segunda-feira, 6 de julho de 2015

Angola. “HÁ PROGRESSOS NO RESPEITO DOS DIREITOS HUMANOS” – Bento Bembe



Óscar Silva - Angop

As condições que a paz propicia ao exercício dos Direitos Humanos, os serviços disponibilizados pelo Executivo em matéria de necessidades básicas para a dignidade do cidadão, a criminalidade, a humanização das cadeias e a vulnerabilidade das crianças e mulheres diante do tráfico de seres humanos e da prostituição, são aspectos apontados, em entrevista à agência Angop, pelo secretário de Estado dos Direitos Humanos, António Bento Bembe.

Angop –  Angola vai comemorar 40 anos de Independência. Como caracteriza a situação dos direitos humanos no país?

António Bento Bembe – Todos nós, angolanos, estamos a viver a evidência dos progressos alcançados no quadro do respeito, da defesa e promoção dos direitos humanos. Mas o exercício dos direitos humanos vem-se concretizando, cada vez mais, após o alcance da paz em todo o país. Simplesmente, é nesta condição que podemos dizer que estamos agora em melhores condições de tratar de forma séria e responsável esta temática dos direitos humanos. Como se pode ver, graças à paz, temos conseguido pôr ao alcance das populações aquilo que pode garantir as melhores condições de vida. As condições em que Angola ficou mergulhada logo depois da Independência não permitiram que os dirigentes do país pudessem tratar, de uma forma dedicada, do respeito e da promoção dos direitos humanos, matéria que agora abordamos, uma vez conseguida esta paz. Há progressos que temos vindo a registar no quadro da defesa e promoção dos direitos humanos. Quando falamos da promoção dos direitos humanos não é teoria, mas é uma questão prática, é uma forma  de concretizar aquilo que dignifica a nossa população. Hoje podemos ver em todas as províncias a construção de fogos habitacionais, podemos ver, constantemente, novas escolas a serem erguidas, hospitais inaugurados, enfim, várias infra-estruturas sociais que são construídas em benefício da população. O Executivo tem estado agora a oferecer os serviços que constituem as necessidades básicas ou fundamentais para que o povo possa viver com dignidade.

Angop –  Ao falar das necessidades básicas para que um povo possa viver com dignidade, imediatamente estamos a falar dos direitos humanos. Como é que as estruturas do Estado se têm interligado umas com as outras?

ABB –   O Executivo cumpre as suas obrigações no que diz respeito às acções relacionadas com a defesa e protecção dos direitos humanos, quando se constroem  escolas, hospitais, estradas, pontes, se distribui água e electricidade às populações. Mas é preciso saber que o tempo ainda não é suficiente para podermos dizer que todo o cidadão está à altura de poder contribuir para o respeito dos direitos humanos com vista à dignidade dos angolanos. É preciso tempo e formação para que a população possa compreender e, gradualmente, ultrapassar situações que ainda são registadas em algumas instituições. Nessas instituições confiamos uma certa tarefa, mas ainda temos funcionários que não entendem que o cidadão é o centro da vida pública. Há muitos funcionários que ainda não entendem este pressuposto. É preciso um trabalho sério de formação constante. É por isso que temos estado a divulgar uma série de actividades para inculcar o sentido de humanismo nas pessoas, com vista a inculcar o princípio dos valores da cultura dos direitos humanos e da dignificação da pessoa humana, isto é, inculcar o humanismo de maneira a permitir que essas pessoas, em primeiro lugar, sejam elas conscientes de que têm direitos e ao mesmo tempo sujeitam-se a compromissos e responsabilidades a assumir em relação à defesa e promoção dos direitos humanos.

Angop –  Como é materializada a cultura de respeito dos direitos humanos?

ABB – Estamos a falar de uma educação para inculcar valores, processos e modelos de comportamento para que as pessoas sejam capazes de dignificar-se a si próprias e a outro ser humano. É um conjunto de valores que temos estado a transmitir a cada cidadão, valores básicos para uma convivência harmoniosa e pacífica numa sociedade justa, livre e democrática. A educação é um processo que começa desde a infância nos lares e continua na escola, na igreja, na comunidade e assim, sucessivamente, ao nível da Nação. É uma cultura indispensável, porque a educação constrói-nos. É necessária esta acção para inculcarmos valores, para fazer com que os nossos cidadãos se sintam responsáveis e possam contribuir para uma sociedade cada vez mais justa, harmoniosa e pacífica.

Angop –  Como é feita a educação para a promoção dos direitos humanos?

