspiraria tantos em todo o Mundo e também aqui, em Angola, particularmente nas horas mais decisivas:

… “Sinteticemos así nuestras aspiraciones de victoria: destrucción del imperialismo mediante la eliminación de su baluarte más fuerte: el dominio imperialista de los Estados Unidos de Norteamérica. Tomar como función táctica la liberación gradual de los pueblos, uno a uno o por grupos, llevando al enemigo a una lucha difícil fuera de su terreno: liquidándole sus bases de sustentación, que son sus territorios dependientes.

Eso significa una guerra larga. Y, lo repetimos una vez más, una guerra cruel. Que nadie se engañe cuando la vaya a iniciar y que nadie vacile en iniciarla por temor a los resultados que pueda traer para su pueblo. Es casi la única esperanza de victoria.

No podemos eludir el llamado de la hora. Nos lo enseña Viet-Nam con su permanente lección de heroísmo, su trágica y cotidiana lección de lucha y de muerte para lograr la victoria final.

Allí, los soldados del imperialismo encuentran la incomodidad de quien, acostumbrado al nivel de vida que ostenta la nación norteamericana, tiene que enfrentarse con la tierra hostil; la inseguridad de quien no puede moverse sin sentir que pisa territorio enemigo; la muerte a los que avanzan mas allá de sus reductos fortificados; la hostilidad permanente de toda la población. Todo eso va provocando la repercusión interior en los Estados Unidos; va haciendo surgir un factor atenuado por el imperialismo en pleno vigor, la lucha de clases aún dentro de su propio territorio.

Cómo podríamos mirar el futuro de luminoso y cercano, si dos, tres, muchos Viet-Nam florecieran en la superficie del globo, con su cuota de muerte y sus tragedias inmensas, con su heroísmo cotidiano, con sus golpes repetidos [101] al imperialismo, con la obligación que entraña para éste de dispersar sus fuerzas, bajo el embate del odio creciente de los pueblos del mundo!

Y si todos fuéramos capaces de unirnos, para que nuestros golpes fueran más sólidos y certeros, para que la ayuda de todo tipo a los pueblos en lucha fuera aún mas efectiva, ¡qué grande sería el futuro, y qué cercano!

Si a nosotros, los que en un pequeño punto del mapa del mundo cumplimos el deber que preconizamos y ponemos a disposición de la lucha este poco que nos es permitido dar: nuestras vidas, nuestro sacrificio, nos toca alguno de estos días lanzar el último suspiro sobre cualquier tierra, ya nuestra, regada con nuestra sangre, sépase que hemos medido el alcance de nuestros actos y que no nos consideramos nada más que elementos en el gran ejército del proletariado, pero nos sentimos orgullosos de haber aprendido de la Revolución Cubana y de su gran dirigente máximo la gran lección que emana de su actitud en esta parte del mundo: qué importan los peligros o los sacrificios de un hombre o de un pueblo, cuando está en juego el destino de la humanidad”…
  
20 – Todo esse rigor materialista dialéctico de análise, todo esse imenso vigor, toda essa energia que movia montanhas, era insustentável para o fascismo do Estado Novo nas colónias, como para o“apartheid” e a luta contra insurgência foi um paliativo vão, que quando muito poderia apenas retardar o avanço das linhas progressistas que tanta esperança comportavam para os povos e para a humanidade, algo que era até capaz de levar a luta de classes para dentro dos Estados Unidos, ao ponto de, por via do “síndroma do Vietname” tolher a inteligência e o músculo do império da aristocracia financeira mundial e de seus falcões.

Foi essa filosofia de Libertação que deu azo às decisões de homens como Fidel de Castro, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Samora Machel, Oliver Tambo, José Eduardo dos Santos e tantos outros, a quente e no clamor das batalhas.

Foi assim, com essa fibra clarividente e inteligente, que em Angola foram vencidas as batalhas de Cabinda, do Ebo, de Quifangondo, do Kuito Kuanavale/Calueque…

… E foi assim que Jorge Risquet, um dos revolucionários que deu o seu contributo à IIª coluna do Che no Congo e tanto apoiou o Movimento de Libertação em África, à mesa das conversações, proclamou:

… “La época de las aventuras militares, las agresiones impunes, de sus masacres de refugiados ha finalizado”… “Sudáfrica debe comprender que no obtendrá en esta mesa de negociaciones lo que no pudo lograr en el campo de batalla”…

A soldadesca das SADF saiu de Angola a 30 de agosto de 1988 e os dados estavam lançados para a Independência da Namíbia e do Zimbabwe, assim como para o fim do “apartheid” com a instauração duma democracia na base de 1 homem / 1 voto!
  
