Thierry
Meyssan*
Voltando
à história da colonização francesa da Síria e comparando-a com a ação dos
presidentes Sarkozy e Hollande, Thierry Meyssan põe em evidência a vontade de
recolonizar o país por parte de certos dirigentes franceses actuais. Uma
posição anacrónica e criminosa que faz a França do presente um estado cada vez
mais odiado no mundo.
A
França é, hoje em dia, o principal poder apelando ao derrube da República Árabe
da Síria. Enquanto a Casa Branca e o Kremlin negoceiam, em segredo, o modo de
se livrarem dos jiadistas, Paris persiste em acusar o " regime de
Bashar" (sic) de ter criado o Daesh (E. I. -ndT), e em declarar que após a
eliminação do Emirado Islâmico convirá derrubar a «ditadura Alauíta» (re-sic).
A França é publicamente apoiada pela Turquia e Arábia Saudita, e às escondidas
por Israel.
Como
explicar este posicionamento de perdedor, quando a França não tem nenhum
interesse económico ou político nesta cruzada, quando os Estados Unidos
deixaram de treinar combatentes contra a República, e quando a Rússia está em
vias de reduzir a cinzas os grupos jiadistas?
A
maior parte dos comentadores sublinharam, com razão, os laços pessoais do
presidente Nicolas Sarkozy com o Catar, patrocinador da Irmandade Muçulmana, e
os do presidente François Hollande igualmente com o Catar, e, também, com a
Arábia Saudita. Os dois presidentes financiaram, ilegalmente, uma parte das
suas campanhas eleitorais com estes estados, e tem beneficiado de toda a
espécie de facilidades oferecidas por esses mesmos Estados. Além disso, a
Arábia Saudita detêm, agora, uma parte não negligenciável das empresas do
CAC40, de modo que o seu desinvestimento brutal causaria graves prejuízos
económicos à França
Eu
gostaria de evocar, aqui, uma outra hipótese explicativa: os interesses
coloniais de certos dirigentes franceses. Para tal, é necessário um regresso ao
passado.
O
tratado Sykes-Picot
Durante
a Primeira Guerra Mundial, os Impérios Britânico, Francês e Russo acordaram,
secretamente, em dividir as colónias dos impérios Austro-Húngaro, Alemão e
Otomano, assim que estes fossem derrotados. Na sequência de negociações
secretas em Downing Street, o conselheiro do Ministro da Guerra e superior de
«Lawrence da Arábia», Sir Mark Sykes, e o enviado especial do Quai d’Orsay,
François Georges-Picot, decidem partilhar a província otomana da Grande Síria
entre eles e disso informam o Czar.
Os
Britânicos, cujo império era comercial, apropriam-se das zonas petrolíferas
conhecidas à época, e da Palestina, para aí instalar uma colónia de povoamento
judaico. O seu território estendia-se por sobre o do Estado da Palestina, de
Israel, da Jordânia, do Iraque e do Koweit actuais. Paris, que estava dividida
entre os partidários e adversários da colonização, admitia, por si, uma
colonização ao mesmo tempo económica, cultural e política. Apropriou-se, pois,
dos territórios do Líbano e da Pequena Síria, actuais, dos quais quase metade
da população à época era cristã, e da qual ela se declarava a «protectora»
desde o rei Francisco Iº. Finalmente, os lugares santos de Jerusalém e de São
João de Acre deviam ser internacionalizados. Mas, na realidade, esses acordos
nunca foram plenamente aplicados, quer porque os Britânicos haviam assumido
compromissos contraditórios como, sobretudo, porque entendiam criar um Estado
judeu para prosseguir a sua expansão colonial.
Jamais
as «democracias» britânica e francesa debateram públicamente estes acordos.
Teriam chocado o Povo britânico, e teriam sido rejeitados pelo Povo francês. O
Acordo Sykes-Picot foi revelado pelos revolucionários bolcheviques que os
descobrem nos arquivos do Czar. Eles provocam a fúria dos Árabes, mas os
Britânicos e os Franceses não reagiram perante as ações dos seus governos.
A
ideia colonial francesa
A
colonização francesa começou no reinado de Charles X com a conquista sangrenta
da Argélia. Era uma questão de prestígio, que nunca foi apoiada pelos franceses
e levou à revolução de julho de 1830.
