quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Angola. O PRESIDENTE NO SEU LABIRINTO



Reginaldo Silva – Rede Angola, opinião

De todos os protagonistas quantos passaram pelo mês de Agosto, que acaba de nos deixar, nascendo nele ou morrendo com ele, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos (JES), é, obviamente, a maior referência política, por tudo quanto já é consabido e por tudo mais quanto ainda não sabemos muito bem como é que se vai passar em relação ao seu futuro.

O que sabemos é que o futuro deste país continua a passar pela sua incontornável figura, numa altura em que todos aguardam que ele diga mais alguma coisa.

Também sabemos que ainda ninguém sabe como é que ele quer fazer a transição, depois de pela primeira vez, neste ano do seu 73º aniversário natalício, ter admitido esta possibilidade com alguma objectividade, bem diferente do laconismo e do tom ambíguo a que já nos habituou, sempre que o assunto vem a baila.

Antes desta ocasião, a primeira vez que JES falou do “tabú” foi no ano de 2000 e em Cabo-Verde, se a memória não nos falha, quando ele próprio afirmou que o próximo candidato do MPLA às eleições presidenciais não se chamaria mais José Eduardo dos Santos.

Na época Jonas Savimbi, o outro protagonista do mês de Agosto, ainda estava vivo, mas pelos vistos sua carreira já estava em contagem decrescente, o que se veio a confirmar de forma trágica dois anos mais tarde.

Salvaguardando as devidas distâncias, importâncias e especificidades e contextos, quando olhamos para a trajectória de José Eduardo dos Santos, há uma referência literária que faz questão de nos assaltar na hora da reflexão sobre a sua figura, que é “O General no seu Labirinto”, título de um dos livros mais conhecidos do mundialmente famoso colombiano, que atende pelo nome de Gabriel García Marquez.

O “General no seu Labirinto” narra os últimos dias do herói latino-americano Simon Bolívar (1783-1830) depois de todas glórias militares e sucessos políticos.

É um final pouco feliz que acontece num contexto de muitas dificuldades políticas e debilidades físicas, devido a doença que consumia o General e que ele se recusava tratar com o recurso à medicina convencional.

Bolívar preferiu colocar-se nas mãos de outras sabedorias mais ancestrais, mas pelos vistos muito pouco eficazes para o libertarem da maleita pulmonar, que acabou por matá-lo de tuberculose aos 47 anos de idade.

Nesta tentativa, algo temerária, de aproximarmos duas figuras tão distanciadas pela história e pela geografia, a imagem do labirinto é aquela que mais nos convoca e que, pelos vistos, mais parece dizer respeito aos dois Generais, embora por razões diametralmente opostas.

JES na condição de Comandante em Chefe, ontem das FAPLA e hoje das FAA, também ostenta esta patente, como manda a praxe militar.

O Presidente angolano chega aos 73 anos de idade, após 34 anos de poder, com todas as medalhas ao peito que havia para ganhar em todas as frentes onde confrontou os seus inimigos figadais de ontem e adversários de hoje.

Foram combates travados quer com as armas na mão, quer com recurso às urnas eleitorais, embora em relação a estas últimas, ainda não tenha conseguido convencer em definitivo o país que não vota nele ou que se abstém, sobre a sua inquestionável superioridade democrática.

As dúvidas adensaram-se particularmente depois dele ter “evitado” as eleições presidências que deviam ter acontecido em 2009, conforme rezava o calendário oficial, que acabou por ser atirado para as urtigas do esquecimento, para dar lugar a um polémico modelo atípico que é contestado até hoje.

Como sabemos, não é tão pouca gente que pensa assim ou está convencida que em matéria de resultados eleitorais, ainda há muito por esclarecer, mesmo ficando-nos apenas pelos dados oficiais, isto é da população registada.

Ao fim de todos estes anos e para além de outros desafios conjunturais, o principal labirinto em que se encontra JES é o da sua própria sucessão.

Não pensar nisto nesta altura do campeonato só mesmo porque quem duvida desta impossibilidade não pode prová-lo.

É evidente a sua dificuldade em encontrar alguém que o vá substituir, após a sua possível reforma, mas inevitável desaparecimento físico que irá ocorrer mais tarde ou mais cedo.

Alguém que possa dar-lhe as garantias necessárias de que não iremos ver em Angola repetirem-se algumas cenas africanas que podem estar a tirar-lhe o sono e com alguma razão, por mais que queiramos acreditar que o nosso país é diferente ou é um caso único em matéria de estabilidade.

A este respeito já o escrevemos numa outra ocasião, JES após ter ganho todas as batalhas em que se envolveu, arrisca-se efectivamente a perder a última, que é a de encontrar um sucessor ideal, no contexto concreto de Angola.

Foi Barack Obama quem o disse que quando um líder acha que não tem um sucessor à altura é porque foi ele que falhou.

Nesta altura, e depois de alguma relutância, já não são poucas as vozes que começam a admitir, ainda que timidamente, a possibilidade de estar na forja uma “sucessão consanguínea”, que pode ser aquela que mais se aproxima da ideal, por razões óbvias.

JES pode estar a fazer já as suas contas de tempo de vida política útil tendo agora como paradigma o seu homólogo zimbabwano, muito mais velho que ele, embora nesta altura do campeonato as diferenças quanto aos riscos de vida já não sejam tão significativas assim para nos tranquilizar.

Contrariamente ao que aconteceu com Simon Bolívar, José Eduardo dos Santos está no labirinto mas tem a situação política interna completamente controlada e a seu favor, embora por vezes se percebam alguns sinais algo contraditórios com todo este domínio, que para já não nos merece alguma dúvida mais objectiva.

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