Isabel
Moreira – Expresso, opinião
Disse
Cavaco: “observando a zona euro, verificamos que a governação ideológica pode
durar algum tempo, faz os seus estragos na economia, deixa faturas por pagar,
mas acaba sempre por deixar faturas por pagar”. Mais acrescentou que “a
ideologia económica só resiste como modelo de vida de comentadores, de
analistas políticos, de articulistas que fazem o deleite de alguns ouvintes, de
alguns leitores, em tempo de lazer”.
Nestas
vestes de comentador de direita, de analista de direita, de articulista de
direita que faz o deleite da direita que sempre protegeu, de alguns leitores de
direita em tempo de lazer pragmático, Cavaco, para além de fazer de tudo menos
de Presidente da República, foi o oráculo da pior tese que contamina a
política, quer nacional, quer europeia.
Esta
obsessão pela morte das ideologias pela via da exclusividade do pragmatismo é a
morte da democracia.
A
democracia nasce, desenvolve-se, e vive quotidianamente de escolhas. E essas
escolhas são, e devem ser, precisamente, ideológicas.
Optar
entre defender a não flexibilização do mercado laboral, optar por defender a
gestão pública de sectores estratégicos do Estado, optar pela defesa
intransigente de um serviço nacional de saúde universal e púbico, optar pela
defesa de uma escola pública como motor de desenvolvimento e de igualdade,
optar por um sistema de pensões público, optar por uma atitude patriótica no
nosso relacionamento com a UE, optar pela valorização da cultura, optar pelas
prestações sociais comprovadamente mais eficazes no combate ao flagelo da
pobreza, optar pelo papel do Estado na criação de condições para a criação de
emprego, optar pela decisão governativa de subir o salário mínimo não
arrastando a concertação social, optar pela defesa dos direitos das minorias,
entre tantas opções, é sempre optar ideologicamente.
As
opções opostas que vivemos nos últimos quatro anos foram opções ideológicas.
Dar prevalência ao capital sobre o trabalho, dar preferência à escola privada
sobre a escola pública, sabotar todas as decorrências do Estado social, propor
a privatização parcial do sistema de pensões, privatizar furiosamente em modo
de horror a tudo o que fosse empresa pública, mesmo a que apresentasse lucro,
desinvestir na saúde pública, criar falsos estágios, relacionar-se com a UE sem
qualquer sentido patriótico, vilipendiar os funcionários públicos, criar
fraturas sociais numa tentativa de destruir a coesão entre novos e idosos,
entre trabalhadores do setor público e do setor privado, entre jovens e jovens,
destruir a classe média, esse motor de alavancagem da pobreza, empobrecer e,
assim. calar o país, defender um modelo único de família, entre tantas opções,
foi sempre optar ideologicamente.
A
luta pela democracia foi também a luta pelo confronto livre de ideologias e
estamos a assistir a um caminho perigoso de apagamento que pretende fazer da
política um espaço apolítico. Na verdade, um pântano, no qual ser-se
democrata-cristão, socialista, comunista, defensor de diferentes correntes
filosófico-políticas e sim, também económicas, é ser-se um embaraço aos que
querem pôr um ponto final à exigência primeira da liberdade e da democracia,
essa da clarificação, essa de cada um dizer ao que vem, de onde vem, qual o seu
espaço e assim clarificar as tais das escolhas.
O
“pragmatismo” sem mais defendido por Cavaco mais não é do que uma estratégia
política, uma visão pobre e retrógrada da política, uma adesão ao pântano que
vem destruindo os mundos nacionais e internacionais e o adormecimento dos
povos. Porque Cavaco é, de facto, pragmático. E nele pode ver-se o horror dessa
escolha.
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