quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Portugal. A ESQUERDA A FAZER POLÍTICA NÃO PREVISÍVEL É HISTÓRICO



Ana Sá Lopes – jornal i, opinião

António Costa perdeu as eleições, mas já conquistou um lugar na história política do país. Sim, foi ele que acabou com o tabu – aquele tabu que serviu durante anos para formar “blocos centrais dos interesses” – que todos os portugueses condenam em público. Jerónimo de Sousa e Catarina Martins têm evidentemente o seu lugar na história, por decidirem remover o PCP e o Bloco do estatuto de partidos de protesto. O PCP vai muito mais longe do que Álvaro Cunhal quando pediu aos comunistas que tapassem os olhos e votassem Soares. O Bloco de Esquerda teve o mérito de abrir a discussão, na noite em que Catarina Martins lançou, no debate com Costa, as condições do Bloco para apoiar um governo PS.

Isto é tudo tão novo em Portugal que a tentação de ler as coisas com os olhos habituais é grande. A quantidade de pessoas que não se incomoda com conviver na União Europeia com um ditador como Viktor Órban fica em estado de choque ao ver os comunistas chegarem ao poder em Portugal. Como é que é possível o PCP defender a saída do euro e apoiar um governo PS? É simples: o PS é o “menor dos males” e o PCP disponibiliza-se a apoiar um partido que não defende a saída do euro em troca de conseguir que o seu eleitorado veja, não o programa do PCP totalmente cumprido, mas algumas medidas a serem-no. Isto chama-se negociação, que até agora estava reservada ao PS e à direita. Abdicar de alguns pontos em nome de uma convergência é o que acontece em todas as negociações, como aconteceu quando o PSD negociou com o CDS, como aconteceu quando o PSD negociou a viabilização de orçamentos do PS, etc. O problema é que até aqui nem o PCP e o Bloco queriam fazer parte do “arco da governação” nem o PS os queria lá. Ao pragmatismo da direita, a esquerda opunha um ódio histórico entre os seus vários partidos. Aparentemente isso deixou de acontecer e é uma prova da vitalidade da democracia portuguesa. Qualquer que seja o desfecho, está a fazer-se história.

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