terça-feira, 25 de agosto de 2015

O LABORATÓRIO AFRICOM – III




As culturas humanas em África diferenciam-se em função das regiões onde se regista a ausência secular de água, contrapondo-se àquelas onde há sua existência, podendo considerar-se no genérico:

- Uma vasta região transversal ao continente, que se destaca entre a Mauritânia (a oeste) e a Somália (a leste), com culturas de raiz nómada no Sahara, no Sahel e no Ogaden, com povos adaptados a capacitações de resistência aos desertos de tal ordem que essa nomadização faz tábua-rasa dos artificiosos limites impostos pelas potências coloniais em resultado da Conferência de Berlim, pois as fronteiras são por vezes rectilíneas e fáceis de transpor, por completa ausência de infra estruturas nas “areias de ninguém”.

Nesta região a densidade demográfica é muito baixa, as urbanizações são escassas e com pouca população, ocorrendo maiores concentrações populacionais ao longo de cursos de água como o Nilo (a leste) e o Níger (a oeste), ou ao longo da rica bacia do Mediterrâneo (desde o Marrocos a ocidente, ao Egipto a leste), ou junto das costas a ocidente (Mauritânia e Senegal), ou a leste (Egipto, Sudão, Eritreia, Etiópia, Djibouti e Somália).

Historicamente é uma região islamizada, (à excepção do Sudão do Sul, Eritreia e Etiópia) de tendência sunita, muito permeável a redes que tiram proveito da migração (quer em direcção à Europa, quer em direcção aos litorais africanos, quer em direcção ao centro-sul do continente), como do “jihadismo” financiado por alianças forjadas a partir de factores energético-financeiros que compõem a península arábica, particularmente a partir da Arábia Saudita e Qatar.

Enquanto houve Kadafi na Líbia, havia resistência a essa tendência, pelo que após o seu desaparecimento, a “colmeia” líbia atingida pelos golpes AFRICOM-NATO, tornou possível a disseminação das abelhas jihadistas pelo Sahel.

Kadafi havia-se distanciado do universo árabe dedicando-se mais a África, antes de desaparecer e até uma parte de sua guarda pessoal era formada por tuaregs, quer dizer, Kadafi foi um factor preventivo e dissuasor, que enquanto vivo impediu o jihadismo.

Conhecedor disso, na altura da gestação do AFRICOM, o seu destino foi marcado, desencadeando-se a oportunidade em 2011, pelo que de então para cá as “abelhas jihadistas” facilmente se vão dispersando por África!

- Uma vasta região equatorial-tropical de culturas mais sedentárias, que vivem sobretudo da agricultura de subsistência, da recolecção, assim como de franjas de criação de gado nos planaltos elevados, ou nas savanas de clima mais temperado.

Nesta região assiste-se a uma maior densidade demográfica, com uma malha político-administrativa mais densa, por vezes com enormes concentrações urbanas (a Nigéria é o maior dos exemplos) e com uma enorme biodiversidade (em muitas florestas equatoriais e de galeria é possível a recolecção).

É também uma região com maior diversidade geológica e mineral, o que faz aumentar as pressões em função dos interesses provenientes de fora do continente, que se procuram coligar com interesses e correntes locais.

A trilogia água-terra-subsolo, faz desta região, em especial no nó aquífero interior, quase central ao continente (nascentes do Congo, do Nilo e do Zambeze, mais os Grandes Lagos), uma região que tem sofrido conflitos permanentes, de difícil solução, de características étnico-tribais, a que se podem juntar conflitos em função da pressão “jihadista”, proveniente do norte e do leste, apesar dos “tampões” do Sudão do Sul, da Etiópia, do Uganda e do Quénia.

As características desses conflitos, por serem de natureza étnico-tribal, favorecem as pretensões ao redesenhar o mapa africano, numa espécie de “Conferência de Berlim a uma só voz”, a voz de quem tutela o AFRICOM-NATO!

