É
estranho que uma época que começou como só tendo futuro tenha terminado como só
tendo passado.
Boaventura de Sousa Santos - Carta
Maior
Quando
um dia se puder caracterizar a época em que vivemos, o espanto maior será que
se viveu tudo sem antes nem depois, substituindo a causalidade pela
simultaneidade, a história pela notícia, a memória pelo silêncio, o futuro pelo
passado, o problema pela solução. Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas
às vítimas, os agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as
agressões, os ladrões foram juízes, os grandes decisores políticos puderam ter
uma qualidade moral minúscula quando comparada com a enormidade das
consequências das suas decisões. Foi uma época de excessos vividos como
carências; a velocidade foi sempre menor do que devia ser; a destruição foi
sempre justificada pela urgência em construir. O ouro foi o fundamento de tudo, mas
estava fundado numa nuvem. Todos foram empreendedores até prova em contrário,
mas a prova em contrário foi proibida pelas provas a favor. Houve inadaptados,
mas a inadaptação mal se distinguia da adaptação, tantos foram os campos de
concentração da heterodoxia dispersos pela cidade, pelos bares, pelas
discotecas, pela droga, pelo facebook.
A
opinião pública passou a ser igual à privada de quem tinha poder para a
publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser
intelectualmente igual a um sábio.
Desenvolveu-se
o modo de as embalagens inventarem os seus próprios produtos e de não haver
produtos para além delas. Por isso, as paisagens converteram-se em pacotes
turísticos e as fontes e nascentes tomaram a forma de garrafa. Mudaram os nomes
às coisas para as coisas se esquecerem do que eram. Assim, desigualdade passou
a chamar-se mérito; miséria, austeridade; hipocrisia, direitos humanos; guerra
civil descontrolada, intervenção humanitária; guerra civil mitigada,
democracia. A própria guerra passou a chamar-se paz para poder ser infinita.
Também a Guernika passou a ser apenas um quadro de Picasso para não estorvar o
futuro do eterno presente. Foi uma época que começou com uma catástrofe mas que
em breve conseguiu transformar catástrofes em entretenimento. Quando
uma catástrofe a sério sobreveio, parecia apenas uma nova série.
Todas
as épocas vivem com tensões, mas esta época passou a funcionar em permanente
desequilíbrio, quer ao nível coletivo, quer ao nível individual. As virtudes
foram cultivadas como vícios e os vícios como virtudes. O enaltecimento das
virtudes ou da qualidade moral de alguém deixou de residir em qualquer critério
de mérito próprio para passar a ser o simples reflexo do aviltamento, da
degradação ou da negação das qualidades ou virtudes de outrem. Acreditava-se
que a escuridão iluminava a luz, e não o contrário.
Operavam
três poderes em simultâneo, nenhum deles democrático: capitalismo, colonialismo
e patriarcado; servidos por vários sub-poderes, religiosos, mediáticos,
geracionais, étnico-culturais, regionais. Curiosamente, não sendo nenhum
democrático, eram o sustentáculo da democracia-realmente-existente. Eram tão
fortes que era difícil falar de qualquer deles sem incorrer na ira da censura,
na diabolização da heterodoxia, na estigmatização da diferença. O capitalismo,
que assentava nas trocas desiguais entre seres humanos supostamente iguais,
disfarçava-se tão bem de realidade que o próprio nome caiu em desuso. Os direitos dos
trabalhadores eram considerados pouco mais que pretextos para não trabalhar. O
colonialismo, que assentava na discriminação contra seres humanos que apenas
eram iguais de modo diferente, tinha de ser aceite como algo tão natural como a
preferência estética. As supostas vítimas de racismo e de xenofobia eram sempre
provocadores antes de serem vítimas. Por sua vez, o patriarcado, que assentava
na dominação das mulheres e na estigmatização das orientações não
heterossexuais, tinha de ser aceite como algo tão natural como uma preferência
moral sufragada por quase todos. Às mulheres, homossexuais e transsexuais
haveria que impor limites se elas e eles não soubessem manter-se nos seus
limites.
Nunca
as leis gerais e universais foram tão impunemente violadas e selectivamente
aplicadas, com tanto respeito aparente pela legalidade. O primado do direito
vivia em ameno convívio com o primado da ilegalidade. Era normal desconstituir
as Constituições em nome delas.
O
extremismo mais radical foi o imobilismo e a estagnação. A voracidade das
imagens e dos sons criava turbilhões estáticos. Viveram obcecados pelo tempo e
pela falta de tempo. Foi uma época que conheceu a esperança mas a certa altura
achou-a muito exigente e cansativa. Preferiu, em geral, a resignação. Os
inconformados com tal desistência tiveram de emigrar. Foram três os destinos
que tomaram: iam para fora, onde a remuneração económica da resignação era
melhor e por isso se confundia com a esperança; iam para dentro, onde a
esperança vivia nas ruas da indignação ou morria na violência doméstica, no
crime comum, na raiva silenciada das casas, das salas de espera das urgências hospitalares,
das prisões, e dos ansiolíticos e anti-depressivos; o terceiro grupo ficava
entre dentro e fora, em espera, onde a esperança e a falta dela alternavam como
as luzes nos semáforos. Pareceu estar tudo à beira da explosão, mas nunca
explodiu porque foi explodindo, e quem sofria com a explosões ou estava morto,
ou era pobre, subdesenvolvido, velho, atrasado, ignorante, preguiçoso, inútil,
louco – em qualquer caso, descartável. Era a grande maioria, mas uma insidiosa
ilusão de óptica tornava-a invisível. Foi tão grande o medo da esperança que a
esperança acabou por ter medo de si própria e entregou os seus adeptos à
confusão.
