Nota:
quando este texto foi escrito, ainda não era do conhecimento público o que se
teria passado na Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, pelas razões abaixo
evocadas. O que se sabe é que, apesar de manifestações e apelos contrários o
indigitado Primeiro-ministro já terá nomeado alguns membros do seu gabinete!
Há
umas semanas que o país de Amílcar Cabral está em crise político-governativa –
diga-se, nada que não seja habitual, só que, desta, vez interpares – devido a
duas supostas desconvergência: de um lado o Presidente da República (PR) José
Mário Vaz, vulgo Jomav (do PAIGC), não se entendia com a governação do seu
Primeiro-ministro (PM), Domingos Simões Pereira (do PAIGC); outra razão,
esta evocada pelo PR, o de haver um mútuo conflito de personalidades ou
incompatibilidades de personalidades.
Bom,
que se entenda haver divergências quanto à governação, é perfeitamente natural
em regimes semi-presidencialistas, principalmente se forem de convicções
políticas diferentes – o que, diga-se, não era o caso, já que ambos vêm do
mesmo parido, o PAIGC – ou devido a personalidades diferenciadas.
Mas
eventuais conflitos pessoais ou incompatibilidades de personalidades por razões
de desencontros de caracter serem fundamentos para destituir um Governo que,
tudo parecia indicar e a comunidade internacional o atestava, andava a
conseguir apresentar uma governação sustentável e credível, parece não dar como
certas, de jeito algum, as justificações presidenciais.
Como
fica a imagem do PR e, por extensão da Guiné-Bissau?
Uma
das razões evocadas pelo PR passa por perguntar por fundos que teriam sido
colocados à disposição do PM e que, segundo aquele, este teria dado caminho
desconhecido; o que parece ser desmentido quer pelos parceiros internacionais
que colocaram esses fundos à disposição do Governo, como pela CEDEAO ou pelas
palavras do alto-representante do Secretário-geral da ONU, senhor Ramos-Horta.
Também
o Chefe de Estado anda há uns tempos, a ser questionado quanto ao destino de
uma certa quantia colocada à sua disposição por Angola para restruturação das
Forças Armadas da Guiné-Bissau…
Registe-se
que enquanto os dois actores principais desta tragicomédia Bissau-guineense
discutiam razões e contra-razões para a demissão governamental e o PR analisava
com os seus conselheiros de Estado essas mesmas causas, o Chefe de Estado
decide suspender a reunião evocando que “teria sido chamado”(?!) pelos
presidentes do Senegal e da República da Guiné (Conakri), a Dakar, para uma
reunião urgente.
Um
Chefe de Estado de um país independente suspender uma reunião de Estado para se
humilhar a mandos de presidentes de países vizinhos? Desde quando? E como fica
Guiné-Bissau perante tal situação? Subserviência?
Perante
isto, como fica a imagem do PR e, por extensão da Guiné-Bissau?
E
ainda por cima perante dois países que já tinham dado mostras de quererem
mandar no país de Cabral, Nino ou Mané sem resultado e que, em determinada
crise político-militar foram vergonhosamente derrotados pelas forças militares
da Guiné-Bissau? Vingança guinéu-senegalesa esperada e que se oferece fria,
gélida?
Se
não foi, como se explica que quase logo após o regresso da reunião acabou mesmo
por sair a demissão do Governo de Simões Pereira?
E
porque de “ses” e de “talvezes” – e muito menos de makas – a vida política não
sobrevive, acresce a estes factos o que constar que também Marrocos – ao mais
alto nível – poderá estar interessado na manutenção da queda do legitimado,
pelo voto parlamentar e popular, Governo de Simões Pereira.
Estranho,
talvez não quando se sabe que o indigitado novo PM – por iniciativa
presidencial, que, segundo dizem os Bissau-guineenses não está prevista nem
equacionada na sua Constituição – tenha dado ordens de pagar os vencimentos de
Agosto dos funcionários públicos, que será cerca de 3,5 mil milhões de Francos
CFA e só haver em tesouraria cerca de 2 mil milhões de FCFA.
