Carvalho
da Silva* - Jornal de Notícias, opinião
O
presidente da República (PR) fez, na quinta-feira, um discurso de grossa
malandrice, posicionando-se na perspetiva de poder vir a violar princípios e
regras democráticas e constitucionais fundamentais. Será que ouvimos mesmo o
presidente dizer que prefere manter em gestão um Governo sem legitimidade
parlamentar, a indigitar um primeiro-ministro que disponha de uma maioria na
Assembleia da República (AR)? Será que se arrogou o direito de ignorar os
resultados eleitorais, só porque não lhe agradam?
Como
não há qualquer solução democrática para a formação de um Governo sem o apoio
da maioria dos deputados na AR, pode dizer-se que Cavaco Silva ensaiou um
caminho que prefigura um golpe de Estado. O PR esconjurou o Estado de direito
democrático e os partidos políticos que detêm a maioria dos deputados na AR,
procurando anular o voto de todos os que não escolheram a coligação de Direita.
Cavaco Silva nem por uma vez citou a Constituição da República para identificar
os direitos e interesses dos portugueses, que devem ser defendidos. A baixeza
de apelar, quase abertamente, a deputados do Partido Socialista para se
colocarem ao serviço da Direita, contribuindo para a sua golpada, é qualquer
coisa de repugnante. Cavaco não é mais do que o líder da Direita, entendida como
seita predestinada para o exercício do poder. Cavaco Silva não se importa de
escavacar o país, se escavaca-lo for preciso para evitar que governe quem na
opinião dele não deve governar.
Com
violência inusitada, o PR evocou múltiplos fatores de instabilidade e medos que
podem afetar gravemente a convivência democrática. Esta via é perigosíssima,
ainda mais num contexto em que são profundas a pobreza, as dependências e as
desigualdades, e muito desequilibradas as relações de poder na sociedade em
geral e no mundo do trabalho. Não poucas vezes o atrofiamento e morte da
democracia entram por estas portas.
O
PR conjurou todos os demónios à solta no plano nacional, europeu e mundial.
Para o ajudarem a impedir um Governo democrático, convocou os mercados, insinuando-lhes
que criem problemas a Portugal, a moeda única com os aprisionamentos que a
estruturam, o BCE com o seu poder não democrático, o Tratado Orçamental e os
seus condicionalismos, a União Europeia neoliberal, dicotómica e
antissolidária.
Cavaco
Silva não fez um mero exercício de identificação de compromissos e espartilhos
a que o país se encontra submetido e que qualquer Governo (de Direita ou de
Esquerda) tem de reconhecer. Ele conjurou tudo o que possam ser retaliações
vindas daí, para instabilizar o país e desacreditá-lo no plano externo.
Esta
semana o professor de Direito e constitucionalista Jorge Reis Novais dizia (1*),
com a-propósito e adequada fundamentação, que estamos num tempo em que os
poderes dominantes chegaram ao desplante de nos quererem obrigar não só a
reconhecer a validade inquestionável das instituições antidemocráticas e das
regras que nos impõem, mas também a obrigatoriedade de declarar-lhes, oralmente
e por escrito, amor e servidão. Cavaco Silva prossegue o ensaio da subjugação absoluta
do país.
A
pequena minoria que detém o poder financeiro, económico e político acredita-se
ungida pelos deuses. Dizem-se democratas mas só enquanto a democracia,
condicionada pelos meios de comunicação de que são proprietários, produzir
resultados compatíveis com a salvaguarda dos seus privilégios. Logo que isso
não acontece puxam da pistola.
É
preciso uma serena e firme defesa dos valores democráticos, uma unidade ampla
de todos os que se reconhecem na Constituição da República. Essa maioria - esse
arco constitucional - hoje tem por base os partidos que estão em diálogo para a
construção de uma alternativa democrática de governação, mas inclui ou deve
incluir também todos os democratas, mesmo os que apoiaram no passado partidos
que integram a atual coligação de Direita. A plataforma de entendimento é
simples: não permitir que escavaquem o nosso país e a Constituição da
República, pilar da nossa democracia.
(1*)
Seminário organizado pelo CIDEEFF/FDUL e pelo Observatório sobre Crises e
Alternativas/CES sob o tema "O Estado Social de Direito e a Crise da
Política Democrática".
*Investigador
e professor universitário
1 comentário:
Gostei deste artigo e conccordo com o pensamento de Carvalhoa da Silva. Considero Cavaco Silva um fora da lei sem um mí nimo de escrupulos.
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