21 – Savimbi, sem Botha, mas com Mobutu (ainda que “queimando os últimos cartuchos”), persistiu num etno nacionalismo que deu azo à “guerra dos diamantes de sangue” e o levou ao colapso, bem como à sua morte.

Soube tirar partido da fragilização do estado angolano em relação aos diamantes, pois o afastamento dos oficiais que haviam combatido o tráfico por via do processo 105/83, levou a negligência em relação às disputas no que às minas e aos negócios de diamantes dizia respeito… nesse aspecto Savimbi e Mobutu estiveram bem atentos, naturalmente beneficiando da inteligência do cartel…

Depois do seu colapso, alcançado por via duma guerra sangrenta e destruidora que durou dez anos, tem sido possível a Angola a Reconstrução Nacional, a Reconciliação, a Reinserção Social, a paz interna e noutras direcções, como a dos Grandes Lagos.

A desminagem no Kuando Kubango progride penosa, mas decididamente, penetrando nos imensos Parques Nacionais, Reservas e Coutadas, marcando agora o compasso no histórico triângulo do Tumpo, onde uma ONG britânica dá o seu contributo, integrando seus esforços no âmbito dos“Peace Transfrontier Parks”, algo que muito interessa a Angola, logicamente, mas também ao“lobby dos minerais” .

Jogando em todos os tabuleiros, o cartel tem todo o interesse nos passos dados pelo Governo angolano no Kuando Kubango, mas está também muito interessado nas tensões que se desenrolam no vale do Cuango, a norte do país, algo que é típico das jogadas elitistas do “lobby dos minerais”.

Em resultado dessas tensões está-se a assistir a uma disputa curiosa: alguns dos generais que venceram Savimbi, que possuem interesses mineiros nos diamantes aluviais do vale do Cuango, estão a ser alvo do ataque conjugado de Rafael Marques de Morais, um “activista” que tem sido pago pela National Endowment for Democracy e de outros “anexos”, a fim de os acusar de“diamantes de sangue”, algo que corresponde a uma nova tendência que também tem ainda a ver com o “Le Cercle”!...

O cartel espera para ver até onde vão os ”êxitos” dessa missão de Rafael Marques de Morais, para depois se ir pronunciando no âmbito do seu elitismo, enquanto o Protectorado da Lunda, que conta com os rescaldos dessa artificiosa tensão, dá seguimento à nova tentativa de partir Angola, agora por via do meridiano que arranca todo o leste ao país!

Curiosamente e a sul: não há Parque Nacional, nem Reserva Natural, nem Coutada, na região ambiental de Ruacaná/Calueque, apesar da cinegética grandiosa do Cunene e talvez seja essa uma das razões escondidas da evidência dada este ano ao triângulo do Tumpo, em prejuízo da amplitude, no espaço e no tempo, da batalha do Kuito Kuanavale!...

Felizmente que no sudoeste se desenha nova barragem para servir Angola e a Namíbi!
  
22 – Definindo bem a vitória de Kuito Kuanavale/Calueque, o Presidente Nelson Mandela afirmou:“Kuito Kuanavale foi a viragem para a luta de libertação do meu continente e do meu povo do flagelo do apartheid”.

Foi também a primeira viragem do rumo seguido pelo cartel, assim como uma contrariedade nos propósitos africanos do “Le Cercle” e suas hordas “stay behind”… a segunda ocorreria com o fim de Savimbi e de Mobutu!

Nelson Mandela poderia ter levado precisamente isso em consideração quando tentou uma mediação entre Mobutu e Laurent Kabila, mas ele já estava afectado pelo “lobby dos minerais” e seu dilecto cartel!

Efectivamente Nelson Mandela, quando tal o afirmou, afinal apenas colocou um ponto de exclamação ao pensamento estratégico de Agostinho Neto: “no Zimbabwe, na Namíbia e na África do Sul está a continuação da nossa luta”!
  
*Foto de Fidel e Mandela.

- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – I;
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – II;
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – III.

.Ernesto Che Guevara represented Cuba in the 19th Session of the UN General Assembly in New York –http://www.thechestore.com/Che-Guevara-United-Nations.php

.Mensaje a la Tricontinental - Ernesto Guevara - Crear dos, tres...
muchos Viet-Nam, es la consigna – [Publicado el 16 de abril de 1967 en un Suplemento Especial de la revistaTricontinental,
mientras Ernesto Che Guevara estaba ya (en secreto) en Bolivia, organizando la guerrilla. PFE.] –http://www.filosofia.org/hem/dep/cri/ri12094.htm



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