sábado, 21 de novembro de 2015

Timor-Leste. MÁRIO CARRASCALÃO COM VERDADES E A LAVANDARIA DE XANANA GUSMÃO



País não tinha condições em 1975 para ser independente - Mário Carrascalão

O ex-governador de Timor-Leste Mário Carrascalão considera que em 1975, aquela colónia portuguesa não tinha condições económicas, políticas ou técnicas para ser independente, porque vivia à custa do poder colonial, com subsídios de Portugal e outras colónias.

"Timor não tinha condições para ser independente. Quando foi declarada a descolonização depois do 25 de abril (...) a única que talvez não estivesse em condições era Timor", disse em entrevista à agência Lusa.

"Talvez tenha sido uma das únicas colónias, senão a única, que viveu à custa do poder colonial. Normalmente as colónias são exploradas pelo poder colonial e Timor foi o contrário, viveu à custa de subsídios vindos de Angola, de Portugal e de outras colónias", disse o também fundador do primeiro partido de Timor-Leste, a União Democrática Timorense (UDT).

Terceiro governador nomeado pela Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro de 1992), Carrascalão fundou o Partido Social Democrata (PSD) depois da independência e foi vice primeiro-ministro no IV Governo constitucional, até à sua demissão por incompatibilidades com [o Presidente da República] Xanana Gusmão.

Numa longa entrevista à Lusa, em que recordou o seu passado, a história dos últimos 40 anos em Timor-Leste e perspetivou o futuro do país, Mário Carrascalão manteve-se fiel à frontalidade que o caracteriza.

Recordando a situação pós 25 de abril em Timor-Leste, Mário Carrascalão disse que nessa altura o país "não tinha em ação nenhum movimento político" e registava um "desenvolvimento económico ridículo".

"Tínhamos um rendimento per capita anual de 40 dólares, de acordo com os números fornecidos pelo BNU. Não é com 40 dólares que se vai fazer uma independência", disse.

A situação em Portugal não ajudava, pelo que os timorenses não poderiam estar "de qualquer maneira esperançados que o desenvolvimento de Timor se fizesse à custa de Portugal", que dizia "para Timor nem mais um escudo nem mais um soldado".

Mário Carrascalão relembra que Lisboa "jogava com um pau de dois bicos", negociando por um lado com os partidos timorenses e ao mesmo tempo com a Indonésia.

"Teve encontros inclusivamente na Cimeira de Macau para tratar do processo de descolonização de Timor mas ia negociando com os generais indonésios, nomeadamente com o general Ali Moertopo (responsável pelos serviços secretos), sob a forma de melhor integrar Timor na Indonésia", recorda.

"O próprio encontro na cimeira de Macau deu-se quando estava a decorrer em Hong Kong um encontro com uma delegação indonésia", sublinha. Portugal "queria aliviar-se do fardo de Timor", insiste.

Por isso, quer a UDT quer o segundo partido timorense a nascer, a Associação Social Democrática de Timor (ASDT) - que se transformaria depois na Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin) - apoiavam a ideia de uma transição "de autonomia progressiva" com Portugal até à independência.

Essa "sintonia de opiniões" variava apenas em tempo: a UDT queria 20 anos de transição e a UDT apenas cinco.

Tudo mudou, diz Carrascalão, quando chegaram a Timor, em setembro de 1974, sete estudantes universitários timorenses vindos de Portugal: António Carvarinho Maulear, Vicente Manuel Reis, Abílio e Guilhermina Araújo, Roque Rodrigues, Rosa Bonaparte e Venâncio Gomes da Silva.

Esse grupo, considera, pôs fim à convivência entre a UDT e a ASDT - "quando até se falava na sua fusão" - transformando logo a ASDT em Fretilin, considerando que "tudo o que não era Fretilin era fascista, com gritos de morte aos fascistas, aos colonialistas, aos imperialistas".

"A partir daí, criou-se um ambiente difícil. Mas mesmo assim ainda foi possível criar-se uma coligação que durou de janeiro de 75 até maio de 75 e que depois se desfez por interferência australiana, que não queria os dois partidos juntos", disse.

Os "insultos políticos" só passaram a outros excessos quando a Indonésia começou a "infiltrar-se em Timor", enviando, por exemplo, figuras como o então coronel Dading Kalbuadi - que mais tarde comandaria as operações militares em Timor-Leste - e que com o pretexto de vir oferecer trigo e combustíveis, teve o primeiro contacto com o então [líder tradicional] liurai de Atsabe, Arnaldo de Araújo.

Daí nasce o primeiro partido integracionista, a Associação para a Integração de Timor na Indonésia (AITI), "que foi depois transformada em Apodeti (Associação Popular Democrática Timorense) pela influência do major Arnão Metelo", chefe do Estado-Maior das Forças Armadas em Timor e representante no território do Movimento das Forças Armadas (MFA) na altura da guerra civil timorense.

"Diziam que AITI era muito óbvio", comenta sorrindo.

Mário Carrascalão considera que houve alguns excessos, de parte a parte, e recorda alumas execuções em Ermera, pelo presidente da UDT, "que condenou e executou alguns dos seus opositores" e posteriormente respostas também da Fretilin.

