segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Angola. ELES (FILHOS DO CHEFE DE ESTADO) COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA



O vice presidente da República, Manuel Vicente, o ministro da Casa de Segurança, Manuel Helder Vieira Dias Kopelipa, são donos dos pujantes supermercados Kero e da Pumangol e, agora, para gozar com a nossa cara, a filha do Presidente da República, uma vez mais, para demonstrar que a crise é só para o pobre, vai criar outra cadeia de supermercados, que vai crescer como cogumelos. Viva a monarquia.

Miguel Osório, um ex-qua­dro de topo da Sonae, é o administra­dor do novo projecto de retalho em Angola, da em­presária Isabel dos Santos e que vai operar a rede de hipermercados “Candando”, representando o fim da par­ceria com aquele grupo por­tuguês.

O grupo Contidis, que vai operar sob a marca “Candan­do” (abraço), foi apresentado em Luanda, em conferên­cia de imprensa, na semana passada, precisamente por Miguel Osório, que confir­mou tratar-se uma empresa detida a 100% pela filha do presidente da República, prevendo um investimento de 400 milhões de dólares (356 milhões de euros) nos próximos cinco anos.

Anteriormente tinha sido anunciada uma parceria en­tre Isabel dos Santos e o gru­po Sonae para a introdução de uma rede de hipermerca­dos em Angola.

A abertura da pri­meira loja “Can­dando”, de um total previsto de dez ao longo de cinco anos, deverá acontecer no primeiro semestre de 2016, em Luan­da, anunciou Miguel Osório. Com 10.000 metros quadrados, esta primeira loja ficará instalada no Shopping Avenida, em Luanda.

Tal como o Folha 8 profusamente noti­ciou, Isabel dos San­tos consumou agora o divórcio com o grupo Sonae. Mau gra­do ser a accionista maioritá­ria, Isabel dos Santos com­portava-se como única dona da empresa, exigindo que este negócio fosse desenvol­vido à imagem e semelhança dos ditames do regime. Isto é, ao estilo “quero, posso e mando”.

Como a Sonae, apesar de várias tentativas, não conse­guiu digerir as regras pecu­liares a quem, com a cober­tura do seu pai, não olha a meios para atingir os (seus) fins, Isabel dos Santos cha­mou a si a criação de mais uma empresa exclusivamen­te sua e assim nasce a cadeia de hipermercados “Candan­do”.

Para a dirigir foi buscar Mi­guel Osório que, indiferente às regras éticas de reserva perante a entidade patronal em que trabalhava, a Sonae, abriu o jogo a Isabel dos San­tos. A empresária agradeceu. E como nos negócios em geral, e nos com Angola em particular, não há ética nem reserva, ai está mais uma vi­tória para o clã Eduardo dos Santos.

Miguel Osório deu, em Luanda, uma conferência de imprensa em que anunciou a criação do grupo Contidis (100% propriedade de Isa­bel dos Santos) que, a partir de agora, vai pôr no terreno tudo o que a Sonae previra e estudara, mas com a marca “Candando”.

De acordo com Miguel Osó­rio, Isabel dos Santos planeia investir 256 milhões de euros durante os próximos cinco anos. O primeiro híper de­verá ser inaugurado no pri­meiro semestre de 2016, em Talatona, no shopping Ave­nida que – por mero acaso – também é propriedade da filha do presidente vitalício de Angola.

Miguel Osório, CEO da Con­ditis, afirma “que o novo ‘player’ vai apostar na cres­cente exigência do consumi­dor angolano, considerando que ainda existe, no mercado da distribuição moderna, um ‘défice de metro quadrado por habitante”.

Fazendo uso do que diria se estivesse a falar da marca “Continente”, Miguel Osório diz que a Conditis será uma referência no sector, e que a sua relação com os produto­res nacionais e a montagem de “infra-estruturas logísti­cas farão a diferença”.

