País
não tinha condições em 1975 para ser independente - Mário Carrascalão
O
ex-governador de Timor-Leste Mário Carrascalão considera que em 1975, aquela
colónia portuguesa não tinha condições económicas, políticas ou técnicas para
ser independente, porque vivia à custa do poder colonial, com subsídios de
Portugal e outras colónias.
"Timor
não tinha condições para ser independente. Quando foi declarada a
descolonização depois do 25 de abril (...) a única que talvez não estivesse em
condições era Timor", disse em entrevista à agência Lusa.
"Talvez
tenha sido uma das únicas colónias, senão a única, que viveu à custa do poder
colonial. Normalmente as colónias são exploradas pelo poder colonial e Timor
foi o contrário, viveu à custa de subsídios vindos de Angola, de Portugal e de
outras colónias", disse o também fundador do primeiro partido de
Timor-Leste, a União Democrática Timorense (UDT).
Terceiro
governador nomeado pela Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro
de 1992), Carrascalão fundou o Partido Social Democrata (PSD) depois da
independência e foi vice primeiro-ministro no IV Governo constitucional, até à
sua demissão por incompatibilidades com [o Presidente da República] Xanana
Gusmão.
Numa
longa entrevista à Lusa, em que recordou o seu passado, a história dos últimos
40 anos em Timor-Leste e perspetivou o futuro do país, Mário Carrascalão
manteve-se fiel à frontalidade que o caracteriza.
Recordando
a situação pós 25 de abril em Timor-Leste, Mário Carrascalão disse que nessa
altura o país "não tinha em ação nenhum movimento político" e
registava um "desenvolvimento económico ridículo".
"Tínhamos
um rendimento per capita anual de 40 dólares, de acordo com os números
fornecidos pelo BNU. Não é com 40 dólares que se vai fazer uma
independência", disse.
A
situação em Portugal não ajudava, pelo que os timorenses não poderiam estar
"de qualquer maneira esperançados que o desenvolvimento de Timor se
fizesse à custa de Portugal", que dizia "para Timor nem mais um
escudo nem mais um soldado".
Mário
Carrascalão relembra que Lisboa "jogava com um pau de dois bicos",
negociando por um lado com os partidos timorenses e ao mesmo tempo com a
Indonésia.
"Teve
encontros inclusivamente na Cimeira de Macau para tratar do processo de
descolonização de Timor mas ia negociando com os generais indonésios,
nomeadamente com o general Ali Moertopo (responsável pelos serviços secretos),
sob a forma de melhor integrar Timor na Indonésia", recorda.
"O
próprio encontro na cimeira de Macau deu-se quando estava a decorrer em Hong
Kong um encontro com uma delegação indonésia", sublinha. Portugal
"queria aliviar-se do fardo de Timor", insiste.
Por
isso, quer a UDT quer o segundo partido timorense a nascer, a Associação Social
Democrática de Timor (ASDT) - que se transformaria depois na Frente
Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin) - apoiavam a ideia de uma
transição "de autonomia progressiva" com Portugal até à
independência.
Essa
"sintonia de opiniões" variava apenas em tempo: a UDT queria 20 anos
de transição e a UDT apenas cinco.
Tudo
mudou, diz Carrascalão, quando chegaram a Timor, em setembro de 1974, sete
estudantes universitários timorenses vindos de Portugal: António Carvarinho
Maulear, Vicente Manuel Reis, Abílio e Guilhermina Araújo, Roque Rodrigues,
Rosa Bonaparte e Venâncio Gomes da Silva.
Esse
grupo, considera, pôs fim à convivência entre a UDT e a ASDT - "quando até
se falava na sua fusão" - transformando logo a ASDT em Fretilin,
considerando que "tudo o que não era Fretilin era fascista, com gritos de
morte aos fascistas, aos colonialistas, aos imperialistas".
"A
partir daí, criou-se um ambiente difícil. Mas mesmo assim ainda foi possível
criar-se uma coligação que durou de janeiro de 75 até maio de 75 e que depois
se desfez por interferência australiana, que não queria os dois partidos
juntos", disse.
Os
"insultos políticos" só passaram a outros excessos quando a Indonésia
começou a "infiltrar-se em Timor", enviando, por exemplo, figuras
como o então coronel Dading Kalbuadi - que mais tarde comandaria as operações
militares em Timor-Leste - e que com o pretexto de vir oferecer trigo e
combustíveis, teve o primeiro contacto com o então [líder tradicional] liurai
de Atsabe, Arnaldo de Araújo.
Daí
nasce o primeiro partido integracionista, a Associação para a Integração de Timor
na Indonésia (AITI), "que foi depois transformada em Apodeti (Associação
Popular Democrática Timorense) pela influência do major Arnão Metelo",
chefe do Estado-Maior das Forças Armadas em Timor e representante no território
do Movimento das Forças Armadas (MFA) na altura da guerra civil timorense.
"Diziam
que AITI era muito óbvio", comenta sorrindo.
Mário
Carrascalão considera que houve alguns excessos, de parte a parte, e recorda
alumas execuções em Ermera, pelo presidente da UDT, "que condenou e executou
alguns dos seus opositores" e posteriormente respostas também da Fretilin.
"Acho
que antes da entrada dos indonésios, da invasão, terão morrido aqui em Timor
como consequência do golpe e contra golpe talvez nem 100 pessoas", disse.
