José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Numa
rápida passagem por Lisboa, o jornalista Rafael Marques aceitou participar num
debate no Jornal das Oito, da TVI, na passada terça-feira, que contou
também com a participação de um diplomata português cujo nome não ficará na
História. O referido debate, editado, ou seja, não publicado na íntegra, tem
circulado nas redes sociais, por iniciativa de círculos ligados ao regime
angolano, como exemplo de uma suposta “sova” que o “traidor” Rafael Marques
teria levado do diplomata português cujo nome não será recordado.
Fui
assistir ao debate. O que vi foi outra coisa. Na verdade, o que vi deixou-me um
tanto espantado, não obstante conhecer bem a tradição de submissão da
diplomacia portuguesa perante o regime angolano.
O
diplomata cujo nome não ficará na História insinuou que a justiça angolana
funciona melhor do que a portuguesa, comparando o caso dos jovens democratas
presos, com o do antigo primeiro-ministro português, José Sócrates. O
entusiasmo do diplomata português na defesa das posições do regime angolano era
tal que parecia estar ali como representante desse mesmo regime. Quem escutasse
o debate desconhecendo a nacionalidade e o passado do referido diplomata, que,
ao que parece, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ficaria
convencido que o mesmo trabalha para a Embaixada de Angola. O diplomata cujo
nome não será recordado chegou ao ponto de afirmar que, cito, “as violações dos
direitos do homem tratam-se no Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas,
não se tratam no Rossio.”
Juro!
O homem disse realmente aquilo.
Gravei
a conversa e voltei atrás para confirmar: “As violações dos direitos do homem
tratam-se no Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, não se tratam no
Rossio.”
Disse
mais, a concluir: “A diplomacia não se faz com estados de alma.”
A
mim parece-me que, muito pelo contrário, a diplomacia tem de ser exercida com
toda a alma, em todos os seus infinitos estados. Uma diplomacia desalmada não é
nem diplomacia – é pura hipocrisia. Relações assentes em pura hipocrisia nunca
resistem à dura prova do tempo.
Muito
mais grave é a ideia de que os cidadãos não têm o direito de protestar contra
as violações dos direitos humanos, onde quer que estas ocorram. Têm o direito e
têm o dever. Entre outros objectivos, tais protestos servem para despertar do
seu sono letárgico aqueles políticos e diplomatas que, nos estados
democráticos, deveriam estar a lutar pelos direitos humanos, em todas as
instâncias apropriadas, ao invés de defenderem ditadores e ditaduras.
Nesta
diplomacia da submissão, em tudo idêntica a uma relação sado-masoquista,
Portugal apanha, pede desculpa e finalmente agradece.
Os
resultados da diplomacia desalmada de Portugal estão à vista. Basta ler os
editoriais anti-portugueses do Jornal de Angola. Cito apenas o primeiro
parágrafo do mais recente de todos:
“A
cruzada anti-angolana já não pode ser ignorada. O nível que atinge a ingerência
portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas
ocasiões: quando Angola proclamou a sua independência em 1975 e quando se
aproximava a derrota da UNITA de Jonas Savimbi, antes de 4 Abril de 2002.
Nesses dois momentos, a raiva cravada e sempre latente na sociedade portuguesa,
pronta a declarar-se à mínima oportunidade, manifestou-se de forma prejudicial
para as relações entre os dois países.”
O
que eu vi, portanto, foi um homem íntegro, um homem de que todos os angolanos
se podem orgulhar, Rafael Marques, defendendo os interesses do seu país e do
seu povo. E vi um diplomata cujo nome a História não guardará, a defender –
contra os interesses de Angola e de Portugal – uma ditadura à beira do fim.
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