domingo, 13 de setembro de 2015

DIZEM QUE A GUINÉ EQUATORIAL ESTÁ NA CPLP, ALGUÉM A VIU?



Guilherme Dias – África Monitor*, opinião

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não é uma entidade que faça “manchetes” de jornais. Há um ano agarrou as atenções, com a adesão da Guiné Equatorial. Mas pouco sobrou de toda a controvérsia, que opôs os “pró” aos “anti-adesão”, estes muitas vezes munidos de argumentos puristas em relação à lusofonia e de algum desconhecimento das realidades africanas. E aquilo que a organização poderia ter ganho – em termos de visibilidade, de ímpeto, de peso – não se confirmou. 

Há que ter em conta que integrar um país numa organização leva o seu tempo. E que o tempo em África leva« ainda mais tempo. “Leve-leve” é o que dizem os são-tomenses, ali bem perto da Guiné Equatorial, a quem tem ideias de fazer as coisas rápido. E não se pode esquecer que neste caso o trabalho de integração é mais complicado do que alguma vez a CPLP teve perante si. 

Igualmente há que levar em conta que a Guiné Equatorial viveu um ano difícil. Dependente, tal como Angola, das exportações de petróleo, viu as suas receitas caírem a pique. Sendo um país mais opaco do que outros na região, pouco se sabe sobre o impacto desta quebra de receitas, como afetou a situação social e política, de que forma o governo respondeu e que eficácia tiveram as medidas aplicadas. 

É também verdade que ainda muito pouco nos chega do novo país-membro da comunidade lusófona. Se a comunicação social em Portugal dá pouca atenção a outros países que não sejam Angola e Moçambique no plano económico, difícil seria que fosse de outra forma. Mas o facto é que, um ano depois, é nulo o sentimento de pertença da Guiné Equatorial à CPLP. 

Um falado patrocínio nas camisolas do Sporting foi logo tornado controverso, e mesmo num “caso” pela intervenção da infatigável agitadora de causas avulsas Ana Gomes junto de uma qualquer entidade – e paralelamente junto de todos os jornais que queiram “comprar” mais uma bravata. Uns negócios imobiliários em Lisboa. Uma história de uma reunião a que o representante da Guiné Equatorial na CPLP faltou. 

No Brasil, mais algumas polémicas envolvendo patrocínios a escolas de samba e o “roteiro” de “lobbying” de Lula da Silva. Nos países africanos, as coisas parecem ter corrido manifestamente melhor. Saliente-se a visita a Angola em março de Teodoro Obiang, em que foi evidente a proximidade em relação ao líder angolano, José Eduardo dos Santos, um dos mais firmes apoiantes de Malabo no projeto de adesão – talvez mesmo o mais firme e decisivo. 

Já este mês, o vice-presidente Teodoro Nguema marcou presença nas cerimónias dos 40 anos da independência de São Tomé e Príncipe. Mais importante, ficou o objetivo de assinar acordos de cooperação económica que permitam estabelecer ligações aéreas e marítimas entre os dois países. 

Seria naturalmente desejável que o processo já estivesse mais adiantado. Que já houvesse uma Embaixada de Portugal e uma delegação do Aicep plenamente funcionais. Que já tivéssemos notícias de negócios de empresas portuguesas. Que já tivéssemos estudantes equato-guineenses em grande número nas universidades dos países lusófonos, preparando o ensino da língua às próximas gerações. Que já tivéssemos nos jornais e televisões dos países da CPLP o “pulso” daquilo que é a vida do país. Mesmo que ligeiramente “filtrado”, tal como aquilo que nos chega de Luanda via RTP África ou TPA. Infelizmente, estamos ainda longe disso. 

Mas é importante não perder de vista o objetivo. Há que integrar a Guiné Equatorial como membro de pleno direito da CPLP – que o é. E essa integração tem que ser sentida e vivida. Isto é algo de novo para a organização, leva tempo, tem muitos riscos e muitos adversários – não faltarão os que nos próximos dias e semanas virão qualificar de fracasso o processo de adesão. Dizer que Obiang não via nela mais do que um artifício diplomático, e que aí se esgotou. 

Para todos aqueles que, como nós, sempre viram nesta adesão um potencial de energização da CPLP – e de ajudar à abertura e à democratização de um país que mesmo em África não compara bem em termos de governação e Direitos Humanos – os poucos resultados alcançados no primeiro ano têm de ser sobretudo um apelo à mobilização. Para os que estão à frente do processo, é uma chamada para fazerem mais e melhor.

*O artigo é de 20 de Julho de 2015 em África Monitor mas nem por isso perde as características correspondentes à realidade do país amordaçado, explorado e oprimido pela ditadura Obiang. (PG)

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