Ferreira
Fernandes - Diário de Notícias, opinião
Estou
curioso sobre a não candidatura de Passos Coelho a São Bento. Sim, sei que ele
quer ser primeiro-ministro, mas não é disso que falo. Digo é que Passos não vai
disputar, não vai aparecer, não vai discutir nem oferecer-se, enfim, quase não
vai fazer campanha. A tática, ao que se diz, é do consultor político brasileiro
André Gustavo. A razão, não confessada, para a tática é que o homem não é bom
de palco (confirmando a perspicácia de Filipe La Féria, quando não o quis para
tenor). Mas o importante é que a tática é alicerçada na melhor das razões:
números. O apagamento voluntário de Passos Coelho - dizer pouco, dizer pardo -
tem-se revelado criterioso e eficaz. A coligação liderada por ele aproxima-se
pouco a pouco do PS. A sondagem hoje publicada pelo Expresso mostra que as duas
curvas concorrentes estão no limiar do beijo. E em sondagem a subir não se
mexe...
Se
a coisa continuar assim será empolgante. Vamos ter, com Passos, uma candidatura
do tipo não-Agir! No Agir, a líder expõe-se toda, nua. Já Pedro Passos Coelho
vai esconder-se. Não é só não dar o corpo ao manifesto na capa da revista de
Cristina Ferreira, é não ir conversar com os Gato Fedorento, é boicotar a
entrevista coletiva de líderes na tevê... E talvez também recusar a ser
entrevistado pela RTP e pela SIC. Com Passos, vai ser uma campanha como o
futebol no defeso. Em julho, os futebolistas conhecidos desaparecem na praia e
os nomes mais arrevesados são manchete na Bola e no Record:
"Markevici certo na Luz!" Agora, neste setembro de campanha eleitoral,
o DN, o Público e o JN vão ter de publicar entrevistas com o n.º 5 da
lista da coligação por Bragança: "Zeca dos Pneus discorda de Mario Draghi
sobre as Outright Monetary Transactions!" Entretanto, o líder
resguarda-se.
Atenção,
com isto não quero dizer que Pedro Passos Coelho vá desaparecer de todo. O
problema, aliás, está aí. A coisa está feita para ele aparecer. Mesmo. Na noite
de 4 de outubro. Primeiro-ministro. O André Gustavo é o Alfred Hitchcock dos
marqueteiros, o mestre do suspense nas urnas. Durante a campanha, ele apaga
Passos Coelho. Nada de frases empolgantes, nada de ideias bombásticas, nada de
entusiasmar o povo. Só low-profile, como dizem os falsos tímidos. O
pressuposto do brasileiro é que um mês seja o suficiente para esquecermos tudo
o que Passos Coelho fez aos portugueses nos últimos quatro anos.
Assim,
na noite eleitoral, quando na emoção das 20H00 os efeitos especiais televisivos
mostrarem a cor vencedora - o laranja sobre o rosa -, os pivôs anunciarem
"Passos Coelho é primeiro-ministro" e as imagens focarem a sede de
campanha da coligação, onde aparecerá um senhor de ar grave e modesto, a ideia,
para esse momento, é que os portugueses exclamem, perplexos: "Mas quem é
esse tal Passos Coelho?!" Que fiquem descansados, vão ter mais quatro anos
para voltar a saber.
Esse,
portanto, o objetivo. Mas o que me empolga, como lepidopterólogo amador,
estudioso das borboletas em geral e dos portugueses em particular, com a sua
interessante tendência em se queimarem as asas, o que me entusiasma vão ser
estes dias mornos de pré-campanha e de campanha a preparar a já referida grand
finale. Como vamos viver o rapto, não anunciado, mas eclipse, de um dos
putativos candidatos a governar-nos? Pois tudo será feito à semelhança da calma
búdica do protagonista. Será um rapto sem armas, nem violência, uma subtil
desaparição transitória. Um não estar, estando. Todas aquelas negas de
entrevistas, atrás referidas, pertencem já ao reportório.
As
outras ações da campanha serão também determinadas pela mesma vontade de não
ação. Assim, quando a coligação fizer arruadas, e os jotas procurarem o líder
para o transportar aos ombros, notar-se-á neles a excitação dos que procuram e
não encontram... Pudera, Passos Coelho não estará no cortejo, mas no passeio. E
quando os jovens acorrerem, ele, com a voz que nunca se altera, fará saber que
não aceita a honra. Mais tarde, no tempo de antena do Portugal à Frente,
veremos a imagem do líder a afastar-se dessas homenagens espúrias.
Também
o debate televisivo, do próximo dia 9, com António Costa, único e que se
aguarda com emoção, será marcado pelo anticlímax. A todo o momento, Passos
Coelho estará a interromper as suas próprias palavras: "Já me estou a
alongar, e viemos aqui para ouvir o dr. António Costa...", dirá ao fim de
cada duas frases. E recusará as perguntas dos entrevistadores: "Mas não,
mas não, a palavra cabe é ao dr. Costa. Faça o favor..."
Sempre
comedido, nunca elevando o tom da voz e meneando a cabeça em concordância
perpétua... Os portugueses nunca tinham visto um político assim. E,
infelizmente, eu tendo a concordar com o marqueteiro brasileiro - vão gostar.
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