Adérito
Caldeira – Verdade (mz), em Tema de Fundo
Quando
os primeiros exploradores chegaram a África, há cerca de seis séculos, traziam
missangas e espelhos para trocar por ouro, marfim e outras riquezas naturais, e
foram ajudados por alguns africanos a delapidar o “Berço da Humanidade”. Hoje
os exploradores chamam-se investidores e continuam a vir buscar as nossas
riquezas naturais, trazem dinheiro, prometem casas e outros bens materiais e
continuam a ser ajudados pelos nossos conterrâneos, só que hoje esses africanos
são membros do Governo, eleitos para servir o povo e fazer cumprir as leis do
Estado. A julgar pelas reuniões, que deveriam ter sido consultas públicas, que
se realizaram nas aldeias de Senga, Maganja e Quitupo, a História vai
repetir-se em Moçambique.
“A
reunião de Quitupo foi aquilo que eu chamo a exibição da maldição do dinheiro,
combinada com uma clara manipulação e instrumentalização das pessoas da aldeia”
relatou ao @Verdade, em entrevista telefónica, Alda Salomão, directora da
organização não-governamental Centro Terra Viva, que sustenta a sua afirmação
com a união e coesão que se recorda de existir, em 2013 e 2014, nesta aldeia
localizada na península de Afungi, no distrito de Palma, e que será obrigada a
mudar-se para outra região para permitir a implantação do projecto de produção de
gás natural liquefeito (GNL).
“O
discurso que tem sido passado para as aldeias, e sobretudo para Quitupo, é o
discurso sobre o dinheiro e os benefícios que as pessoas vão receber por causa
do projecto. As questões de fundo que precisam de ser percebidas e abordadas
são secundarizadas ou de forma superficial porque toda gente sabe que o
dinheiro é um forte atractivo para qualquer pessoa, em que qualquer lugar do
mundo”, lamenta a jurista que nos revelou que a consulta pública desta
quinta-feira (20) começou mal.
“O
primeiro incidente foi quando o presidente do comité comunitário da aldeia
pediu a palavra, um ponto de ordem, e o administrador proibiu. Mais de metade
dos membros do comité retirou-se da reunião”, que só prosseguiu após os
representantes legitimamente eleitos pelos aldeões de Quitupo terem tido a
garantia de que iriam poder apresentar as suas questões.
As
questões de fundo são: o Governo de Moçambique, mesmo sabendo que a península
de Afungi estava ocupada por cidadãos moçambicanos, atribuiu o Direito de Uso e
Aproveitamento da Terra (DUAT) à Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, E.P.
(ENH) sem antes extinguir os direitos dos ocupantes actuais; para extinguir o
DUAT dos milhares de residentes nessa região o Governo pode declarar que este o
projecto de GNL é de “interesse público” ou de “utilidade pública”, mas ainda
não o fez e entretanto está a realizar o processo de reassentamento; pior, os
investidores decidiram que valor da compensação pretendem dar antes de
apresentarem o censo daquilo que são os direitos de cada um dos afectados e nem
mesmo negociar com as comunidades os valores que pretendem pagar pela terra,
árvores e outros direitos desses cidadãos; o DUAT atribuído cobre uma área de
sete mil hectares sem contudo existir ainda a delimitação das infra-estruturas
que vão ser construídas e que mostrem existir necessidade de se ocupar toda
aquela terra.
Aldeia
dividida
Ignorando
as dúvidas da comunidade de Quitupo, seguiram-se duas horas de propaganda da
empresa Anardarko sobre as casas muito melhores que serão construídas, e da
vila que vai ser erguida transformando a pequena aldeia numa cidade, destacando
os valores monetários que serão pagos.
A
directora do Centro Terra Viva, organização que está a prestar assessoria
jurídica às comunidades que serão afectadas por este megaprojecto que vai
tornar Moçambique num dos maiores produtores mundiais de gás natural liquefeito,
referiu que quando foi aberto espaço para intervenções notou-se então que a
aldeia está dividida: de uma lado estão as pessoas adultas e mais idosas, que
não são contra o projecto de GNL mas primeiro querem perceber bem o processo e
os seus direitos, e do outro os mais jovens (que de alguma maneira já estão a
prestar serviços à Anadarko) que querem receber rapidamente as novas casas e o
dinheiro e acham que a intervenção do Centro Terra Viva está atrasar as
benesses.
“Isto
para mim é sinal de que nós estamos a criar todos os ingredientes para grandes
conflitos no futuro, porque em relação aos jovens, que muito legitimamente
estão preocupados com as compensações, com as casas, estão preocupados em dar
seguimento à sua vida, o facto de terem sido convencidos a não se preocuparem
com os seus direitos hoje certamente vai ser motivo para eles amanhã serem os
protagonistas de situações de conflito e confrontação com a empresa e o
Governo. Porque mais tarde hão-de se aperceber de que afinal poderiam ter
negociado compensações melhores se tivessem tido a paciência de esperar e de
insistir para que os seus direitos fossem protegidos agora”, explicou Alda
Salomão.
Pior
mesmo foi término abrupto da consulta pública numa altura em que se preparava
para intervir a directora do Centro Terra, que nos clarificou que a necessidade
de tomar a palavra deveu-se à menção no encontro de várias questões
relacionadas directamente com a organização. O administrador do distrito de
Palma, Pedro Romão Jemusse, simplesmente deu por terminado o encontro; porém “a
população levantou-se toda, aos gritos dirigindo-se à mesa que saiu em
debandada”, referiu a nossa fonte.
O
representante do Governo central, Arlindo Dgege, que é director do Ordenamento
Territorial e Reassentamentos, embora tenha reconhecido que existem
irregularidades neste processo de implantação da fábrica de GNL, não detalhou
que anomalias são que o Executivo assume e, principalmente, que medidas é que
estão/vão ser tomadas para a sua solução.
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