Mas,
a idéia colonial apareceu em França após a queda do Segundo Império e a perda
da Alsácia-Mosela. Dois homens de esquerda, Gambetta e Jules Ferry, propõem a
conquista de novos territórios em África e na Ásia na impossibilidade de poder
libertar a Alsácia e a Mosela, ocupadas pelo Reich alemão. Eles juntaram-se aos
interesses económicos da direita ligados à exploração da Argélia.
Como
a motivação pela derivação, em relação à libertação do território nacional, não
é muito gloriosa, os amigos de Gambetta e de Ferry vão embrulhá-la num discurso
mobilizador. Não se trata de satisfazer apetites expansionistas ou económicos,
mas, sim, de «libertar povos oprimidos» (sic) e de os «emancipar» de culturas
«inferiores» (re-sic). O que era muito mais nobre.
Na
Assembleia Nacional e no Senado, os partidários da colonização tinham criado um
lóbi para defender os seus apetites: o «Partido Colonial». O termo «partido»
não deve aqui induzir em erro, ele não designava uma formação política, mas,
antes, uma corrente de pensamento trans-partidário, reunindo uma centena de
parlamentares de direita e de esquerda. Eles juntaram-se a poderosos homens de
negócios, militares, geógrafos e altos-funcionários, como François Georges-Picot.
Se muito poucos Franceses se interessavam pela colonização, antes da Primeira
Guerra Mundial, já eram muito mais numerosos no período
Entre-as-duas-Guerras... quer dizer, após a restituição da Alsácia e da Mosela.
O Partido Colonial, que já não era mais, agora, senão o do capitalismo cego,
enroupado de direitos-do-homem, tentou convencer a população através de grandes
eventos como a sinistra Exposição Colonial de 1931, e atingiu o seu apogeu com
a Frente Popular de Léon Blum, em 1936.
A
colonização da Pequena Síria
Na
sequência da Guerra e da queda do Império Otomano, o Sherife Hussein das duas
mesquitas de Meca e de Medina proclamou a independência dos Árabes. Em
conformidade com as promessas de «Lawrence da Arábia» ele proclamou-se «rei dos
Árabes», mas é chamado à ordem pela «pérfida Albion».
Em
1918, o seu filho, o Emir Faisal, proclama um governo árabe provisório em
Damasco, enquanto os britânicos ocupam a Palestina e os Franceses a costa
Mediterrânica. Os Árabes tentam criar um Estado unitário, multiconfessional,
democrático e independente.
O
presidente dos E.U.A, Woodrow Wilson, reconciliou o seu país com o Reino Unido
em torno do projecto comum de criação de um Estado judeu, mas, ele opõe-se à
ideia de colonizar o resto da região. Retirando-se da conferência de Versalhes,
a França faz-se atribuir um mandato, pelo Conselho Supremo Inter-aliados, para
administrar a sua zona de influência, aquando da conferência de San Remo. A
colonização tinha encontrado um álibi legal: era preciso ajudar os Levantinos a
organizarem-se após a queda dos otomanos.
As
primeiras eleições democráticas são organizadas na Síria pelo governo árabe
provisório. Elas dão a maioria, do Congresso Geral sírio, a caciques sem
verdadeira cor política, mas a assembleia é dominada pelas figuras da minoria
nacionalista. Ela adopta uma Constituição monárquica e bi-camarária
(cameral-br). Ao anúncio do mandato francês, o Povo revolta-se contra o Emir
Faisal, que havia decidido colaborar com os Franceses e os Maronitas do Líbano,
que o apoiam. Paris envia a tropa sob o comando do General Gouraud, um dos
membros do «Partido Colonial». Os nacionalistas sírios dão-lhe combate em
Marjayoun, onde eles são esmagados. Começa a colonização.
O
General Gouraud separa primeiro o Líbano ---onde ele dispõe do apoio dos
Maronitas--- do resto da Síria, que ele se esforça por governar dividindo, e
opondo entre si, os grupos religiosos. A capital da «Síria» é transferida para
Homs, uma pequena cidade sunita, antes de regressar a Damasco, mas o poder
colonial permanece baseado no Líbano, em Beirute. É conferida uma bandeira à
colônia, em 1932, que é composta por três bandas horizontais representando as
dinastias Fatímidas (verde), Omíadas (branca) e Abássidas (preta), símbolo para
os muçulmanos xiitas quanto à primeira, e para os sunitas quanto às duas
seguintes. As três estrelas vermelhas representando as três minorias, cristã,
drusa e alauíta.
