sábado, 10 de outubro de 2015

O NEOCOLONIALISMO AMERICANO NA ÁSIA PELA VIA DO ACORDO DE LIVRE COMÉRCIO



O Governo Obama deveria se envergonhar em patrocinar esse esbulho de populações pobres. Mas o acordo foi celebrado pela mídia brasileira. Por que será?

J. Carlos de Assis* - Carta Maior

O acordo comercial do Pacífico patrocinado pelos Estados Unidos é uma farsa colonialista que só serve aos interesses dos empresários norte-americanos, japoneses e coreanos. Estes têm base tecnológica, no caso da Coreia pelo menos em alguns nichos, que os capacitam a concorrer entre si e em todos os demais mercados do acordo. Os outros terão de se contentar em ser entupidos por exportações de bens e serviços dos três países mais avançados tecnologicamente e em entrar em conflitos comerciais mortais para exportar produtos sem qualquer valor agregado a fim de pagar a conta de importações aos mais ricos.

O Governo Obama deveria se envergonhar em patrocinar esse esbulho de populações pobres através do comércio assimétrico. Aliás, a indústria automobilística norte-americana, que se opõe ao acordo, deu o claro sentido da iniciativa quando reconhece que até ela não tem condições tecnológicas para enfrentar a concorrência coreana e japonesa. Se uma indústria que está na vanguarda produtiva dos Estados Unidos se dá ao luxo de ser protecionista, imaginem a fragilidade da indústria dos demais países, exceto os três mencionados, diante de um acordo que lhes tira toda possibilidade de proteção industrial.

Se alguém tem dúvida de que a ideologia do livre comércio sempre foi ao longo da história uma cobertura para os países avançados extraírem recursos dos mais pobres, basta ler o livro do coreano Há-Joon Chang, “Chutando a Escada”. O autor usa a metáfora do sujeito que sobe pela escada sozinho e a chuta para longe quando chega no topo a fim de que ninguém suba atrás para caracterizar o livre comércio entre países com tecnologia e capacidade produtiva assimétricas, sobretudo no campo industrial. Inglaterra e EUA, os atuais campeões do livre-comércio, foram extremamente protecionistas ao logo de sua decolagem. E ainda hoje os EUA são protecionistas em vários ramos industriais e especialmente na agricultura.

Entretanto, porque estou escrevendo sobre algo que não nos diz respeito diretamente? Muito simples: o acordo do Pacífico foi celebrado pela grande mídia brasileira como o passo certo para prosperidade na Ásia. Indiretamente, ou às vezes até diretamente, os elogios apoteóticos com que foi saudado se apresentaram como uma crítica à política brasileira de rejeição à ALCA e de rejeição, pelo menos por enquanto, à estúpida proposta de um acordo de livre comércio com a União Europeia. Os que insistem em nos fazer retornar à condição de país primário-exportador e aí permanecer, buscando apenas interesses particulares em áreas específicas, atuam como vendilhões da pátria, sabendo ou não disso.

Obviamente, não há nenhum segredo de que o propósito americano, além de aumentar as próprias exportações, é bloquear a expansão da China na Ásia. Inútil. A China, uma potência também no campo geopolítico, está empreendendo uma política externa baseada na cooperação, com ganhos recíprocos para os países, diferente do modelo tradicional americano de atuar exclusivamente no sentido da abertura de oportunidades de exploração econômica para suas empresas privadas. Isso não tem como ser mudado. A consolidação da presença compartilhada da China na Ásia é um dado da realidade que os americanos terão que aceitar, independentemente do acordo comercial.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP.


Créditos da foto: The White House

Sem comentários:

Mais lidas da semana