Era só uma questão de… po­der

Sob o título “Divórcio litigio­so, por mútuo acordo ou (re)conciliação?”, o Folha 8 es­crevia no dia 26 de Abril de 2015: “A possibilidade, que em grande parte era uma realidade, da entrada dos hi­permercados Continente em Angola parece ter a certidão de óbito assinada. A Sonae e a Condis vão divorciar-se. Por mútuo acordo? Talvez não.”

Não mesmo. Isabel dos Santos, bem ao estilo de­mocrático do seu pai, só acredita na reconciliação desde que a outra parte faça o que ela quer. Sim­ples.

Para avançar com o projec­to, uma cópia fiel do Conti­nente e que foi surripiada à Sonae, nomeadamente através da contratação de dois pesos-pesados (Mi­guel Osório e João Seara) da equipa de Paulo Azeve­do, Isabel dos Santos criou a empresa Contidis.

Contidis? Exactamente. A anterior, a que fora consti­tuída em 2011 em parceria com a Sonae, chamava-se Condis. De há muito que a Sonae sabia que, a qual­quer momento, Isabel dos Santos iria dar o golpe fa­tal à parceria. Acreditava, contudo, que o faria de forma ortodoxa. Estava enga­nada. Nos negócios, a filha do presidente vitalício de Angola, não olha a meios para atingir os (seus) fins. É ela nos negócios e o pai na domínio do país.

Até mesmo quando, em Março passado, viu dois dos seus quadros de topo zarpar para Luanda, Paulo Azevedo ainda alimentou a esperança (já ténue) de que Isabel dos Santos ex­plicasse o que se passava. Esperou sentado.

A equipa de Paulo Aze­vedo verificou que que rainha santa Isabel (dos Santos) – dona de Angola (e de parte de Portugal) em parceria com o seu pai – apunhalou a Sonae pelas costas ao contratar esses dois quadros de topo da área de retalho que traba­lhavam nesta parceria, Mi­guel Osório e João Seara.

A dona da Condis nunca se preocupou com isso. É para o lado que dorme melhor. Aprendeu isso no berço. Com os milhões que tem, a que junta os milhões que precisar, Isabel dos Santos não dá ponto sem nó.

Chegou a falar-se que o Continente estaria de por­tas abertas no nosso país no Verão de 2015. A Sonae apostou forte. Constituiu uma equipa para acom­panhar a abertura dos hi­permercados mas, é claro, primeiro foi necessário engolir uns tantos sapos, o que fez esgotar os stocks de “alka seltzer” das pró­prias lojas. Depois segui­ram-se doses industriais de hóstias para tirar o pecado de negociar com um dos regimes mais corruptos do mundo.

Nada resultou. A estratégia de Isabel dos Santos foi se­guida com todo o rigor. O dinheiro compra tudo. E então quando o dinheiro não custou a ganhar…

O projecto que marcaria a entrada do maior empre­gador privado português no território angolano se­ria fruto de uma parceria estabelecida entre o grupo e, como não poderia dei­xar de ser e corresponde à Lei da Probidade do nosso país, a empresária e não se sabe quantas vezes milio­nária Isabel dos Santos.

A Sonae não pode alegar ignorância. Melhor do que ninguém, Paulo Azevedo sabia que quem sai aos seus não degenera. José Eduardo dos Santos é, para além de chefe do Governo, o presidente de Angola desde 1979, sem nunca ter sido nominalmente eleito, bem como do MPLA (par­tido que está no poder des­de a independência).

Hipermercados, super­mercados, lojas de con­veniência, lojas de pro­ximidade, restauração, para-farmácias, livrarias, vestuário, desporto, elec­trónica, centros comer­ciais, administração de imóveis, investimentos financeiros, telecomunica­ções, software e sistemas de informação e media são as áreas do império funda­do por Belmiro de Azeve­do, a Sonae.