ASP
// APN
Xanana
não é corrupto mas "tolera corruptos" - Mário Carrascalão
O
ex-primeiro-ministro timorense Xanana Gusmão "não é corrupto" mas
"tolera os corruptos", permitindo que uma grande parte dos membros do
Governo "se governem" em vez de trabalhar, a sério, para o
desenvolvimento de Timor-Leste, disse Mário Carrascalão.
"Tolera
os corruptos e posso dizer isso por experiencia própria", afirmou em
entrevista à Lusa.
"Eu
próprio cheguei a pedir-lhe para suspender a ex-ministra da Justiça, Lúcia
Lobato para poder ser investigada pela inspeção-geral (do Estado). E ele
vira-se para mim e diz: deixa lá, eles têm tantas dívidas, coitados",
afirmou.
Em
entrevista à Lusa, Mário Carrascalão, terceiro governador nomeado pela
Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro de 1992) para Timor,
analisou os últimos 40 anos da história de Timor-Leste, apontando o dedo às
falhas da governação.
"Ele
tolera. O que preciso definir é se o faz por bondade ou por ser conivente, eu
não sei. Não diria que todos os membros do governo são corruptos, mas uma
grande parte vê na posição que adquiriu como ministro, poder governar-se",
afirmou.
"Bem
estaríamos nós se esses senhores fossem para o Governo e quisessem utilizar os
seus conhecimentos para poderem programar o desenvolvimento de Timor como
resposta às aspirações e necessidades das pessoas. Não é isso que está a
acontecer", disse ainda.
Mário
Carrascalão diz que um sinal dos problemas está no "medo que os
governantes têm da liberdade de imprensa" porque "têm culpas no
cartório", não querem que "as suas faltas sejam expostas" e por
isso "cortam as vazas aos jornalistas".
"Os
nossos jornalistas em si já não são muito bem treinados, são pessoas com muitas
deficiências e ainda lhes cortam as vasas. Se nós não falarmos não escrevem.
Têm medo. Digo-lhes para fazer jornalismo investigativo, mas não podem. Eles
têm medo, basta tocar em determinados nomes", afirmou.
Frontal,
Mário Carrascalão - que abandonou o cargo de número dois do IV Governo
incompatibilizado com Xanana Gusmão - diz que este, que é o atual ministro do
Planeamento, "ignora a maioria" e pretende "fazer vingar o poder
individual".
"Acho
que Xanana trouxe para o Governo não tanto como PR mas como PM um autoritarismo
próprio de um comandante militar. Como comandante militar dou-lhe nota 100%,
mas como PM eu acho que faria um lugar melhor do que ele", disse.
"Ele
não está talhado, e não tem obrigações disso. Eu sim. E depois é uma pessoa que
lê pouco. É um estratega sem dúvida mas não é um estratega na administração é
um estratega militar, que foi, sem dúvida nenhuma", disse ainda.
Carrascalão
considera que a independência se deve a Xanana Gusmão mas que depois ele foi
"como Salazar" que "salvou Portugal nos anos da crise" mas
depois "quis continuar e levou ao poder único", pelo que "o
melhor que faria" era retirar-se.
Já
sobre o atual chefe do Governo, Rui Araújo, Carrascalão considera que é
"um bom administrador mas não é um líder político", sendo incapaz de
controlar o seu antecessor no cargo de primeiro-ministro.
"Não
é um homem com coragem para virar-se para o Xanana, que é ministro dele e
dizer-lhe: você não faça isso porque as minhas instruções são assim. Não é
capaz disso", disse.
Quanto
ao atual chefe de Estado, Taur Matan Ruak, Carrascalão considera que, como
Xanana Gusmão, "é mais talhado para ser Presidente do que para ser
primeiro-ministro" e que Xanana Gusmão deveria ter ficado com "um
símbolo, um embaixador itinerante".
Sobre
o outro poder em Timor-Leste, a Igreja, o antigo governador recorda o seu
"grande trabalho pela independência de Timor" mas insiste que há que
respeitar a Constituição que separa Estado e Igreja.
"Quando
era aqui governador, tinha relações com a Igreja mas nunca permiti que a igreja
se imiscuísse nas ações da administração. E a administração não tem coragem
para tomar medidas relativamente à igreja", disse.
Ainda
assim, considerou, a igreja já teve "oportunidade para abusar da
situação" e só "não foi tão longe" porque tem figuras, como o
bispo Basílio do Nascimento, a liderá-la
Em
termos gerais, Mário Carrascalão considera que a má gestão leva a que
Timor-Leste hoje "tenha os mesmos pobres ou mais pobres do que
antigamente" com o desenvolvimento a limitar-se praticamente a Díli.
"Como
é que se pode desenvolver um país ao fim de 13 anos e não haver estradas para o
interior. Preocupamo-nos demais com subsídios dos veteranos. Nunca vi tanto
veterano de guerra. Quando eu era governador, se houvesse assim tantos
veteranos tinham ajudado o Xanana Gusmão a dar uma corrida aos indonésios",
disse.
Falta
planeamento, definição de prioridades, que deixou o país sem uma economia de
base, "se acabar o petróleo", com o café praticamente abandonado, sem
barragens para a irrigação e com a agricultura sem grande desenvolvimento.
ASP
// EL - Lusa - Título PG
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