Ana
Paula Tavares – Rede Angola, opinião
Pelos
teus olhos, minha Mãe
Vejo oceanos de dor
Claridades de sol-posto, paisagens
Roxas paisagens
Dramas de Cam e Jafé…
Mas vejo (Oh! se vejo!…)
mas vejo também que a luz roubada aos teus
[olhos,
ora esplende
demoniacamente
tentadora – como a Certeza…
cintilantemente firme – como a Esperança…
em nós outros, teus filhos,
gerando, formando, anunciando –
o
dia da humanidade
O
DIA DA HUMANIDADE!…
Viriato
da Cruz
Sete noites e todos os dias dobram as pontas da vida e caminham até ao fim das terras, no vale de sombras, no leito seco dos rios, na dobra mais escura da duna, porque sabem que é dos filhos o campo a preparar e para eles o lavram até ao último grão. O vento desorienta-lhes os propósitos mas não as engana: dobram o lenço com mais força e caminham no sentido das fontes, pelos caminhos de pé posto e pelo mato. Não se deixam confundir com as palavras mãe áfrica, mãe terra, mãe suprema, elo e garante da linhagem, mãe do povo, silêncio, sacrifício e serviço. Passaram aos filhos o futuro e não gostam que não seja de luz e esperança essa utopia nova que anda a tentar nascer.
Se
têm medo é um medo antigo absoluto que com elas caminha e atravessou mares só
para descobrir o barulho de todas as fontes no sítio onde mergulham os rios.
Sabem que o medo é como o fogo que é preciso manter aceso e permanente debaixo
da panela onde cresce a comida e soprar para que os gritos se ouçam na aldeia
vizinha, no outro lado da paliçada, para lá do muro agora e para sempre no eco
de si próprio, na repetição de si mesmo: aiué mamaué… E mal lhes sobra tempo
para cortar as “flores do mal”, mas querem tomar a palavra de uma vez por todas
para falar de tudo o que fizemos com os jardins antigos e daquilo que veem
mesmo à luz velada do cacimbo ou das noites de promessas por cumprir.
Elas
estão atentas e perguntam em voz alta por onde andam os filhos. Estendem as
vozes pelas ruas da cidade para dizer que tão boa terra só pode ser de todos:
os que estão e aqueles que hão-de chegar. Saem de suas casas para inscrever o
rosto na luz do dia e na história de uma terra onde as vozes das mães sempre
suportaram os filhos: quando partiam no ventre escuro dos navios, quando se
dobravam à chibata do capataz ou se perdiam nas malhas do contrato. Querem que
seja permitido o som de todas as vozes porque a construção da nação se faz,
como no jogo das pedras, com segredos diferentes que podem ser juntos na
palavra e no diálogo. Dá que pensar que podiam estar escondidas nos panos da
tradição, mas preferem dar a cara com todas as escarificações e os outros
sinais que as ligam aos grupos, às falas e à esperança de um chão amaciado para
toda a humanidade. Ouvem falar dos sítios da guerra e de milhares de pessoas em
trânsito em busca de abrigo e temem. Onde começará o esquecimento,
perguntam-se, e não conseguem resposta no dia nublado e têm medo de que a vida
se rasgue de novo para revelar nomes e nomes de desaparecidos, gente perdida,
filhos sem mães e mães sem filhos.
Escutem,
o chão é agora um chão que pode apaziguar-se e abrir girassóis de dia e de
noite. As flores do imbondeiro podem tornar-se mais lentas e ficar entontecidas
de alegria e perfume para que toda a gente as veja e aproveite a cor e a
encantação. São assim as mães, com os seus rostos cobertos de sombras e os pés
cansados de longas caminhadas em busca da água, comida e serviço. Carregam os
filhos às costas toda a vida porque nenhuma delas está disposta a terminar os
trabalhos de mãe e deixar as coisas por falar. Deixem assim / então que elas
passem e digam da sua dor em várias línguas.
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