sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Angola. A DIPLOMACIA SADO-MASO DE PORTUGAL




José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião

Numa rápida passagem por Lisboa, o jornalista Rafael Marques aceitou participar num debate no Jornal das Oito, da TVI, na passada terça-feira, que contou também com a participação de um diplomata português cujo nome não ficará na História. O referido debate, editado, ou seja, não publicado na íntegra, tem circulado nas redes sociais, por iniciativa de círculos ligados ao regime angolano, como exemplo de uma suposta “sova” que o “traidor” Rafael Marques teria levado do diplomata português cujo nome não será recordado.

Fui assistir ao debate. O que vi foi outra coisa. Na verdade, o que vi deixou-me um tanto espantado, não obstante conhecer bem a tradição de submissão da diplomacia portuguesa perante o regime angolano.

O diplomata cujo nome não ficará na História insinuou que a justiça angolana funciona melhor do que a portuguesa, comparando o caso dos jovens democratas presos, com o do antigo primeiro-ministro português, José Sócrates. O entusiasmo do diplomata português na defesa das posições do regime angolano era tal que parecia estar ali como representante desse mesmo regime. Quem escutasse o debate desconhecendo a nacionalidade e o passado do referido diplomata, que, ao que parece, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ficaria convencido que o mesmo trabalha para a Embaixada de Angola. O diplomata cujo nome não será recordado chegou ao ponto de afirmar que, cito, “as violações dos direitos do homem tratam-se no Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, não se tratam no Rossio.”

Juro! O homem disse realmente aquilo.

Gravei a conversa e voltei atrás para confirmar: “As violações dos direitos do homem tratam-se no Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, não se tratam no Rossio.”

Disse mais, a concluir: “A diplomacia não se faz com estados de alma.”

A mim parece-me que, muito pelo contrário, a diplomacia tem de ser exercida com toda a alma, em todos os seus infinitos estados. Uma diplomacia desalmada não é nem diplomacia – é pura hipocrisia. Relações assentes em pura hipocrisia nunca resistem à dura prova do tempo.

Muito mais grave é a ideia de que os cidadãos não têm o direito de protestar contra as violações dos direitos humanos, onde quer que estas ocorram. Têm o direito e têm o dever. Entre outros objectivos, tais protestos servem para despertar do seu sono letárgico aqueles políticos e diplomatas que, nos estados democráticos, deveriam estar a lutar pelos direitos humanos, em todas as instâncias apropriadas, ao invés de defenderem ditadores e ditaduras.

Nesta diplomacia da submissão, em tudo idêntica a uma relação sado-masoquista, Portugal apanha, pede desculpa e finalmente agradece.

Os resultados da diplomacia desalmada de Portugal estão à vista. Basta ler os editoriais anti-portugueses do Jornal de Angola. Cito apenas o primeiro parágrafo do mais recente de todos:

“A cruzada anti-angolana já não pode ser ignorada. O nível que atinge a ingerência portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas ocasiões: quando Angola proclamou a sua independência em 1975 e quando se aproximava a derrota da UNITA de Jonas Savimbi, antes de 4 Abril de 2002. Nesses dois momentos, a raiva cravada e sempre latente na sociedade portuguesa, pronta a declarar-se à mínima oportunidade, manifestou-se de forma prejudicial para as relações entre os dois países.”

O que eu vi, portanto, foi um homem íntegro, um homem de que todos os angolanos se podem orgulhar, Rafael Marques, defendendo os interesses do seu país e do seu povo. E vi um diplomata cujo nome a História não guardará, a defender – contra os interesses de Angola e de Portugal – uma ditadura à beira do fim.

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