segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Angola. CRISE NOSSA DE CADA DIA



Luísa Rogério – Rede Angola, opinião

O fim do ano passado trouxe a prenda envenenada. O mal digerido aumento dos preços do combustível acompanhou a desvalorização do barril de petróleo no mercado internacional. No fim de Janeiro a economia já estava estremecida. Os custos dos bens de consumo dispararam. De repente, as reservas cambiais foram abaladas por um “tsunami” que pouca gente entendeu. A necessidade de viajar, transferir dinheiro para o exterior ou ser portador de um cartão electrónico com dividas ampliou o leque de motivos para dores de cabeça. A cotação do dólar no mercado paralelo pode ser indiferente para a maioria da população angolana, mas quase todos sentem a situação nos próprios bolsos. As estruturas do pobre país africano totalmente dependente da extinguível riqueza do petróleo estão a ser fortemente testadas. A escassez compõe os contornos da crise.

No início do ano já se falava dela. Poucos, porém, anteviram a extensão do problema, apesar das previsões menos optimistas. Os indicadores eram aquelas, mas teimávamos em desenhar uma crise económico-social passageira e, quiçá, esboçar balanços optimistas depois da tempestade. Até ao fim do ano podem acontecer milagres consubstanciados na subida drástica dos preços do petróleo. A fórmula mágica que atende pelo nome de diversificação da economia, além de ter sido tardiamente descoberta, precisa de tempo para dar frutos. Resta aos estrategas da política económica e entendidos de sistemas financeiros e afins ficarem atentos às bolsas e mercados.

A vida prossegue enquanto a recessão económica faz morada entre nós. De acordo com dados dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o Índice Nacional de Preços no Consumidor a inflação no país cresceu 1,14 por cento só no mês passado. Há outros indicadores preocupantes. A falta de pagamento da dívida angolana para com Cuba, avaliada em 300 milhões de dólares, engrossa a lista. Notícias em torno de uma provável retirada massiva de técnicos cubanos a partir deste mês aumentam o rol de evidências da crise que, no que toca a cooperação com Cuba está a abalar particularmente as áreas da saúde e educação.

Os estudiosos têm um prato cheio. O tema do momento inspira dissertações. Saiu da academia e das agendas dos meios de comunicação social para a mesa do cidadão comum que, dia após dia, vai aprendendo a descodificar termos geralmente conotados com abordagens científicas. É a prática a afirmar-se, de forma implacável, como critério valorizador da verdade. Compreendemos a definição de crise quando sentimos as diferenças sucessivamente marcadas nas tabelas. Sobe o preço do pão e alimentos no geral, do arroz, da universidade e do colégio dos filhos. A saúde encarece. A necessidade de diversificação da economia impôs-se de tal maneira que alguns hospitais passaram a cobrar preços “salgados” para o estacionamento que antes era gratuito.

Sabemos que estamos diante de uma crise quando alguns produtos começam a escassear nas prateleiras das lojas porque os dólares custam, no mercado paralelo, o dobro do que valiam no início do ano. Num país que importa quase tudo o resultado de qualquer cálculo, incluindo os empíricos, demonstra que o poder de compra diminuiu dolorosamente. Em muitos casos caiu para a metade. Ou seja, o mesmo salário do início do ano já não serve para comprar as cestas de antes. O que implica andar permanentemente com bloco na mão e lápis afiado para refazer orçamentos.

Não é preciso fazer muitas contas para concluir que em Angola, país caracterizado pela inexistência de uma classe média expressiva, a crise veio aumentar o fosso entre os ricos no topo da pirâmide e os pobres na base. No meio ficam os remediados, muitos dos quais ostentam um estatuto de classe média não tanto pelos rendimentos directos decorrentes do trabalho, mas por ocuparem posições no aparelho de Estado ou em empresas públicas que garantem benefícios que, de outro modo, seriam extremamente onerosos. Basta ir a restaurantes e a locais de fiversão badalados para deduzir que há muita gente a fazer ginástica mental.

Vamos contornar as complicadas questões sobre reservas cambiais, transferência de capitais e a arreliante escassez de divisas nos bancos comerciais um exemplo palpável: aviões vazios em pleno verão europeu? Há apenas doze meses, nesta época do ano, o aeroporto internacional 4 de Fevereiro assemelhava-se a uma arena de combate. Nunca nos últimos tempos foi tão difícil para o comum mortal conjugar a sua vontade com poupanças para aproveitar os saldos lá no norte. Adeus sonho de consumo na Avenida da Liberdade. Muito pior do que a leitura da crise a partir da lente algo desfocada de aspirante a classe média é a realidade de quem não reúne condições para sonhar em comprar em capitais estrangeiras aquilo que o país não oferece. Há menos pão na mesa dos angolanos. Aumentaram as reclamações. A saúde anda debilitada. Fazendo a analogia com o ditado popular cada vez mais realista em tempos de crise “todos ralham e ninguém tem razão”. Está difícil!A potência em ascensão vai cedendo lugar ao titubeante gigante com pés de barro. Haja binóculos para contemplar o fim das nuvens que acompanham as tempestades. Que venha o oráculo para declarar o fim da crise nossa dos dias correntes!

Na foto. Luísa Rogério

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