terça-feira, 6 de outubro de 2015

A TRANSIÇÃO NA LIDERANÇA DO PAIGC E A CRISE POLÍTICA QUE ABALA O PARTIDO E O PAÍS



Timóteo Saba M’bunde* – O Democrata, opinião

Quase toda a história do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) foi permeada por conflitos pelo poder e sua distribuição. O PAIGC, constituído como movimento armado independentista, em 1956, foi ao longo da luta armada uma organização caracterizada por desconfianças nas suas estruturas superiores, mas nada que comprometesse o objetivo de independência nacional. É verdade que o fato de o partido ter nesse contexto um inimigo externo claro (o sistema colonial português) a aniquilar, era mais viável a promoção e preservação de unidade e coesão. Entretanto, a habilidade de liderança política de Amílcar Lopes Cabral, associada ao seu estatuto de idealizador do projeto de emancipação nacional, foi fundamental para aglutinar a massa partidária em torno desse grande e comum objetivo, suplantando eventuais divergências entre diversas etnias e nações guineense e cabo-verdiana. Não obstante pequenos e pontuais focos de desacatos, Cabral era concebido e visto pela maioria esmagadora como referência. Um exemplar camarada de armas. Ou seja, a formação de militância e o comportamento político-partidário dos revolucionários e militantes do PAIGC tinham como a fonte de inspiração a figura de Cabral.

A nação, o povo e o partido PAIGC tendiam a se personificar em Amílcar Cabral. Lograda a independência, os saudosos ex-Presidentes do partido e do país, Luís Cabral e João Bernardo Vieira, engendraram mecanismos que lhes permitiram centralizar o poder. Este último praticamente personificou o Estado e o partido. Exceto as rivalidades entre as elites guineenses e cabo-verdianas – as quais culminaram com o golpe de 1980 – não havia recorrentes e sistemáticas contestações contra a centralização do poder por parte dos camaradas da luta. Uma das principais explicações está relacionada ao fato de os líderes terem sido combatentes de luta anticolonial, algo que legitimava a sua liderança e coordenação política do partido e Estado perante seus camaradas, mesmo havendo pequenas dissonâncias.

Historicamente, o PAIGC encontrou no personalismo, muito, mas muito mais do que na institucionalidade, o método político para dirigir o partido e principalmente para equacionar e dar soluções às crispações internas entre as alas divergentes. Foi assim na recente era do ex-Presidente Malam Bacai Sanhá. É fato que havia focos de conflitos e divergências entre este e o último líder do PAIGC que precedeu o atual, mas nada que tivesse proporções incontornáveis e que comprometesse a governabilidade, pois o saudoso Bacai Sanhá, a exemplo de seus antecessores veteranos de guerra, era camarada de luta e por isso a sua capacidade de mitigação de diferenças e construção de consensos era ampla e quase que natural.

Nos últimos anos, o PAIGC passa por um processo de transição histórica na sua liderança, o que constitui, no meu ponto de vista, ao mesmo tempo uma oportunidade para a introdução de novas formas de gestão política e partidária, e um enorme desafio de liderança no partido. Digo isso porque além desse processo de transição tender a encetar uma mudança quase radical nos métodos e filosofias tradicionais de processo decisório no partido – baseados nos simbolismos do passado da luta armada – tende-se a perder a fonte simbólica de legitimação de liderança que emana de Cassacá, de Boé, de Cufar ou de Morés, pois os novos atores e protagonistas desse processo não foram combatentes da liberdade da pátria. Antes de Simões Pereira, Carlos Gomes Jr. também experimentou dificuldades no partido e a sua passagem enquanto líder dos independentistas foi caracterizada por turbulências e clivagens internas, não conseguindo controlar muito bem as agitações políticas que sempre alternaram o PAIGC, resultando em dissidência de um significativo número de dirigentes superiores do partido.

Como já fiz menção, o PAIGC é uma agremiação política que sempre registrou lutas intestinais pelo poder. O fato é que, diferentemente da atual conjuntura, esses conflitos sempre foram mitigados por líderes cujos perfis e passado estão associados à luta armada independentista e aos simbolismos atrelados aos tempos coloniais, os quais habitam o imaginário coletivo dos militantes e dirigentes desse partido. Luís Cabral, Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá – para citar somente estes – em termos do que representam (representaram) para o partido e a Guiné-Bissau no imaginário coletivo dos paigcistas, tendem a ser sempre postos por estes acima de Domingos Simões Pereira ou de José Mário Vaz, por exemplo. A sua figura e representação simbólica e política para o partido, por razões já mencionadas, superam destes dois últimos. Entendes?

Portanto, caro leitor de O Democrata, os novos dias do PAIGC exigem dos seus dirigentes de nova geração – especialmente o líder – muito mais habilidade e flexibilidade política, no sentido de enquadrar, de alguma forma, todas as forças vivas do partido na governação do país e na administração partidária. Caso contrário, os conhecidos e tradicionais conflitos pelo poder e distribuição de cargos tendem a se exacerbar e, para piorar, tendem a ser muito mais difíceis de solucionar, pois a fonte simbólica de legitimação política e de liderança que sempre abasteceu, por exemplo, os saudosos Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá, é inexistente para a nova geração de dirigentes desse partido.

*Timóteo Saba M’bunde é Mestre em Ciência Política.

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