Timóteo
Saba M’bunde* – O Democrata, opinião
Quase
toda a história do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC) foi permeada por conflitos pelo poder e sua distribuição. O PAIGC,
constituído como movimento armado independentista, em 1956, foi ao longo da
luta armada uma organização caracterizada por desconfianças nas suas estruturas
superiores, mas nada que comprometesse o objetivo de independência nacional. É
verdade que o fato de o partido ter nesse contexto um inimigo externo claro (o
sistema colonial português) a aniquilar, era mais viável a promoção e
preservação de unidade e coesão. Entretanto, a habilidade de liderança política
de Amílcar Lopes Cabral, associada ao seu estatuto de idealizador do projeto de
emancipação nacional, foi fundamental para aglutinar a massa partidária em
torno desse grande e comum objetivo, suplantando eventuais divergências entre
diversas etnias e nações guineense e cabo-verdiana. Não obstante pequenos e
pontuais focos de desacatos, Cabral era concebido e visto pela maioria
esmagadora como referência. Um exemplar camarada de armas. Ou seja, a formação
de militância e o comportamento político-partidário dos revolucionários e
militantes do PAIGC tinham como a fonte de inspiração a figura de Cabral.
A
nação, o povo e o partido PAIGC tendiam a se personificar em Amílcar Cabral.
Lograda a independência, os saudosos ex-Presidentes do partido e do país, Luís
Cabral e João Bernardo Vieira, engendraram mecanismos que lhes permitiram
centralizar o poder. Este último praticamente personificou o Estado e o
partido. Exceto as rivalidades entre as elites guineenses e cabo-verdianas – as
quais culminaram com o golpe de 1980 – não havia recorrentes e sistemáticas
contestações contra a centralização do poder por parte dos camaradas da luta.
Uma das principais explicações está relacionada ao fato de os líderes terem
sido combatentes de luta anticolonial, algo que legitimava a sua liderança e
coordenação política do partido e Estado perante seus camaradas, mesmo havendo
pequenas dissonâncias.
Historicamente,
o PAIGC encontrou no personalismo, muito, mas muito mais do que na
institucionalidade, o método político para dirigir o partido e principalmente
para equacionar e dar soluções às crispações internas entre as alas divergentes.
Foi assim na recente era do ex-Presidente Malam Bacai Sanhá. É fato que havia
focos de conflitos e divergências entre este e o último líder do PAIGC que
precedeu o atual, mas nada que tivesse proporções incontornáveis e que
comprometesse a governabilidade, pois o saudoso Bacai Sanhá, a exemplo de seus
antecessores veteranos de guerra, era camarada de luta e por isso a sua
capacidade de mitigação de diferenças e construção de consensos era ampla e
quase que natural.
Nos
últimos anos, o PAIGC passa por um processo de transição histórica na sua
liderança, o que constitui, no meu ponto de vista, ao mesmo tempo uma
oportunidade para a introdução de novas formas de gestão política e partidária,
e um enorme desafio de liderança no partido. Digo isso porque além desse
processo de transição tender a encetar uma mudança quase radical nos métodos e
filosofias tradicionais de processo decisório no partido – baseados nos
simbolismos do passado da luta armada – tende-se a perder a fonte simbólica de
legitimação de liderança que emana de Cassacá, de Boé, de Cufar ou de Morés,
pois os novos atores e protagonistas desse processo não foram combatentes da
liberdade da pátria. Antes de Simões Pereira, Carlos Gomes Jr. também
experimentou dificuldades no partido e a sua passagem enquanto líder dos
independentistas foi caracterizada por turbulências e clivagens internas, não
conseguindo controlar muito bem as agitações políticas que sempre alternaram o
PAIGC, resultando em dissidência de um significativo número de dirigentes
superiores do partido.
Como
já fiz menção, o PAIGC é uma agremiação política que sempre registrou lutas
intestinais pelo poder. O fato é que, diferentemente da atual conjuntura, esses
conflitos sempre foram mitigados por líderes cujos perfis e passado estão
associados à luta armada independentista e aos simbolismos atrelados aos tempos
coloniais, os quais habitam o imaginário coletivo dos militantes e dirigentes
desse partido. Luís Cabral, Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá – para citar
somente estes – em termos do que representam (representaram) para o partido e a
Guiné-Bissau no imaginário coletivo dos paigcistas, tendem a ser sempre postos
por estes acima de Domingos Simões Pereira ou de José Mário Vaz, por exemplo. A
sua figura e representação simbólica e política para o partido, por razões já
mencionadas, superam destes dois últimos. Entendes?
Portanto,
caro leitor de O Democrata, os novos dias do PAIGC exigem dos seus dirigentes
de nova geração – especialmente o líder – muito mais habilidade e flexibilidade
política, no sentido de enquadrar, de alguma forma, todas as forças vivas do
partido na governação do país e na administração partidária. Caso contrário, os
conhecidos e tradicionais conflitos pelo poder e distribuição de cargos tendem
a se exacerbar e, para piorar, tendem a ser muito mais difíceis de solucionar,
pois a fonte simbólica de legitimação política e de liderança que sempre
abasteceu, por exemplo, os saudosos Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá, é
inexistente para a nova geração de dirigentes desse partido.
*Timóteo
Saba M’bunde é Mestre em Ciência Política.
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