A
escritora Inês Pedrosa classificou hoje como lamentável a entrada da Guiné
Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), porque
"não favorece a própria imagem da instituição", ao não cumprir os
direitos humanos mais básicos.
Em
declarações à Lusa em Belmonte, onde debateu com a escritora brasileira Andréa
Zamorano questões relacionadas com língua, geografia e identidade, no âmbito da
segunda edição do Diáspora -- Festival Literário de Belmonte, Inês Pedrosa
sustentou que uma instituição criada para promover a língua portuguesa "ir
buscar um exemplo dos piores a nível de qualquer instância, qualquer medida de
democracia, direitos humanos, por questões meramente de interesses económicos,
é lamentável, porque desvirtua o que é a própria Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa".
"É
lamentável, desde o início que o disse, e volto a dizê-lo agora, porque quando
a Guiné Equatorial entrou, disse que se comprometia a fazer o ensino do
português e a tornar o português, de facto, língua oficial -- e é claro que
isso não se decide por decreto, uma língua não se torna oficial por decreto,
mas parece que os esforços nesse sentido também não foram nenhuns",
frisou.
Para
a autora, "não faz qualquer sentido um país que não fala português estar
nesta comunidade -- de mais a mais, um país que não cumpre os direitos humanos
básicos", defendeu, embora acrescentando que "isso não quer dizer que
todos os países da Comunidade de Língua Portuguesa os cumpram".
"Sabemos
que não é assim, sabemos as questões que existem neste momento em Angola",
precisou, referindo-se ao julgamento em curso em Luanda de 17 jovens angolanos
acusados de tentativa de rebelião contra o regime angolano e conspiração para
assassinar o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
A
escritora, cujo mais recente romance, "Desamparo" (D. Quixote) se
passa no Brasil, e que costuma pedir conselho aos amigos brasileiros sobre a
verosimilhança do que escreve na variante brasileira da língua, lamentou também
"que a CPLP só tenha aparecido para fazer o Acordo Ortográfico que, na sua
formulação, é desnecessário porque não unifica a língua -- até pelo contrário,
há palavras que eram iguais e passaram a ser diferentes".
"É
um acordo que não serve o princípio de que seria mais fácil o português tornar-se
internacional através da sua unificação - esse princípio não é cumprido",
insistiu.
"E
a outra coisa em que a CPLP aparece é nesta questão da Guiné Equatorial, e isso
não favorece a própria imagem da instituição, que deixa de ser uma coisa de que
nos possamos definitivamente orgulhar, porque nós não temos nem a língua em
comum, nem nada em comum com a Guiné Equatorial", argumentou,
acrescentando: "Por isso, exorto as autoridades portuguesas, sejam elas
quais forem -- neste momento, não sei quais são -- a que façam qualquer coisa,
a que ajam de forma a acabar com essa nódoa, que acaba por ser uma nódoa na
nossa língua também".
Por
sua vez, Andréa Zamorano, que vive em Portugal há mais de 20 anos, tem também
nacionalidade portuguesa e diz falar "um português transnacional",
uma fusão das variantes da língua faladas em Portugal e no Brasil, disse à Lusa
que também não poderia concordar com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP.
"Antes
de mais, porque não posso aceitar que a CPLP compactue com nenhum regime
ditatorial, e acho que o trabalho da CPLP deve ser o de promoção da língua
portuguesa, da cultura de língua portuguesa, mas não a todo o custo",
vincou.
Segundo
a autora, que publicou este ano o seu romance de estreia, "A Casa das
Rosas" (Quetzal), "há valores que se sobrepõem: o valor da liberdade
e o valor dos direitos individuais e os valores da democracia, que têm regido a
CPLP, deveriam ser respeitados e mantidos".
Quanto
ao Acordo Ortográfico de 1990, atualmente em vigor, Andréa Zamorano considerou
que "não sendo esse acordo ainda o ideal - deverá ser revisto e deverá ser
melhorado - faz sentido unificar a língua portuguesa do ponto de vista da
escrita".
"Não
entendo porque é que não podemos unificá-la, porque é que não podemos ser como
o inglês, que tem só uma norma culta, porque é que não podemos ser como o
espanhol - porque é que não podemos ser assim? Eu não tenho esse drama da
identidade nacional ligada à escrita, porque acho que, no fundo, o grande
problema de aceitação desse acordo é um problema de afetos", explicou.
Na
sua opinião, o problema "não deve ser olhado por esse prisma, porque a
língua escrita é uma formalidade, é uma convenção, uma arbitrariedade da
oralidade".
"Deveríamos
encontrar na língua escrita um facilitador do processo de unificação, e não as
querelas que temos encontrado em relação ao acordo, que se situam muito mais
num plano emocional do que num plano linguístico", rematou.
Lusa,
em Notícias ao Minuto
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