A
eurodeputada socialista Ana Gomes disse hoje à Lusa que a acusação de
“rebelião”, anunciada pelo Ministério Público angolano contra os 17 jovens
detidos desde Junho, é reflexo do controlo do sistema judicial pelas forças no
poder em Luanda. Onde está a novidade?
“Devo
dizer que estava à espera. Desde que estive em Luanda e conversei sobre o
assunto com o ministro da Justiça e com outros elementos do Governo fiquei
convencida que eles iriam acusar, embora a acusação possa ser uma coisa
‘cavernícula’ na argumentação. Mas não me surpreendo porque a Procuradoria está
completamente ao serviço do poder”, diz eurodeputada portuguesa que visitou
Luanda no mês de Agosto.
O
Ministério Público do regime acusou hoje 17 jovens da preparação de uma
rebelião e de um atentado contra o Presidente da República, José Eduardo dos
Santos (no poder há 36 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito), prevendo
barricadas nas ruas e desobediência civil que aprendiam num curso de formação.
“Os
arguidos planeavam, após a destituição dos órgãos de soberania legitimamente
instituídos, formar o que denominaram ‘Governo de Salvação Nacional’ e elaborar
uma ‘nova Constituição’”, lê-se na acusação, deduzida três meses depois das
detenções.
Em
causa está uma operação policial desencadeada a 20 de Junho de 2015, quando os
jovens angolanos foram detidos em Luanda, em flagrante delito – segundo a tese
do regime -, durante a sexta reunião semanal de um curso formação de
activistas, para promover posteriormente a destituição do actual regime, diz a
acusação.
“Não
é a primeira vez que vemos isto mas era óbvio porque, quando eu cheguei a
Luanda, o próprio Procurador veio à televisão dizer que eles estavam acusados
de golpe de Estado — acusação que no dia seguinte os ministros se abstiveram de
fazer, dando uma versão mais recuada afirmando que eram acusados de actos
subversivos, o que me levou a dizer que eu só comparava isto aos tempos da luta
contra o regime colonial fascista em que activistas portugueses eram acusados
de subversão e os patriotas angolanos eram acusados de terrorismo”, recorda Ana
Gomes.
A
eurodeputada tem tomado várias iniciativas a favor dos activistas de direitos
humanos angolanos, tendo recentemente proposto uma resolução sobre a situação
em Angola que foi aprovada no Parlamento Europeu com 560 votos a favor.
“O
que importa não é o que se passa fora mas sim que se passa dentro de Angola. O
povo angolano quer decidir e a determinação que eu vi em muita gente em Luanda
é de não mais se calar diante de um regime prepotente, ladrão e claramente
antidemocrático e totalitário”, frisou Ana Gomes, acrescentando que não espera
qualquer tomada de posição do governo português em defesa dos jovens hoje
acusados.
“Deste
governo (português) não esperamos nenhuma atitude. Aliás, a única atitude que
temos tido é a de total e abjecta subserviência. Portanto, infelizmente não
espero nenhuma atitude. Para qualquer governo seria sempre difícil mas há
formas discretas e outras menos discretas”, afirma.
Ana
Gomes volta a sublinhar as “repercussões do sistema angolano”, que utiliza
Portugal e as instituições e o sistema financeiro para a lavagem de dinheiro,
através da compra de activos portugueses “em esquemas obviamente fraudulentos”,
sem que seja feito o mais elementar controlo designadamente no quadro da
directiva contra o branqueamento de capitais da União Europeia.
“Por
exemplo, a filha de José Eduardo dos Santos é uma ‘Pessoa Politicamente
Exposta’ (PEP na sigla em inglês), como muitos outros elementos do regime
angolano, que atuam com testas de ferro, ou não, e é escandaloso que o Banco de
Portugal e a CMVM não actuem em cumprimento das directivas europeias”, acusa
Ana Gomes.
Folha
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