"Acho que antes da entrada dos indonésios, da invasão, terão morrido aqui em Timor como consequência do golpe e contra golpe talvez nem 100 pessoas", disse.

ASP // APN

Xanana não é corrupto mas "tolera corruptos" - Mário Carrascalão


O ex-primeiro-ministro timorense Xanana Gusmão "não é corrupto" mas "tolera os corruptos", permitindo que uma grande parte dos membros do Governo "se governem" em vez de trabalhar, a sério, para o desenvolvimento de Timor-Leste, disse Mário Carrascalão.

"Tolera os corruptos e posso dizer isso por experiencia própria", afirmou em entrevista à Lusa.

"Eu próprio cheguei a pedir-lhe para suspender a ex-ministra da Justiça, Lúcia Lobato para poder ser investigada pela inspeção-geral (do Estado). E ele vira-se para mim e diz: deixa lá, eles têm tantas dívidas, coitados", afirmou.

Em entrevista à Lusa, Mário Carrascalão, terceiro governador nomeado pela Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro de 1992) para Timor, analisou os últimos 40 anos da história de Timor-Leste, apontando o dedo às falhas da governação.

"Ele tolera. O que preciso definir é se o faz por bondade ou por ser conivente, eu não sei. Não diria que todos os membros do governo são corruptos, mas uma grande parte vê na posição que adquiriu como ministro, poder governar-se", afirmou.

"Bem estaríamos nós se esses senhores fossem para o Governo e quisessem utilizar os seus conhecimentos para poderem programar o desenvolvimento de Timor como resposta às aspirações e necessidades das pessoas. Não é isso que está a acontecer", disse ainda.

Mário Carrascalão diz que um sinal dos problemas está no "medo que os governantes têm da liberdade de imprensa" porque "têm culpas no cartório", não querem que "as suas faltas sejam expostas" e por isso "cortam as vazas aos jornalistas".

"Os nossos jornalistas em si já não são muito bem treinados, são pessoas com muitas deficiências e ainda lhes cortam as vasas. Se nós não falarmos não escrevem. Têm medo. Digo-lhes para fazer jornalismo investigativo, mas não podem. Eles têm medo, basta tocar em determinados nomes", afirmou.

Frontal, Mário Carrascalão - que abandonou o cargo de número dois do IV Governo incompatibilizado com Xanana Gusmão - diz que este, que é o atual ministro do Planeamento, "ignora a maioria" e pretende "fazer vingar o poder individual".

"Acho que Xanana trouxe para o Governo não tanto como PR mas como PM um autoritarismo próprio de um comandante militar. Como comandante militar dou-lhe nota 100%, mas como PM eu acho que faria um lugar melhor do que ele", disse.

"Ele não está talhado, e não tem obrigações disso. Eu sim. E depois é uma pessoa que lê pouco. É um estratega sem dúvida mas não é um estratega na administração é um estratega militar, que foi, sem dúvida nenhuma", disse ainda.

Carrascalão considera que a independência se deve a Xanana Gusmão mas que depois ele foi "como Salazar" que "salvou Portugal nos anos da crise" mas depois "quis continuar e levou ao poder único", pelo que "o melhor que faria" era retirar-se.

Já sobre o atual chefe do Governo, Rui Araújo, Carrascalão considera que é "um bom administrador mas não é um líder político", sendo incapaz de controlar o seu antecessor no cargo de primeiro-ministro.

"Não é um homem com coragem para virar-se para o Xanana, que é ministro dele e dizer-lhe: você não faça isso porque as minhas instruções são assim. Não é capaz disso", disse.

Quanto ao atual chefe de Estado, Taur Matan Ruak, Carrascalão considera que, como Xanana Gusmão, "é mais talhado para ser Presidente do que para ser primeiro-ministro" e que Xanana Gusmão deveria ter ficado com "um símbolo, um embaixador itinerante".

Sobre o outro poder em Timor-Leste, a Igreja, o antigo governador recorda o seu "grande trabalho pela independência de Timor" mas insiste que há que respeitar a Constituição que separa Estado e Igreja.

"Quando era aqui governador, tinha relações com a Igreja mas nunca permiti que a igreja se imiscuísse nas ações da administração. E a administração não tem coragem para tomar medidas relativamente à igreja", disse.

Ainda assim, considerou, a igreja já teve "oportunidade para abusar da situação" e só "não foi tão longe" porque tem figuras, como o bispo Basílio do Nascimento, a liderá-la

Em termos gerais, Mário Carrascalão considera que a má gestão leva a que Timor-Leste hoje "tenha os mesmos pobres ou mais pobres do que antigamente" com o desenvolvimento a limitar-se praticamente a Díli.

"Como é que se pode desenvolver um país ao fim de 13 anos e não haver estradas para o interior. Preocupamo-nos demais com subsídios dos veteranos. Nunca vi tanto veterano de guerra. Quando eu era governador, se houvesse assim tantos veteranos tinham ajudado o Xanana Gusmão a dar uma corrida aos indonésios", disse.

Falta planeamento, definição de prioridades, que deixou o país sem uma economia de base, "se acabar o petróleo", com o café praticamente abandonado, sem barragens para a irrigação e com a agricultura sem grande desenvolvimento.

ASP // EL - Lusa - Título PG

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