A
França pensa fazer do Líbano um Estado maronita, já que os Maronitas são
cristãos que reconhecem a autoridade do papa, e da Síria um Estado muçulmano.
Ela não parará de combater os cristãos da Síria Pequena já que eles são
maioritáriamente ortodoxos.
Em
1936, a esquerda acede ao poder em França, com o governo da Frente Popular. Ele
aceita negociar com os nacionalistas árabes e promete-lhes a independência. O
sub-secretário de Estado para os protectorados do Magrebe e dos mandatos do
Médio-Oriente, Pierre Viénot, negoceia a independência do Líbano e da Síria
(tal como ele havia tentado fazer para a Tunísia). O Tratado é ratificado, por
unanimidade, pelo Parlamento sírio, mas, jamais será apresentado por Léon Blum
---membro do «Partido Colonial»--- ao Senado.
No
mesmo período, o governo da Frente Popular decide separar a cidade de Antioquia
da Pequena Síria e propõe juntá-la à Turquia, o que será feito em 1939. Desta
forma, Léon Blum entende livrar-se dos cristãos ortodoxos, cujo patriarca é o
titular do Patriarcado de Antioquia, e que os Turcos não deixarão de reprimir.
Por
fim, é a divisão da França durante a Segunda Guerra Mundial, que porá termo à
colonização. O governo legal de Philippe Pétain tenta manter o mandato,
enquanto o governo legítimo de Charles de Gaulle proclama a independência do
Líbano e da Síria, em 1941.
No
fim da II Guerra Mundial, o Governo Provisório da República põe em acção o
programa do Conselho Nacional de Resistência. No entanto, o «Partido Colonial»
opõe-se às independências dos povos colonizados. A 8 de maio de 1945 dá-se o
massacre de Setif (Argélia), sob o comando do general Raymond Duval, a 29 de maio
o de Damasco sob o comando do general Fernand Olive. A cidade é bombardeada
pela Força Aérea Francesa durante dois dias. Uma grande parte do
"souk" histórico é destruído. A Assembleia do Congresso do Povo Sírio
é, ela própria, bombardeada.
As
ambições coloniais da França na Síria desde 2011
Enquanto
o presidente Nicolas Sarkozy convidava o seu homólogo sírio, Bashar al-Assad,
para as cerimónias do "14 de julho", de 2008, nos Campos Elísios,
celebrando com isso os seus avanços democráticos, ele negoceia com os E.U. e o
Reino Unido a remodelagem do «Médio-Oriente Alargado», em 2009-10. A Secretária
de Estado, Hillary Clinton, convence-o a relançar o projecto colonial
franco-britânico sob orientação norte-americana, ou seja a teoria da «liderança
nos bastidores».
A
2 de novembro de 2010 –-isto é, antes da «Primavera Árabe»---, a França e o
Reino Unido assinam uma série de documentos conhecidos como os acordos de
Lancaster House. Se a parte pública indica que os dois Estados juntarão as suas
forças de projeção (quer dizer, as suas forças coloniais), a parte conservada
secreta previa atacar a Líbia e a Síria, a 21 de março de 2011. Sabe-se que a
Líbia será atacada dois dias mais cedo pela França, provocando a cólera do
Reino Unido que foi assim ultrapassado pelo seu aliado. O ataque contra a
Síria, pelo contrário, jamais terá lugar porque o comanditário, os Estados
Unidos, mudarão de opinião.
Os
Acordos de Lancaster House foram negociados, por parte da França, por Alain
Juppé e pelo general Benoît Puga, um partidário ferrenho(fanático-br) da
colonização.
Em
29 de julho de 2011, a França criou o Exército Sírio Livre (os «moderados»).
Contráriamente à propaganda oficial sobre o seu chefe, o coronel Riyadh
al-Asaad, os seus primeiros elementos não são sírios, mas, sim, Líbios da
al-Qaida. Riyadh al-Asaad não é mais que uma cobertura destinada a dar o verniz
sírio. Ele foi escolhido por causa da sua homonímia com o presidente Bashar
al-Assad, com o qual não tem nenhum laço de parentesco. No entanto, ignorando
que os dois nomes não se escrevem da mesma maneira em árabe, a imprensa
atlantista vê nele o sinal da «primeira defecção no seio do regime».
