quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A CONSCIÊNCIA PESADA SOBRE LUATY BEIRÃO



O meu coração está com os que sofrem com a greve da fome de Luaty Beirão em Angola. Apelo ao governo angolano para que encontre uma solução sensata para o problema e salve a vida ao rapaz.

Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião

Há uma coisa, porém, que tenho muita dificuldade em fazer: dar lições de moral a quem, através do meu país, sofreu 400 anos de colonização violenta, com redução à escravatura de milhões de angolanos e delapidação desenfreada de recursos... E não, não são só coisas do passado longínquo.

Quantos dos nossos queridos pais e avós, muitos deles ainda vivos, estiveram nas colónias até há 40 anos, dedicados à "humanitária" tarefa de forçar os "pretos"das fazendas a trabalhar, mal pagos, numa exploração do homem pelo homem inaceitável, mesmo para os padrões da época?

Quantas pessoas que amamos violentaram, numa guerra colonial sangrenta, em Angola e noutras colónias, muitas populações civis de aldeias? Quantas guardam, ainda hoje, numa recordação escondida no sótão ou na arrecadação, fotografias de palhotas queimadas e cabeças de "turras" espetadas num pau? Quantos destes monstros, ao serviço do Estado do passado, são agora anjos das nossas casas?

Quantos familiares reunidos à nossa mesa no Natal trataram os angolanos como atrasados mentais, imprestáveis, numa exclusão racista que tornava inacessível o acesso dessas pessoas à educação, ao emprego, a qualquer hipótese de alcançar bem-estar material, intelectual e emocional, semeando o atraso em que essas terras ficaram depois da fuga descolonizadora?

Quantos aproveitaram a guerra civil para tráficos inconfessáveis?

Mais: de há uns anos para cá milhares de portugueses foram para Angola enriquecer ou auferir salários elevados à custa de um desenvolvimento económico que não beneficia, na mesma proporção, a generalidade da população o que, com a memória colonial, só pode aumentar o ressentimento nas ruas de Luanda contra o "branco" que desembarca de Lisboa.

Eu, cidadão português, estou disponível para tomar posição em favor da vida de Luaty Beirão. Mas, precisamente por ser cidadão português, não consigo evitar que um palavreado sobre direitos humanos vindo de mim para censurar uma ex-colónia de Portugal soe, terrível, como a pior das hipocrisias.

A desumanidade cometida por Portugal sobre Angola e outros países colonizados nunca foi redimida. Quando iremos admitir, seriamente, os nossos erros passados, não com vergonha, que os tempos e os valores eram outros, mas com a serena sabedoria de quem soube evoluir para melhor?.. Talvez só daqui a uns séculos... Poderemos, então, de consciência tranquila, dar lições paternais sobre civilização.

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