quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Portugal. NOVO BANCO, BURACO VELHO, TRIBUNAIS À VISTA



Instituição reforça de capitais à custa dos grandes investidores que lhe emprestaram dinheiro. Prepara-se chuva de processos.

O reforço de capital do Novo Banco (NB) vai ser assegurado pelos grandes fundos de pensões e bancos que detêm dívida da instituição, na forma de obrigações séniores. Estes investidores escaparam a prejuízos quando o BES foi intervencionado, no Verão de 2014, mas terão agora perdas a registar. A medida reforça os capitais do NB em quase dois mil milhões de euros, mas vai acabar nos tribunais, alerta ao i a associação de investidores ATM, Octávio Viana.
A solução foi sugerida pelo BCE, montada pelo Banco de Portugal (BdP) e terá decisão final do Governo, previsivelmente no Conselho de Ministros de hoje.

Depois do chumbo do Novo Banco nos testes de stress do Banco Central Europeu (BCE), o banco e as autoridades públicas tiveram de estudar medidas para compensar os 1,4 mil milhões de euros em falta.

Foi decidido fazer um “bail-in” com recurso a obrigações seniores, nas mãos de investidores institucionais. Os clientes particulares com obrigações seniores serão salvaguardados desta medida.

Os títulos de dívida dos grandes investidores vão ser transferidos para o BES, o ‘banco mau’ que ficou com os ativos problemáticos do grupo de Salgado e está em liquidação. Ou seja, em vez de ser o Novo Banco a pagar aos credores, será o banco mau a ficar com essa responsabilidade. Ao retirar este passivo das mãos do NB, torna-se mais fácil cumprir os rácios de capital impostos do BCE.

Em comunicado, o BdP refere que esta medida é necessária para assegurar que os prejuízos do BES “são absorvidos, em primeiro lugar, pelos acionistas e pelos credores daquele instituição e não pelo sistema bancário ou pelos contribuintes”.

O regulador esclarece que a medida se circunscreve a cinco tipos de obrigações seniores colocadas apenas junto de investidores institucionais, com uma denominação mínima de 100 mil euros. Esta seleção “fundamentou-se em razões de interesse público” e “protege todos os depositantes do banco, os credores por serviços prestados e outras categorias de credores comuns”.

A opção tomada pelo BdP alivia de facto os outros bancos portugueses. Ao que o i apurou, outra possibilidade em cima da mesa era a recapitalização ser assegurada pelo Fundo de Resolução, o organismo que detém o capital do NB desde a resolução e que é financiado com contribuições dos bancos em Portugal. Se fosse seguido esse caminho, teriam de ser feitas contribuições extraordinárias dos bancos do sistema, levando a um esforço adicional.

Contudo, explica o presidente da AT, Octávio Viana, a opção por um bail in obrigacionista apenas de investidores qualificados, salvaguardando os particulares, abre um “precedente” que será contestado em tribunal pelos grandes fundos de pensões e instituições financeiras. “É uma medida ilegal, que vai gerar litigância”, diz, explicando que os direitos de um investidor estão associados ao tipo de títulos, e não ao perfil de quem investe. “Não se pode tratar de forma diferente o que é igual”, sintetiza.

Estes investidores seniores foram salvaguardados de perdas em Agosto de 2014, quando foi feita a resolução do BES. Apenas os acionistas e os detentores de obrigações subordinadas ficaram sem o dinheiro. Agora, os obrigacionistas seniores arriscam a perdas severas porque a entidade que vai fazer os reembolsos não tem capacidade financeira para tal. O BES é atualmente um banco em liquidação, que está a tentar vender ativos para pagar aos credores, por ordem de senioridade.

Octávio Viana avisa que, tratando-se de fundos de pensões, de fundos de investimento e de grandes instituições financeiras, os investidores agora chamados a recapitalizar o BES têm grande poder de contestação jurídica, pelo que o volume de processos em tribunal contra esta operação deverá ser elevado.

O processo de separação de ativos do BES já gerou um elevado número de processos em tribunal a contestar a medida de resolução.

Um dos casos mais bicudos opõe as autoridades portuguesas ao Goldman Sachs, devido a um empréstimo de 752,5 milhões de euros que o banco norte-americano concedeu ao BES, através do veículo financeiro Oak Finance. Esse crédito foi inicialmente considerado um ativo do Novo Banco, mas transitou depois para o BES – o que levou os norte-americanos a avançar para tribunal, onde o processo ainda decorre.

No caso da separação decidida ontem, haverá ainda muitas dúvidas por esclarecer. “Parte dessa dívida é garantida pelo Estado Português. No mais que provável envolvimento dos credores seniores nos custos de liquidação do banco mau, o Estado será chamado a pagar. Temos novo “empurrar com a barriga” ou será que a dívida garantida pelo Estado fica no Novo Banco?”, escreveu no Facebook o economista Nuno Teles.

Também está por saber se haverá entidades públicas detentoras de obrigações que serão transferidas para o BES, que terão também de assumir perdas.

João Madeira – jornal i

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