Francisca
Vaz, uma das primeiras deputadas do multipartidarismo, aponta dois problemas
fundamentais aos 42 anos de independência da Guiné-Bissau: a Justiça nunca funcionou
e a Constituição é dúbia quanto à divisão de poderes.
"Zinha
Vaz" cedo se desencantou com o Partido Africano da Independência da Guiné
e Cabo Verde (PAIGC) ao ter que assistir a fuzilamentos de supostos traidores
do regime, condenados à morte sem julgamento.
Hoje,
diz que a desilusão foi dura para a jovem de 17 anos que tinha trabalhado na
clandestinidade para divulgar a ação anticolonial do PAIGC, ao lado do icónico
músico guineense José Carlos Schwarz.
"O
pós-independência chocou-me. Era diretora do Ensino Básico em Bolama e era
obrigada a assistir a alguns fuzilamentos", tal como as crianças.
"Eu
pensei: não posso aceitar isto. Não foi esta a independência que queríamos. E
virei", conta.
Deixou
o PAIGC e em 1992 juntou-se ao Movimento Bafatá -- Resistência Guiné-Bissau
(RGB). Mais tarde havia de fundar a União Patriótica Guineense (UPG), com
esperança numa "Guiné melhor", que ainda hoje mantém porque há
"novos quadros" promissores na política.
Igualmente
com uma vida política pontuada por desilusões, mas sempre do lado do PAIGC,
Delfim da Silva é menos entusiasta.
"Não
posso entusiasmar-me tanto. Pela experiência que tenho, é proibido para
mim", sublinha, ao assumir estar "um bocado desencantado" com o
rumo do país.
"Quando
se ouve os políticos discutirem não há muitas razões para ser otimista. Ainda
falta muita coisa" e o multipartidarismo, a partir de 1994, "não
trouxe uma melhoria do discurso político".
Por
outro lado, quantos mais partidos (mais de 40 forças registadas), menor a
representatividade parlamentar -- hoje, dos 102 parlamentares, apenas quatro
não são dos dois principais partidos, PAIGC, no poder, e PRS, realça,
concluindo que "há um condomínio de dois partidos apenas".
"Partiu-se
do princípio que, criando um espaço de participação, criavam-se condições de
reconciliação e de paz. Infelizmente isso não sucedeu. É uma pena",
lamenta.
A
partir de 1994, é com a democracia " que surgem os maiores problemas,
maiores instabilidades, incluindo a guerra civil" entre 1998 e 1999, o que
leva Delfim da Silva a concluir que, "deste ponto de vista, a democracia
foi um fracasso na Guiné-Bissau".
Para
Francisca Vaz, "o que correu mal foi a Justiça. Até hoje". "Têm
que se julgar os delitos e não só os delitos de sangue: há delitos económicos
muito graves neste país", refere.
Aponta
o caso das empresas estatais do pós-independência, que "foram todas à
falência" mas "ninguém se perguntou porquê".
"Há
muitos porquês. É preciso responsabilizar. Que sejamos todos responsabilizados.
Mas não fiquemos na dúvida", sublinha.
"Para
mim, há que haver grandes esclarecimentos ou vamos continuar com feridas
abertas, com boatos. Há indivíduos que ainda hoje se reclamam no direito de
fazer isto e aquilo porque o pai foi fuzilado, mas será que sabem quantas
pessoas o pai fuzilou?", questiona.
A
receita para a reconciliação inclui um ingrediente importante: "coragem
para se falar".
Atualmente,
há outro "grande problema: a Constituição é muito dúbia". "Se me
perguntar qual é o regime da Guiné-Bissau, não sei se é semipresidencialista
nem presidencialista".
Uma
Constituição aberta a interpretações e a rumores -- que já levaram mais uma vez
a uma crise política com a demissão do primeiro-ministro a 12 de agosto e
nomeação de Baciro Djá para o cargo, mas que já foi considerada inconstitucional
pelo Supremo Tribunal guineense.
No
plano económico "a situação é grave", acrescenta Delfim da Silva, uma
vez que "nem o Estado, nem o setor privado são motores de
desenvolvimento", ou seja, falta colocar no terreno uma estratégia
"com tração" para impulsionar o país.
"Há
70 anos havia maior diversificação: nos anos 40, exportava-se mancarra
[amendoim], óleo de palma, arroz" e mais tarde "introduziu-se a
castanha de caju para haver diversificação".
Hoje,
o cenário deixa pouca margem de manobra, com a Guiné-Bissau dominada "por
uma monocultura", da castanha de caju, e uma economia que funciona apenas
em termos de quantidade.
"Temos
um setor privado de armazéns, em vez de fábricas" que possam dar valor
acrescentado aos produtos da terra, indica.
Com
este cenário, "o Estado tem que se reformar para ser de facto fator de
desenvolvimento", defende.
Lusa,
em Notícias ao Minuto
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