Fernando
Silva
A
senhora Micas Tomette já está a fazer as pipocas, estão em fase terminal. Cá no
prédio cheira a pipocas logo ali no patamar do terceiro andar apesar da Micas
morar no quarto andar. O cheiro confunde-se com o cheiro que vem do quinto
andar, onde mora o Xico do Talho, que se chama Francisco Morte. O Xico está na
tarefa dos grelhados. É um pivete e fumaça que até dá dó pelos que lá em casa têm
de andar às cabeçadas uns aos outros como se estivessem em Londres no meio do
famoso smok, que é uma espécie de nevoeiro condensado. Toda esta descrição para
dizer que os preparativos destes petiscos cá do prédio estão quase prontos. A
ideia é ir comendo enquanto se pode e assistir por uma hora e meia ao debate
entre Passos Coelho e António Costa.
A
Mikas disse que por nada deste mundo perdia a cegada. Cegada? Sim – exclamou. E
veio logo com a descrição do que era uma cegada nos seus tempos de menina e
moça. Eram uns desgraçados que andavam pelos bairros de Lisboa a carregar uma
espécie de biombo que armavam e por detrás manipulavam robertos. Isso era mais
para as crianças. Para os adultos criavam umas palhaçadas e uns teatros
improvisados que eram uma balbúrdia mas que dava para rir muito. Algumas vezes
eram dramas e chorávamos. Era assim, pelas ruas dos bairros de Lisboa. Não havia dinheiro para teatros nem cinemas, nem para circos. Valiam-nos os saltimbancos Como
vamos ver o debate do Passos e do Costa… Ora, que se espera? Vai ser uma
cegada.
Foi
nesse momento que as pipocas ficaram prontas. Imensas. Um alguidar cheio delas. Foi
também nesse momento que o Xico do Talho, o Morte, desceu com as carnes
grelhadas a rirem-se de tão bronzeadas e dentro de uns três grandes contentores
plásticos. Eu ofereci o vinho, o licor, os refrigerantes, pudins e bolos, assim
como as batatas fritas… de pacote.
Ora
então vamos lá sentar-nos a ver a cegada. Tudo a postos.
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