ABB –  Estamos a dar bons passos, como certamente tem acompanhado, e os órgãos de comunicação social têm divulgado as notícias sobre a promoção dos direitos humanos. Neste contexto, estamos a realizar seminários, mesas redondas e outras acções com vista a transmitir conhecimentos sobre os direitos humanos a todos os cidadãos. Gradualmente, os cidadãos angolanos estão a tomar consciência de que têm direitos e responsabilidades relativas à tarefa de construção de uma sociedade pacífica, democrática, de paz e justa.

Angop –  Considera que a população já está satisfeita com o direito à habitação?

ABB –   Não podemos contentar toda a população de uma única vez, porque este tipo de direitos, como o da habitação, está incluso nos direitos sociais e económicos, os quais são cumpridos através de acções do Estado, mas consoante as condições financeiras. É verdade que o cidadão nem sempre acredita quando os órgãos estatais anunciam que existe escassez de condições financeiras, mas o Estado tem de fazer as coisas de acordo com as prioridades, devido às limitações com que se debate. Contudo, podemos ver como há projectos habitacionais espalhados por todo o país. Isto para dizer que, de uma forma gradual, vamos dando resposta às necessidades dos cidadãos. Grande parte dos cidadãos está satisfeita com as centralidades que estão a ser erguidas, um pouco por todo o território nacional, aos quais se unem os que têm beneficiado de outros bens que o Estado tem posto à disposição da população, tendo em conta a melhoria das condições de vida e a dignidade do povo angolano.

Angop –  Tem andado por várias províncias e visitado muitas unidades penitenciárias. Pode falar-nos um pouco da humanização das cadeias?

ABB –   Comecei este trabalho de visita às unidades penitenciárias desde que fui integrado no Executivo, em Setembro de 2007, primeiro nas vestes de Ministro Sem Pasta. Em 2010 fui nomeado secretário de Estado para os Direitos Humanos e até hoje tenho estado a fazer este trabalho e entendo bem como é que as coisas estão em todo o país. No princípio, visitei unidades penitenciárias que estavam em condições socialmente más, mas hoje registamos um grande progresso. O Ministério do Interior, que tem esta incumbência de lidar com a humanização das unidades penitenciárias, tem estado a fazer o seu trabalho. A maior parte das províncias hoje já tem unidades penitenciárias novas ou de raiz ou reabilitadas, com condições mais humanas. A humanização das unidades penitenciárias está a concretizar-se, porque actualmente os reclusos já não vivem num meio sujo. As unidades penitenciárias são novas. Porém, para nossa infelicidade, os índices de criminalidade não diminuem e o que vemos é que, anteriormente, havia unidades com uma capacidade de albergar 300 homens e o Ministério do Interior, no âmbito da humanização das cadeias, construiu unidades que albergam 500 homens. Mas hoje, da mesma forma que estava superlotada com 300 homens de capacidade, está superlotada com 500. O problema que temos é o elevado índice de criminalidade, que não volta para trás. Na maior parte das províncias o índice de criminalidade é elevado, apesar de em algumas se registar diminuição. O trabalho para a humanização das cadeias está a ser feito com três refeições diárias, extensão dos serviços de saúde, espaços de lazer, formação profissional, tendo-se criado espaços para a educação, com a construção de escolas nas unidades penitenciárias. As condições humanas nas unidades penitenciárias angolanas estão acauteladas.

Angop –  O que está a ser feito pelo Executivo para diminuir o índice de criminalidade?

ABB –  A única coisa que os Direitos Humanos podem fazer para ajudar a atenuar o índice de criminalidade é o que temos estado a fazer, sensibilizar e mobilizar. No âmbito da cultura para a promoção dos direitos humanos, procuramos dar ênfase à dimensão da pessoa humana, o valor humano e, igualmente, ensinamos que actualmente o princípio prevalecente é que o futuro das pessoas depende do comportamento de cada um –  inclusive, a educação técnica, sem ética, de nada vale –  de forma a mostrarmos a todos os cidadãos, sem excepção, que os princípios dos direitos humanos são assentes na dignidade da pessoa humana. Nós perdemos a protecção dos nossos próprios direitos lá onde violamos os direitos dos outros, facto que significa que toda a pessoa que não considera a causa dos direitos humanos como prioridade transforma-se em inimigo da sua própria existência. Se na sua vida, no seu comportamento e nas suas acções você transgride os direitos e a dignidade dos outros, significa que se está a transformar em inimigo da sua própria existência. Temos estado a ensinar e junto daqueles que têm estado a cometer vários tipos de crimes temos insistido que, por causa deste tipo de acções e de condutas estas pessoas se transformam em inimigos de si próprios.