Os povos desta região foram mais permeáveis à implantação de igrejas cristãs por influência da colonização europeia, com predominância do catolicismo por via das colonizações francesa, portuguesa, belga e espanhola e de protestantes, por via da colonização anglófona, alemã e holandesa, embora na costa do Índico, a leste e África do Sul, haja influências de religiões provenientes da Ásia (minorias importantes, inclusive de islamizados).

Os focos de tensão, conflito e guerra têm-se estendido de leste a oeste, da Somália à Nigéria, passando pelo Ruanda, Burundi, Kivus (RDC), República Centro Africana, Chade, Camarões e Níger, precisamente na região em que o Sahel se perde no Equador tropical.

Esses focos têm conseguido integrar religião e etnicidade, conforme o exemplo da única rebelião cristã, que atinge fundamentalmente o Uganda, o Lord Resistence Army (LRA), que afecta também a RDC, a República Centro Africana, o Sudão e o Sudão do Sul, onde possui santuários, tirando partido de outra confluência de fronteiras para garantir seus próprios “vasos comunicantes” (conforme à análise expressa por Theresa Whelan).

O LRA é um radicalismo cristão com base inicial no Sudão e dirigido contra o Uganda (que foi base de retaguarda do Sudanese People Liberation Front, SPLA, que esteve na origem da cisão do Sudão do Sul).

Com o Al Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI) mais implantado na África do Oeste, o Boko Haram opera na fronteira comum Nigéria-Níger-Chade-Camarões, o LRA, a leste desse foco e conforme acima referi, para se encontrar o Al Shaabad no Ogaden, afecando a Somália, o Quénia e a Etiópia e fazendo a ligação à implantação do Al Qaeda no Iémen.

As regiões de implantação dos agrupamentos, facilmente se constata em carta, despregam-se numa cadeia de leste a oeste, de modo a que entre cada um haja sensivelmente uma equidistância, sucessivamente de oeste para leste: AQMI-Boko Haram-LRA-Al Shaabad, o cinturão de desestabilização nos limites do Sahel com o Equador tropical.

A sul da região de actuação do LRA, está a complexa região quase central das grandes nascentes (Congo, Nilo e Zambeze) e dos Grandes Lagos (Vitória, Tanganika e Malawi), onde as convulsões permanentes assumem características étnico-tribais mais evidentes, pois estão relacionadas com disputas em relação à água, à terra e ao subsolo.

Em todos os casos há nexos dos factores físico-geográficos-ambientais com base na trilogia água-terra-subsolo, com os factores humanos, com os casos mais crónicos ali onde existem minerais raros (nos Kivus, a leste da República Democrática do Congo, RDC).

O facto da plataforma da RDC ser tão vulnerável a migrações humanas, permite que esse território central, seja uma base para a progressão em direcção sul, quer de migrações provenientes do Sahara e Sahel, muito em especial, quer de vínculos em conexão com o jihadismo.

Nesse aspecto, Angola é também território vulnerável, graças à sua imensa fronteira terrestre e marítima com a RDC.

Alguns analistas poderão em relação a Angola, ter um ponto de vista distinto, que contrarie essa conclusão, mas a experiência histórica de conflitos, obrigam Angola a toda a atenção, vigilância e cuidado!

Não passando despercebido o conjunto de fenómenos, verifica-se que o raio de acção de unidades militares dos Estados Unidos por via do AFRICOM, distendem-se precisamente nos países acima referenciados, desde o Mali, a oeste, até à Somália, a leste.

A oeste essas unidades militares encontram-se com unidades militares francesas no Mali, como no Níger, cabendo aos franceses a implantação de unidades militares no Senegal, nos Camarões e no Gabão, em suporte do tradicional “pré carré” estimulado pelo terrorismo que se volatilizou na sequência do ataque à Líbia, pondo fim à era de Kadafi.

