Carvalho
da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
Os
resultados das eleições legislativas criaram um quadro político bem diferente
daquele que o país viveu nos últimos 4 anos e meio.
A
coligação de Direita, formada por PSD e CDS, teve uma grande derrota. Neste
novo quadro a Direita não pode governar sozinha. Precisa de apoios para aprovar
o seu programa de governo e o Orçamento do Estado, pode até nem sequer formar
Governo, ou vir a cair e surgir um Governo de efetiva alternativa.
É
um facto inquestionável que, há poucos meses, existia na sociedade portuguesa a
perspetiva de esta coligação de Direita no Governo ter uma derrota ainda maior.
Havia também um certo consenso (nos média) quanto à possibilidade de o PS ser a
força política mais votada.
Inúmeros
fatores se podem enunciar como explicação para as escolhas feitas pelos
portugueses, nomeadamente: i) o PS enredou-se em contradições, com um programa
eleitoral marcadamente técnico (com notas de influência neoliberal) quando o
combate era político. Daí resultou um debate eleitoral em que no centro da discussão
esteve muito mais o programa do PS do que o balanço dos 4 anos e meio de
governação da Direita e das propostas que esta tinha ou não para o futuro.
Dirigentes do PS chegaram a acreditar que o PS podia resolver o problema
apresentando-se como o saco do voto útil, esquecendo que a social-democracia
que representa está sem programa capaz de gerar alternativas e que muitos
cidadãos, apesar de gostarem da Europa como projeto comum, começam a apostar em
propostas que contestem as regras europeias; ii) a emigração de centenas de
milhares de portugueses levou para fora do país muitos jovens, cuja ausência
enfraqueceu bases e capacidades de mobilização à Esquerda; iii) parte do
descontentamento das pessoas - que andam a fugir da vida porque esta é muito
dura - refugiou-se na abstenção perante a inexistência de alternativas que
interpretem os seus dramas; iv) as intervenções do presidente da República
(PR), sempre numa perspetiva de subjugação do país aos poderes dominantes na
União Europeia (UE) e/ou mercados, bem como o seu combate a alternativas
tiveram, ao longo dos anos, um efeito desmobilizador nos portugueses e de
favorecimento da Direita; v) a ideia de que no espaço da UE e da Zona Euro será
muito difícil fazer vingar políticas alternativas foi reforçada com o processo
político grego e com os pronunciamentos de tecnocratas da UE. Sem dúvida que
isto intimidou e estes medos não serão ultrapassados sem que à Esquerda se
desenvolvam respostas mais sólidas, o que ainda não aconteceu neste processo
eleitoral.
O
PS, que não atingiu os seus objetivos eleitorais, surge "entalado" e
obrigado a gerir cenários complexos, mas está no centro de todo o processo
político e, à partida, tem condições para fazer melhor do que tem feito.
As
forças à Esquerda do PS reforçaram-se e avançaram com posições políticas novas
no sentido de trabalhar compromissos com o PS com vista a uma "maioria de
Esquerda" para viabilizar um Governo. Estes novos dados vão influenciar
relações de forças - estão já a desencadear novas confluências, mas também
contradições nos tradicionais posicionamentos à Esquerda - e ter impactos em
todo o quadro político-partidário existente e no futuro político do país.
Ao
contrário do que pregaram certos políticos europeus, os portugueses não
sancionaram as políticas de austeridade. Trata-se de uma grande mentira. É bom
lembrar que a Direita proclamou durante toda a campanha eleitoral que "a
crise e a austeridade" eram passado. Conquistaram votos a partir do
convencimento de que agora vai haver recuperação de direitos e de condições de
desenvolvimento. A sociedade portuguesa mobilizar-se-á para exigir essa
recuperação, seja qual for o futuro Governo. Ninguém ignora o excesso de
cor-de-rosa com que a Direita tentou pintar a realidade do país, que são
grandes os problemas económicos e políticos no contexto europeu e
internacional, mas, acima de tudo, só cabeças loucas podem apresentar as
políticas austeritárias como solução para um futuro melhor.
Com
otimismo moderado direi: abriram-se janelas de esperança.
*Investigador
e professor universitário
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