Angop –  Como estamos em casos de tráfico de seres humanos?

ABB –   O Estado assumiu compromissos internacionais no âmbito da defesa e protecção dos direitos humanos. Tem a obrigação de criar medidas para a protecção dos direitos humanos dos cidadãos. Neste contexto, existem órgãos que intervêm na administração da justiça, como a polícia, os tribunais, os quais são sensibilizados para cumprirem as suas obrigações na defesa dos direitos dos cidadãos. O Estado tem posto à disposição dessas instituições as condições que possam permitir realizar as suas actividades, juntando-se a isso a sensibilização dos cidadãos para acorrerem a uma mesa redonda com vista a prestarem muita atenção, principalmente em relação às crianças, que têm pouca maturidade, embora se saiba que nesta questão de tráfico de seres humanos a primeira vítima é a mulher. As mulheres são traficadas e vendidas para serem usadas em questões de promiscuidade sexual, seguindo-se as crianças, por serem seres mais vulneráveis, ao fazerem amizades sem prudência. Em relação às crianças, existem casos em que os pais estão envolvidos, quando aparecem  pessoas com más intenções que surgem com o pretexto das mesmas serem enquadradas e matriculadas em estabelecimentos escolares e muitos progenitores, devido à sua situação económica, cedem facilmente. Muitos desses país não sabem que as crianças vão ser usadas para trabalhos forçados, pornografia infantil, entre outras acções. Muitas raparigas estão a ser apanhadas, ao aparecer um rapaz que lhes solicita namoro, e elas, mal conhecendo esse jovem e sem saberem que pertence a uma empresa que se dedica ao tráfico de seres humanos e de pornografia. são levadas para esse mundo. O Executivo está a fazer o seu trabalho, alertando a população para este fenómeno e para tal há uma comissão para elaborar um Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, coordenada pelo Ministério da Justiça e Direitos Humanos, com base num Decreto Presidencial.

Angop –  E a prostituição?

ABB –  É preciso saber que o tráfico de seres humanos está ligado a questões de pobreza, da mesma forma que a prostituição. Prostituição é quando alguém se oferece para actividades de promiscuidade sexual em troca de valores financeiros ou de objectos com vista a obter melhores condições de vida. Esta questão não se deve resolver à base de medidas económicas, porque há pessoas, mesmo com boas condições de vida, sem falta de dinheiro ou de outros bens, que se oferecem à prostituição. Por isso, no âmbito do trabalho que temos estado a fazer, realizámos conferências em todas as províncias, convidámos, além das estruturas estatais, membros da sociedade civil, com destaque para a Igreja e autoridades tradicionais, docentes e estudantes universitários, como instituições de acção educacional que têm responsabilidades com o cidadão, de maneira a fazer com que desperte e mude de comportamento.

Angop –  Qual foi o maior ganho no âmbito dos direitos humanos ao longo deste período?

ABB –   O maior ganho é a melhoria que se regista no grau de conhecimento das populações no cumprimento e respeito dos direitos humanos. Mais do que nunca, os direitos humanos estão a ganhar terreno. Há, de facto, um despertar muito forte no seio da população, pois actualmente todo o mundo fala dos direitos humanos, facto que me leva a sentir-me orgulhoso. Hoje, os direitos humanos estão a ser falados por toda a gente, sem vergonha nem medo, sem receio, facto que constitui um ganho muito importante, tendo em conta que as pessoas estão a tomar consciência do que são os seus direitos e já estão a exigi-los. O tratamento que esta questão está a ganhar no país, incluindo a apresentação dos relatórios em Genebra, faz pelo menos com que Angola ocupe um lugar importante e seja reconhecida como um povo que faz esforços no cumprimento das obrigações dos direitos humanos. Hoje em dia, os direitos humanos dos cidadãos estão a receber um tratamento adequado, na medida em que o Executivo está a pôr à disposição dos cidadãos todos os seus direitos.                 

Angop –  A que convenções existentes sobre os direitos humanos Angola ainda não aderiu?

ABB –  Nós, como Nação, somos livres de aderir à convenção que achamos conveniente para os interesses do país. Angola aderiu a vários tratados internacionais, com destaque para a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção dos Portadores de Deficiência, a Convenção sobre o Combate ao Tráfico de Seres Humanos e Crimes Transfronteiriços, entre outras. Contudo, os direitos humanos são evolutivos e o país avança à medida que as necessidades obrigam, podendo ou não aderir a uma certa convenção.

Jornal de Angola – foto Mota Ambrósio

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