Ministro
que enfrentou “Troika” afirma: ela venceu, no último domingo. A Tsipras e ao
Syriza restará enfrentar oligarquia grega. Conseguirão?
Yanis
Varoufakis, no The Guardian – Outras Palavras - Tradução Vila
Vudu
Nas
eleições gerais na Grécia, realizadas no domingo (20/09), Alexis Tsipras arrancou vitória retumbante,
diretamente das mandíbulas da humilhante rendição de julho à troika dos
credores. Desafiando partidos de oposição, pesquisas de opinião e críticos
dentro de suas próprias fileiras (inclusive esse que vos escreve), segurou-se
no governo, com uma maioria reduzida, mas ainda funcional. A questão é se
poderá combinar permanecer no governo com manter-se no poder.
Os
maiores perdedores foram partidos menores, que tentaram ocupar os polos opostos
[do debate] depois do referendo de 5 de julho. A Unidade Popular fracassou
redondamente ao não conseguir explorar o luto em que se sentiu a maioria dos
que votaram “Não”, depois que Tsipras fez meia volta e deu-lhes as costas, a
favor de um acordo que estreitou ainda mais a soberania nacional e promove
níveis já tenebrosos de austeridade. O Potami, partido que se posiciona como a
menina dos olhos dos reformistas da troika, tampouco conseguiu
arregimentar os que votaram “Sim”, em número menor. Com Tsipras absoluto
vencedor, agora firmemente no comando do programa datroika e com novos
dentes, os partidos pro-troika nada tinham a mais a oferecer.
A
grande vencedora é a própria troika. Durantes os últimos cinco anos, leis
redigidas por este grupo de credordes foram aprovadas no Parlamento grego com
maiorias estreitíssimas, o que várias vezes exigiu noites de insônia dos
autores. Agora, as leis necessárias para cumprir o terceiro “resgate” serão
aprovadas sem dificuldade, com o Syriza comprometido com a aprovação. Quase
todos os deputados de oposição (exceto os comunistas do KKE e os
nazistas da Aurora Dourada) também já embarcaram na canoa da troika.
Claro,
para chegar a esse ponto, foi preciso ferir fundo a democracia grega (1,6
milhão de gregos que votaram no referendo de julho nem se deram o
trabalho de voltar às urnas no domingo) –, mas sem grande dano aos burocratas
em Bruxelas, Frankfurt e Washington, os quais, em todo o caso veem a democracia
como uma espécie de incômodo.
Alexis
Tsipras tem agora de implementar uma consolidação fiscal e um programa de
reformas projetado para fracassar. Pequenos negócios sem liquidez, sem acesso
ao mercado de capitais, têm agora de pagar antecipadamente os impostos
pré-calculados sobre receitas projetadas para 2016. As famílias terão de pagar
acintosos novos impostos sobre a propriedade de apartamentos não habitados e
lojas inoperantes, que não conseguem sequer vender. Consideráveis aumentos nos
impostos sobre valores agregados só provocarão mais evasão desses impostos.
Semana sim, semana não, lá estará a troika a exigir políticas mais e
mais recessivas e antissociais: cortes de aposentadorias, menores benefícios para
a infância, mais despejos.
O
plano do primeiro-ministro para conter essa tempestade baseia-se em três
promessas.
1.
O acordo com a troika não terminou, há ainda espaço para negociar
detalhes importantes; 2. logo se alcançará o alívio da dívida; e 3. os
oligarcas gregos serão contidos.
Os
eleitores apoiaram Tsipras porque ele parecia o candidato mais capaz de cumprir
essas promessas. A questão é que qualquer capacidade que o primeiro-ministro
tivesse já foi severamente podada pelo acordo que ele mesmo assinou.
Quanto
à primeira promessa, o poder de negociar que resta à Grécia é mínimo, dada a
clara condição imposta pelo acordo já assinado, segundo a qual o governo grego
“… concordará [com a [troika] em todas as ações relevantes para que se alcancem
os objetivos do Memorando de Entendimento…” (Observem que a troika absolutamente
não se compromete a concordar com o governo grego!)
Quanto
à segunda promessa, o alívio da dívida sem dúvida virá, de algum modo, mas não
em doses terapêuticas. O alívio da dívida seria importante, se desse espaço
para menos arrocho (metas mais baixas para o superávit primário), para
estimular a demanda e atiçar o “instinto animal” dos investidores. Mas já está
decidido o mais feroz arrocho (naqueles absurdos superávits primários
“obrigatórios” de 3,5% do PIB a partir de 2018), que espantará todos os
investidores sensíveis.
A
terceira promessa é chave para o sucesso de Tsipras. Depois de ter aceitado
mais um empréstimo do tipo prorrogue-e-finja, que limita a capacidade do
governo para reduzir o arrocho e cuidar dos mais fracos, a última razão de ser
que resta a um governo de esquerda seria dar combate aos oligarcas. Mas a troika é
alma gêmea dos oligarcas e os oligarcas são os melhores amigos da troika.
Durante
os primeiros seis meses de 2015, quando desafiávamos o monopólio da troika sobre
os poderes políticos na Grécia, os mais aplicados defendedores-apoiadores dela
eram: a mídia, que é propriedade dos oligarcas, e os agentes políticos a
serviço dos mesmos oligarcas. Essa é a gente e esses são os interesses que
agora Tsipras adotou! Como poderá ele virar-se contra os próprios padrinhos?
Acredito que Tsipras deseje fazer isso, mas a troika já garantiu que
todas as armas que restam a ele estejam devidamente desengatilhadas e sem
munição (por exemplo, com o desmonte da agência estatal que combatia crimes
econômicos, a SDOE).
Em
2014, o primeiro-ministro conservador Antonis Samaras encontrou-se, ele também,
no mesmo impasse de ter de implementar um programa fracassado da troika.
Recorreu à estratégia de fingir fidelidade à troika ao mesmo tempo em
que a acusava de frouxidão, para evitar que o Syriza chegasse ao governo.
Será
que Tsipras será mais bem-sucedido nessa operação de fingir comprometimento com
mais um programa fracassado da troika? O prognóstico não parece muito
luminoso, mas nem por isso devemos descartar Alexis. O fracasso de Samaras
explica-se, sobretudo, pela escolta de ultradireitistas que manteve à sua volta
e pela subserviência aos oligarcas. O destino de Tsipras dependerá de se seu
novo governo permanecerá conectado às vítimas do seu acordo com a troika;
de se implementará reformas genuínas para dar aos empresários honestos alguma
confiança para investir; e de se usará a intensificação da crise para exigir de
Bruxelas concessões reais. Não será fácil. Mas, vale repetir, a vitória, por
doce que seja, não é o que mais importa. O que importa é oferecer governo
diferente.
Por
falar em diferença, o partido da oposição conservadora tentou de tudo para
projetar imagem mais suave, mais calma, durante a campanha. Infelizmente, não
conseguiram, quando a crise dos refugiados expôs seu segregacionismo aos
olhos de todos. Uma comparação entre as boas vindas com que os gregos recebemos
os milhares de migrantes sobreviventes e feridos de naufrágios durante as
semanas recentes, e os campos de concentração que o governo Samaras construiu,
explica que tantos progressistas desapontados tenham reaparecido nas urnas para
votar novamente no Syriza.
Em
raros momentos de inexplicável otimismo, gosto de imaginar que a cortesia e a
gentileza com estrangeiros em dificuldades pode ser o ponto de partida para uma
renovada campanha, do governo grego, contra essa visão distópica de Europa, que
a troika promove.
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