Com
o tempo, o povo transformou-se no maior problema, pelo simples facto de haver
gente a mais. A grande questão passou a ser o que fazer de tanta gente que em
nada contribuía para o bem estar dos que o mereciam. A racionalidade foi tão
levada a sério que se preparou meticulosamente uma solução final para os que
menos produziam, por exemplo, os velhos. Para não violar os códigos ambientais,
sempre que não foi possível eliminá-los, foram biodegradados. O êxito desta
solução fez com que depois fosse aplicada a outras populações descartáveis,
tais como os imigrantes, jovens das periferias, toxicodependentes, etc.
A
simultaneidade dos deuses com os humanos foi uma das conquistas mais fáceis da
época. Para tal bastou comercializá-los e vendê-los nos três mercados
celestiais existentes, o do futuro para além da morte, o da caridade, e o da
guerra. Surgiram muitas religiões, cada uma delas parecida com os defeitos
atribuídos às religiões rivais, mas todas coincidiam em serem o que mais diziam
não ser: mercado de emoções. As religiões eram mercados e os mercados eram
religiões.
É
estranho que uma época que começou como só tendo futuro (todas as
catástrofes e atrocidades anteriores eram a prova da possibilidade de um novo
futuro sem catástrofes nem atrocidades) tenha terminado como só tendo passado.
Quando começou a ser excessivamente doloroso pensar o futuro, o único tempo disponível
era tempo passado. Como nunca nenhum grande acontecimento histórico foi
previsto, também esta época terminou de modo que colheu todos de surpresa.
Apesar de ser geralmente aceite que o bem comum não podia deixar de assentar no
luxuoso bem estar de poucos e no miserável mal-estar das grandes maiorias,
havia quem não estivesse de acordo com tal normalidade e se rebelasse. Os
inconformados dividiam-se em três estratégias: tentar melhorar o que havia,
tentar romper com o que havia, tentar não depender do que havia. Visto hoje, a
tanta distância, era obvio que as três estratégias deviam ser utilizadas
articuladamente, ao modo da divisão de tarefas em qualquer trabalho complexo,
uma espécie de divisão do trabalho do inconformismo e da rebeldia. Mas, na época,
tal não foi possível, porque os rebeldes não viam que, sendo produto da
sociedade contra a qual lutavam, teriam de começar por se rebelar contra si
próprios, transformando-se eles próprios antes de quererem transformar a
sociedade. A sua cegueira fazia-os dividir-se a respeito do que os deveria unir
e unir-se a respeito do que os devia dividir. Por isso, aconteceu o que
aconteceu. O quão terrível foi está bem inscrito no modo como vamos tentando
curar as feridas da carne e do espirito ao mesmo tempo que reinventamos uma e
outro.
Porque
teimamos, depois de tudo? Porque estamos a reaprender a alimentar-nos da erva
daninha que a época passada mais radicalmente tentou erradicar, recorrendo para
isso aos mais potentes e destrutivos herbicidas mentais – a utopia.
1 comentário:
Bancos lucram bilhões mas demitem graças ás tecnologias celular internet etc enquanto a indústria despenca-pois átrás de 01 10 100-1.000.000-trabalhadores autonomos profissionais liberais etc tem ás vezes ÚM ÚNICO EMPREENDEDOR etc então enfâse nos MICROS MINIS MACROS EMPREENDEDORISMOS isto é antes dos milhões de empregos tem que ter empreendedor
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pois para eliminar ou diminuir o tal DESEMPREGO INFLAÇÃO HIPER INFLAÇÃO etc nunca jamais foi implodindo o SETOR PÚBLICO com SERVIDORES AJUDAS PROGRAMAS SOCIA IS e ou com JUROS TAXAS BANCÁRIAS acima de=300%=900%=enquanto a inflação anual é menos de=09%=isto é pura AGIOTAGEM OFICIAL
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pois pegam do BNDES TESOURO NACIONAL IMPOSTOMETROS BANCO CENTRAL DO BRASIL BANCO DO BRASIL CEF etc á juros quase zero ao ano para pagar mas por mil anos e emprestam aos outros mais de 99,999% da população brasileira por mais de=300%=900%=ao ano assim é facil para se tornar bilionário do dia para a noite mas isto é só acessí vel mas só para menos de 00,001% da população brasileira os tais amigos do rei do poder
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pois isto já tentaram de=1964á1994=JUROS=ESTRATOSFÉRICOS=para eliminar com a INFLAÇÃO DESEMPREGO etc áliás só aumentou mais ainda o DESEMPREGO e até chegar mos á HIPERINFLAÇÃO de 50%mensalmente e hoje estamos dando mas os mesmos remédios mas só para ENRIQUCER mais ainda os BANQUEIROS os ESPECULADORES FINAN CEIROS
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aonde vai fazendo do outro lado com que se tornem MINDINGOS todos os micros minis macros EMPREENDEDORES os quais PRODUZEM FABRICAM DÃO EMPREGOS, álias u ma vez EMPREENDEDOR sempre EMPREENDEDOR isto é geralmente o EMPREENDEDOR por vontade própria nunca jamais se aposenta pois sempre se preocupam com a vida dos que estão na sua total dependencia, os seus dezenas milhares milhões de colaboradores
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