Espantoso?
Talvez! A não ser que dos cofres de uma certa casa real do Maghreb emerjam
esses fundos complementares…
Como
fica a imagem do PR e, por extensão da Guiné-Bissau?
Como
deseja o Chefe de Estado da Guiné-Bissau fazer legitimar o seu novo PM no
Parlamento quando todas as forças políticas com assento parlamentar já disseram
não acolher a demissão do Governo considerado legítimo e a nomeação de um
Governo cuja proveniência, apesar de atestada pelo PR, é, no mínimo, um pouco
dúbia?
Não
devemos esquecer que o indigitado novo Chefe de Governo, Baciro Djá, era
até há pouco tempo 3º vice-presidente do PAIGC e enquanto membro do Parlamento
viu várias das suas propostas serem todas, ou a grande maioria, rejeitadas.
Ora
como poderá o indigitado PM poder fazer passar na Assembleia Nacional o seu
Governo? Será que haverá pressões externas para que isso aconteça? Só assim se
justifica que a Rádio Nacional da Guiné-Bissau, contrariando o habitual, tenha
decidido extemporaneamente e por ordens superiores, não transmitir as sessões
parlamentares onde o novo Governo e o seu programa se iriam colocar a votação.
Porque
o PR não ouve os seus concidadãos que o votaram para Presidente, à segunda
volta, nem os partidos políticos, com ou sem assento parlamentar – pelo menos à
vista de todos –, que continuam a apoiar o destituído Governo de Simões Pereira?
E
porque só os países francófonos apoiam as medidas, que parecem pouco
constitucionais, de José Mário Vaz? Até a claramente insuspeita Nigéria –
sempre pronta para decidir das “atitudes” dos Estados da CEDEAO – já afirmou
que está desiludida com as medidas do Chefe de Estado. Será porque Simões
Pereira – não esquecer que foi secretário-geral da CPLP – não parece inclinado
para manter o predomínio do francês no País?
E
onde anda essa mesma CPLP? Até agora só Timor-Leste, bem como a comunidade
internacional, decidiu suspender as ajudas e cooperação com a Guiné-Bissau. Do
resto, alguém ouviu alguma coisa? Nem Angola, que deveria ser a primeira a
questionar certos factos se manifesta – o tal fundo que, eventualmente,
teríamos concedido a Bissau, sempre existiu? A quem foi entregue e porque nos
mantemos mudos?
À
primeira vista, e apesar dos militares persistirem em se manter afastados desta
contenda política – ainda que um dos seus, o almirantado Zamora Induta, dizem ,
estar sob vigilância domiciliária e de passaporte cassado o que lhe impede de
prosseguir os seus estudos académicos em Portugal – tudo faz parecer que, em
certos círculos diplomáticos se deseja que a Guiné-Bissau volte a ser
considerado – como já o foi e não se deve esquecer – um Narco-estado ou, em
alternativa, um Estado falhado!
Ora
isso só interessa a quem? Não é, de certeza, ao Povo Bissau-guineense nem à sua
classe política.
Daí
que se volte a perguntar como ficam a imagem do Chefe de Estado e, por extensão
da Guiné-Bissau? Recordemos que, por muito menos, a cassação do mandato
presidencial foi decretado a um certo Presidente de uma República Lusófona –
ainda que não seja de descarta o mesmo à sua actual Presidente…
*Investigador
do CEI-IUL e do CINAMIL
24.Ago.2015
- elcalmeida@gmail.com
Publicado
no semanário Novo
Jornal, edição 395, de 28.Agosto.2015, 1º caderno, página 18
**Eugénio
Costa Almeida* – Pululu -
Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e
Doutorado em
Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele
poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a
actividade académica, social e associativa.
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