Mas como tudo na vida, Belmiro de Azevedo é mui­to diferente do seu suces­sor dinástico, o filho Paulo Azevedo. O pai, que nem ao domingo descansava, dizia a mesma coisa em qualquer dia de semana. Hoje a estratégia é diferen­te. O filho diz às segundas, quartas e sextas uma coisa, às terças quintas e sábados outra coisa. E ao domingo vai à missa.

O acordo com a Condis – detida maioritariamente, como também não poderia deixar de ser e sempre res­peitando o espírito e a letra da tal Lei da probidade, por Isabel dos Santos – acon­teceu ainda em 2011, sen­do que o projecto previa a abertura de uma rede de hipermercados Continente nosso país.

João Seara era o homem forte do grupo para este projecto, sendo que deve­ria ocupar o cargo de di­rector executivo. A empre­sa nunca adiantou grandes pormenores, dizendo ape­nas que “não estava de­finida nenhuma data em concreto, mas tanto a So­nae como a Condis estão a envidar todos os esforços para proceder à abertura da primeira unidade o mais breve possível”.

Neste típico ziguezaguear chegou-se a uma previ­são que parecia ter fun­damento: Verão de 2015. No terceiro trimestre do ano passado já se falava de equipas mandatadas para começar a definir as gamas de produtos que seriam enviados para Luanda e que se juntariam a outros aqui produzidos. A própria Condis tinha em marcha a construção de uma infra­-estrutura que acolheria as instalações do hipermerca­do. A entrada da Sonae em Angola sofreu alguns con­tratempos, explicando-se assim a relutância do gru­po português em avançar com uma data concreta. A internacionalização da empresa para o nosso país está em desenvolvimento desde 2012, ano em que a Sonae e a ANIP assinaram um contrato de investi­mento no valor de 100 mi­lhões de dólares, com vista à abertura de cinco hiper­mercados.

Todos os atrasos pode­riam ter a ver com o facto de, durante algum tempo, a Sonae ter tido dificulda­des em engolir as regras da corrupção angolana. Daí as coisas não terem corrido tão bem como o inicial­mente previsto, isto por­que Paulo Azevedo anun­ciara a 17 de Março de 2011 que a entrada da empresa no mercado angolano po­deria acontecer já nesse ano.

Fernando Ulrich, presiden­te do BPI, banco presente em Angola desde 1996, poderá ter tido um papel importante ao garantir a pés juntos que em Angola não há corrupção. Ao ouvi­-lo dizer que “o BPI nunca pagou nada a ninguém para obter nada em troca como nem nunca ninguém nos pediu nada para fazer o que quer que fosse em tro­ca”, Paulo Azevedo (Bel­miro não foi nessa) sorriu e mandou avançar as suas tropas.

Em abono da tese de Fer­nando Ulrich, recorde-se que o procurador portu­guês que em tempos inves­tigava o caso “BES Angola” ingressou no Banco Inter­nacional de Crédito (BIC), presidido pelo cavaquista Luís Mira Amaral, uma instituição de capitais luso­-angolanos que, mais uma vez, é dominada pela tal impoluta cidadã Isabel dos Santos, que é filha do não menos impoluto cidadão José Eduardo dos Santos.

Paulo Azevedo reeditou a velha teoria de rapidamen­te e em força para… Ango­la. Falhou na rota.

É pena. Como muitos an­golanos (muitos mesmo) vivem na miséria e rara­mente sabem o que é uma refeição, estavam à espera de fazer incursões ao Con­tinente, ou melhor, aos caixotes do lixo do Conti­nente, e lá encontrar restos quase novos de comida.

A Sonae assumiu que não é uma empresa filantrópica e, por isso, negoceia com os donos do poder e, no caso de Angola, do país. E, como sempre, é muito mais fácil negociar com dirigentes vitalícios do que com os que resultam de uma vida democrática. Aliás, a família Azevedo gosta muito de viver em democracia. Já se os outros vivem em ditadura, o problema é deles. O que importa é haver gente com muitos dólares. E o regime tem fartura dessa espécie.

Folha 8 digital, 03 outubro 2015


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