Rui Peralta, Luanda
O
ataque ocorrido no passado dia 20 de Novembro em Bamaco, no Mali, que provocou
cerca de duas dezenas de mortos, não foi mais do que uma celebração que
comemorou a reunificação do al-Mulathameen (os Mascarados), liderado por
Mokhtar Belmokhtar, e al-Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), chefiada pelo emir
Abdelmalek Droukdel. No dia 4 de Dezembro uma mensagem de 14 minutos,
intitulada “Construção inquebrantável”, transmitida pelas redes sociais,
difundiu o reagrupamento de ambos os grupos, que encontravam-se divididos desde
2012.
Esta
nova força fascista islâmica assume como objectivos a Jihad contra a França e
resistir ao crescimento e á influência do Daesh (ISIL, Califado ou Estado
Islâmico) no Mali. Em 2012 as duas facções dividiram-se após infiltrarem o
levantamento tuaregue, que reclamava o território de Azawand. A infiltração foi
levada a cabo pelo Ansar Din (Defensores do Islão) e pelo Movimento para a
Unificação da Jihad na África Ocidental (MUJAO), controlado por Mokhtar
Belmokhtar. A lei islâmica foi imposta á população civil e o Movimento Nacional
para a Libertação do Azawad foi neutralizado pelas forças fascistas islâmicas.
A
Operação Serval, efectuada pelas forças francesas provocou a debandada destes
grupos e o Conselho da Sura da AQMI, reunido em Outubro de 2012 acusou Mokhtar
Belmokhtar de desobediência e culpou-o de não atender as chamadas telefónicas,
não comparecer em reuniões, negociar de forma errada os resgates de prisioneiros
e de não cumpri com os procedimentos sobre a aquisição de armamento,
equipamento e munições. Mokhtar não aceitou as acusações e tentou colocar-se
directamente sob o comando da al-Qaeda central, acusando o líder da AQMI, na
época Abdelahamid Abu Zeid (também conhecido por Mohamed Ghadir) de traição.
O
ataque ao Hotel Radisson, reivindicado de imediato pelo al-Mulathameen, grupo
fidelizado á al-Qaeda global, fundada por Osama Bin Laden e actualmente
dirigida por Ayman al-Zawahiri, demonstra a presença desta organização no
Sahel. Tanto aqui, como no Magreb, Paquistão e Afeganistão, esta organização
leva a cabo uma guerra silenciosa contra o Califado. Neste sentido a AQMI e os
Mascarados têm o mesmo objectivo e estão preocupados com a influência do Estado
Islâmico na região. O Boko Haram jurou lealdade ao Califado em Março ultima e
ampliou a sua actuação para lá do território nigeriano, actuando nos Camarões,
Níger e Chade, onde muito recentemente efectuou uma série de atentados na ilha
de Koulfoua, provocando quase uma centenas de feridos e cerca de 30 mortos. Por
outro lado o contrabando de armas e o tráfico de migrantes são actividades
lucrativas e a AQMI não pretende abrir mão deste negócio e entrega-lo ao
Califado.
É
neste cenário que surge a reunificação entre o AQMI e os Mascarados, numa
altura em que o Califado assentou base na Líbia e ganha terreno na Argélia,
Tunísia, Egipto e Somália. A AQMI está preocupada com o seu controlo,
principalmente depois de em consequência dos bombardeamentos na Síria, muitos
milicianos do Daesh procuram abrigo no calor do Sahel e isso implicará
concorrência no controlo das redes de contrabando.
Mokhtar
Belmokhtar é um dos principais controladores destas redes de contrabando de
armas e tráfico de pessoas. Já no Afeganistão, onde combateu, era conhecido por
Mr. Marlboro, devido às suas actividades no contrabando de cigarros. Com esta
actividade financiou, após regressar á Argélia, sua terra natal, a formação do
seu grupo, nos anos 90. Foi declarado morto por diversas vezes, na Líbia, Mali,
Argélia e Tunísia (em Tunes escapou a um atentado perpetrado pelo Califado).
Nascido em Ghardaia, no ano de 1972, combateu contra os soviéticos no
Afeganistão, onde perdeu um olho (por isso ser, também, conhecido por Laauar.
Na Argélia participou no Grupo Salafista para a Predicação e Combate, que daria
posteriormente origem á AQMI. Em 2009 realiza o sequestro de três cooperantes
espanhóis na Mauritânia. Entra em disputa com Abdelmalek Drukdel e é afastado
da AQMI, passando a liderar o MUJAO. Em 2013 formou os Mascarados, grupo que
realizou diversas acções e atentados, como o ataque á central de gás em Amenas,
na Argélia, que provocou a morte a 37 estrangeiros e um argelino e onde
morreram 29 dos seus comandos, após duros combates com o exército argelino.
Já
Abdelmalek Drukdel, também, entre outros nomes, Abu Musab Abdel Wadoud, nasceu
em Meftah, na Argélia, no ano de 1970. Em 1993 aderiu ao Grupo Islâmico Armado
(GIA) e foi um dos fundadores do Grupo Salafista para a Predição e Combate. EM
2004 torna-se emir e em 2006 jura lealdade á al-Qaeda, formando em 2007 a AQMI.
Foi responsável pelos atentados contra o escritório do primeiro-ministro
argelino, em Argel, no ano de 2007, onde morreram 33 pessoas.
A
união destes dois grupos tende a integrar grupos que actuam no Níger, Chade e
Líbia. Mokhtar Belmokhtar coordena uma importante rede de tráfico de armas,
pessoas e drogas numa vasta região que engloba a Líbia, o Níger, Argélia,
Tunísia, Marrocos, a Mauritânia, o Mali, o Chade, a Nigéria, a Guiné-Bissau,
Guiné-Conacri, a Gâmbia e o Senegal. Esta rede comporta conexões com a América
do Sul e constitui uma importante base de operações financeiras e de
financiamento. Estes são grupos que em 2011 assaltaram os arsenais do exército
líbio, utilizados posteriormente na Argélia e no Mali.
Estes
grupos são ameaçados pela actividade concorrente do Estado Islâmico e sofreram
inúmeras deserções nos últimos dois anos. Se acabarão por ser submetidos ao
Califado ou não depende em grande parte da sua própria capacidade organizativa
e das alianças que possam estabelecer com os serviços secretos ocidentais ou
outros, na região. De qualquer das formas constituem mais uma peça de um puzzle
de difícil resolução, numa região ultraperiférica do continente africano, onde
as peças parece não estarem formatadas para encaixar.
Aliás
as “formatações” a que esta região foi submetida nos últimos 75 anos parece
terem chegado a um ponto de completa “desformatação”…para bênção dos sectores
que (no Ocidente e no Oriente) que pretendem desventrar África.
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