O
Exército Sírio Livre (ESL) é enquadrado por legionários franceses, destacados
das suas unidades e colocados à disposição do Eliseu e do general Benoît Puga,
o chefe do Estado-maior privativo do presidente Sarkozy. O ESL recebe como
estandarte a bandeira da colonização francesa.
Actualmente,
o ESL não constitui mais um exército permanente. Mas, a sua marca é usada,
pontualmente, para operações imaginadas pelo Eliseu e realizadas por
mercenários de outros grupos armados. A França persiste em distinguir jiadistas
em «moderados» e, outros, «extremistas». Não existe, no entanto, diferença em
termos de pessoal ou de comportamento entre os dois grupos. Foi o ESL que
começou as execuções de homossexuais, precipitando-os do alto a partir dos
telhados dos edifícios. Foi igualmente o ESL que difundiu um vídeo de um de
seus dirigentes, canibal, comendo o coração e o fígado de um soldado sírio. A
única diferença, entre moderados e extremistas, é a sua bandeira : ou, a da
colonização francesa, ou a da jiade.
No
início de 2012, os legionários franceses escoltam 3.000 combatentes do ESL para
Homs, a antiga capital da colonização francesa, para fazer dela a «capital da
revolução». Eles entricheiram-se no quarteirão novo de Baba Amr e proclamam um
Emirado Islâmico. Um tribunal revolucionário condena à morte mais de 150
moradores que permaneceram no quarteirão e fá-los degolar em público. O ESL
aguentou um cerco de um mês protegido por posições de tiro com mísseis
anti-tanque Milan, colocados à disposição pela França.
Quando
o presidente François Hollande relança a guerra contra a Síria, em julho de
2012, ele conserva –—facto único na história da França--- o chefe de
Estado-maior privado do seu antecessor, o general Benoît Puga. Este retoma a
retórica e a pose colonial. Assim, ele declara que a República Árabe Síria é
uma «ditadura sanguinária» (é preciso, pois, «libertar um povo oprimido»), e
que o poder é confiscado pela minoria Alauíta (é preciso, pois, «emancipar» os
sírios desta seita horrível). Ele consegue interditar a participação nas
eleições, que se realizam no seu próprio país, aos refugiados sírios na Europa,
e decide em seu lugar que o Conselho Nacional Sírio –-não eleito–- é o seu
legítimo representante. O seu ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações
Exteriores-br), Laurent Fabius, declara que o presidente democraticamente
eleito, Bashar al-Assad «não merece estar sobre a Terra».
As
declarações de Valéry Giscard d’Estaing
A
27 de setembro passado, o antigo Presidente Valéry Giscard d’Estaing deu uma
entrevista, de uma página, ao diário «Le Parisien / Aujourd’hui en France» a
propósito dos refugiados e da intervenção russa contra os terroristas na Síria.
Ele declarou : «Eu interrogo-me quanto à possibilidade de criar um mandato da
ONU sobre a Síria, por um período de cinco anos».
Jamais,
desde a sua criação, a Onu concedeu "mandato". Esta simples palavra
reenvia-nos para os horrores da colonização. Nunca, jamais, havia um líder
francês evocado assim, publicamente, as ambições coloniais francesas desde a
independência da Argélia, há 53 anos.
Importa
aqui lembrar que Geneviève, a irmã de François Georges-Picot (o do Acordo
Sykes-Picot), se casou com o senador Jacques Bardoux ---membro do «Partido
Colonial»---. A sua filha, May Bardoux, desposou, por sua vez, o presidente da
Sociedade Financeira Francesa e Colonial, Edmond Giscard d’Estaing, o pai do
antigo presidente francês (Valéry Giscard d’Estaing- ndT).
Assim,
a solução do problema sírio, segundo o sobrinho-neto do homem que negociou com
os Britânicos o mandato francês sobre a Síria, é recolonizar o país.
Thierry Meyssan* - Tradução Alva - Voltaire.net
*Intelectual
francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace.
As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe,
latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
Sem comentários:
Enviar um comentário