Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Para
que serve o Presidente da República? Por que razão prescreve a Constituição que
ele seja "eleito por sufrágio universal, direto e secreto"? Que
propósitos ou receios terão levado os deputados à Assembleia Constituinte, em
1976, a configurar o nosso sistema político segundo um modelo
"semipresidencialista"?
Estas
questões assumiram, de súbito, uma premente atualidade. A declaração
presidencial da semana passada, quer pela opção que assume quer pelos
argumentos que invoca, remete-nos, inelutavelmente, para as questões
fundacionais da II República - inaugurada pela Revolução de Abril de 1974 - e
suscita contradições insanáveis face ao teor da Constituição que dois anos mais
tarde iria qualificar o regime político democrático que nos rege.
Em
primeiro lugar, a "indigitação" presidencial do líder do PSD para
chefiar o Governo da coligação de Direita é uma decisão que envolve perigosos
equívocos. Com efeito, nenhuma razão justifica que a "proposta" de
uma solução de Governo suportada por uma minoria parlamentar constitua uma
etapa necessária no processo constitucional de formação do novo Governo.
Todavia, foi essa a solução preferida pelo Presidente da República, apesar de
lhe ter sido previamente comunicado, pelos respetivos partidos, que havia uma
alternativa política de Governo que merecia o apoio da maioria dos deputados.
No mínimo, teremos de considerar esta opção do Presidente como precipitada e
particularmente censurável, da parte de quem marcou as eleições para esta data,
sabendo de antemão que assim prejudicava não só o processo e os prazos para a
aprovação do Orçamento Geral do Estado, mas também os compromissos assumidos,
nesta matéria, perante a Comissão Europeia!
Mais
graves, porém, são as justificações invocadas pelo Presidente da República para
proceder por forma tão fútil e caprichosa. Não só porque ignora que a
Constituição que jurou o obriga a "ter em conta" os resultados
eleitorais e aquilo que os partidos políticos oportunamente lhe transmitiram
mas, sobretudo, porque as suas considerações prolixas sobre a natureza e o
papel de certos partidos com representação parlamentar não excluem liminarmente
a possibilidade de interpretações frontalmente incompatíveis com a Constituição
e violadoras dos mais elementares princípios democráticos. Nem os cidadãos
eleitores nem os seus representantes eleitos podem ser divididos por classes ou
hierarquizados por quaisquer critérios, ao sabor dos gostos e preferências do
Presidente. Não há votos de protesto, por oposição a votos para governar. Não
há votos de primeira e votos de segunda. Não há partidos fadados para a
governação e partidos banidos das responsabilidades de Governo.
O
Presidente terá de explicar em breve o que pretendia efetivamente dizer. Porque
não lhe compete discutir a natureza nem a legitimidade das escolhas do povo
soberano mas apenas submeter ao Parlamento uma solução de Governo estável e
duradoura, que corresponda à vontade democrática expressa nos resultados
eleitorais. Ainda mais grave, contudo, é que das suas palavras se possa inferir
uma disposição para deixar o país entregue a um Governo com meros poderes de
gestão, caso não lhe agradem as soluções que lhe vierem a propor se, como já
lhe foi anunciado, uma maioria de Esquerda se afirmar disposta a governar, em
harmonia com a Constituição, com as nossas responsabilidades internacionais e
os compromisso com a Europa. Porque isso implicaria a violação da sua
responsabilidade nuclear, única justificação da sua eleição por sufrágio
universal e dos poderes irrenunciáveis que a Constituição lhe confia no
processo de formação do Governo, na transição regular entre mandatos
legislativos e, particularmente, em contextos de grave crise política. O
Presidente não pode tornar-se no principal fautor de uma crise, quando
precisamente lhe compete, até em situações extremas, zelar pelo "regular
funcionamento das instituições democráticas".
A
invocação do fantasma do prolongamento em funções de um Governo precário e
diminuído, por força da rejeição do seu programa na Assembleia da República -
que implica a sua automática demissão! - apenas serve para explorar o medo e a
incerteza, num país fragilizado e empobrecido, em nome da sobrevivência de uma
Direita que entrou em pânico perante a expectativa de, em breve, deixar o poder.
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