Isabel
Moreira – Expresso, opinião
Não
é apenas o número indigno de desempregados. Não é apenas lançar números sobre
os falsos recibos verdes e sobre a precariedade. Do que se trata é de dar conta
desses números, mas denunciar, a partir deles, que há um novo paradigma nas
relações laborais.
Trata-se
de denunciar que a fragilidade angustiante e comprometedora de uma vida digna e
de perspetivas de futuro não resultam de um acaso, mas de uma vontade política
de alterar violentamente o que deve ser um trabalhador.
As
ditas políticas de criação de emprego mais não são do que a elevação
do Estado ao maior impulsionador da precariedade. O Estado promove, incentiva e
aproveita-se da destruição da segurança no emprego.
É
um Estado exemplar.
Vejamos:
Um
desempregado que esteja a receber o Subsidio de Desemprego é obrigado a aceitar
um CEI – contrato de emprego e inserção -, mas este não garante a sua
empregabilidade e, no caso de entidades públicas, essa empregabilidade é mesmo
impossível. Durante o CEI, o desempregado tem apenas 4 horas por mês para
procurar emprego, o que significa que assinar um CEI, obrigatório para não
perder o Subsidio de Desemprego, significa muitas vezes acabar com a
possibilidade de procura ativa de emprego, e gastando muitas vezes os últimos
meses de subsidio de desemprego a trabalhar para quem não o vai empregar e não
podendo, portanto, procurar uma solução real para a sua situação de desemprego
e futura situação de perda total de rendimentos.
Um
desempregado com um contrato de CEI, que esgote o seu tempo de subsídio de
desemprego antes do findo do CEI, vê o dito automaticamente terminado. Sem que
tenha direito a prolongamento do Subsidio de Desemprego durante o tempo de
execução do CEI, para que continue a fazer o suposto Trabalho Socialmente
Necessário. Os dois pontos anteriores também se repetem para beneficiários do
RSI. Uma beneficiário do RSI ao abrigo do CEI recebe por mês 419,22€ (1 IAS),
sendo que a entidade contratante paga apenas 10% deste valor caso seja uma IPSS
e 20% se for uma entidade pública, sendo o restante pagamento assegurado pelo
IEFP.
O
Estado está a protocolar com IPSS's vários serviços sociais nas áreas da
educação, segurança social e saúde, não garantido muitas vezes a transferências
das responsabilidades dos trabalhadores dos equipamentos cuja gestão é
protocolada, e permitindo depois que estas instituições possam substituir estes
trabalhadores do Estado por CEI+, que custam as IPSS uns míseros 42 € por mês,
menos de 1 décimo do Salário Mínimo Nacional, enquanto os funcionários públicos
que trabalhavam neste equipamentos passam a ser chamados excedentários e
requalificáveis.
Estas
decisões do Governo são Dumping Social.
Já
não bastava o batalhão de mais de 1 milhão de empregados precários cujos
direitos laborais não são assegurados na totalidade e eis que o Governo
PSD/CDS cria um escalão de trabalhadores sem direitos laborais - os
CEI - trabalhadores obrigados a aceitar um trabalho com desemprego
garantido no fim e muitas vezes já sem direito a Subsidio de Desemprego, sem
direito a férias, e principalmente sem condições reais para procurarem
alternativa ou frequentarem ações de formação profissional.
A
política obstinada da austeridade expansionista é uma decisão ideológica e não
funcionou. Temos cerca de 1,5 milhões de precários, o que significa que 1/3 dos
empregados são precários. Se aos precários se somar o desemprego real temos 2,5
milhões de portugueses que querem um emprego, um trabalho digno, ou, melhor,
que cerca de metade da população ativa portuguesa não tem um emprego digno.
Quando
o Governo flexibiliza as leis laborais defendendo que esse caminho cria emprego
– viu-se -, quando o Governo anuncia que falta reduzir o valor do fator
trabalho e quando o Governo quer anular da Constituição o conceito elementar de justa
causa como pressuposto do despedimento, o cenário descrito não é apenas
fruto de uma crise económica internacional.
O
cenário descrito é o cenário ideológico de quem trouxe uma novidade monstruosa
ao mundo laboral: a precariedade como decisão.
É
um Estado exemplar.
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