A leste, o ponto de confluência franco-norte americano é em Djibouti, o que possibilita acessos desses dispositivos militares ao Golfo de Aden e Mar Vermelho, assim como às regiões afectadas pelo jihadismo no Ogaden e no Iémen, tal como ao “combate à pirataria” no Índico Norte.

A Arábia Saudita, graças à sua recente intervenção no Iémen, está a construir apressadamente uma base militar na ilha de Socotra, que pertence ao Iémen, mas está mais próximo da costa nordeste da Somália, na sequência de Puntland (território mais utilizado pela pirataria somali) no Índico.

As conflitualidades étnico-tribais têm sido estimuladas, garantindo a fragilidade das identidades nacionais e entrosando-se com as desestabilizações de ordem religiosa, algo que melhor possibilita a outra face da mesma moeda: o redesenhar do mapa sócio-político de África, ou seja uma nova Conferência de Berlim, versão neo colonial, não declarada e em relação à qual, a uma só voz, o AFRICOM-NATO têm muito a dizer!
  
Mapas:
1 – Países mais afectados pelas organizações terroristas de oeste a leste do Sahel e Ogaden;
2 – Países onde ocorre a presença militar norte-americana, por via do AFRICOM;
3 – Regiões afectadas pelas diversas organizações jihadistas, espalhadas sobretudo nos desertos do Sahara, Sahel e Ogaden.

A consultar (Martinho Júnior):

Oito polícias sul-africanos condenados hoje pela morte de moçambicano




Joanesburgo, África do Sul, 25 ago (Lusa) - Oito polícias sul-africanos foram hoje considerados culpados de homicídio pela morte de um homem moçambicano, que morreu após ter sido arrastado atrás de um veículo da polícia há dois anos, segundo a agência France Presse (AFP).

Mido Macia, taxista de 27 anos, morreu sob a custódia da polícia em fevereiro de 2013, depois de ser detido por ter estacionado o seu carro no lado errado da estrada.

Testemunhas filmaram o homem a ser detido, algemado à traseira de uma carrinha da polícia e arrastado centenas de metros pelo veículo em Daveyton, a leste de Joanesburgo.
Duas horas depois, foi encontrado morto na sua cela, numa poça de sangue.

O juiz Bert Bam, do Alto Tribunal de Petrória, condenou todos os agentes identificados no vídeo por homicídio.

Em sua defesa, os acusados alegaram que o taxista tinha resistido com violência à detenção e atacado um polícia.

O condutor da carrinha declarou que arrancou para escapar a uma multidão hostil que se tinha juntado no local, e que não sabia que o moçambicano estava algemado à traseira do veículo.

Descrevendo as alegações da defesa como "plenas de discrepâncias e improbabilidades", o juiz concordou com a acusação, que alegou que a polícia estava a "tentativa de ensinar uma lição ao falecido", por este ter insultado verbalmente o agente que o deteve.

Mido Macia estava a ser "detido ilegalmente" por uma violação de tráfico menor, afirmou o juiz, e estava por isso intitulado a resistir à sua prisão.

A vítima foi ainda agredida na sua cela, acrescentou, citando um relatório 'post-mortem' que encontrou extensas lesões na cabeça, lacerações e hematomas.

"Os ferimentos nos tecidos moles eram extensos e as contusões eram severas", afirmou, concluindo que "considerando todas as provas, é claro que o falecido foi agredido na sua cela".

Um nono acusado foi absolvido.

A polícia sul-africana é frequentemente alvo de alegações de brutalidade policial, mas condenações contra agentes são raras.

Os oito condenados vão conhecer a sua sentença a 22 de setembro e poderão ter que cumprir uma pena mínima de 25 anos na prisão.

RZA/APN //APN - Lusa

Moçambique. Líder da Renamo já recebeu convite para encontro sobre paz com ministro




O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, recebeu na segunda-feira à tarde um convite formal do Presidente moçambicano para "uma reflexão sobre a paz no país", disse à Lusa o porta-voz do principal partido de oposição, António Muchanga.

"Já recebemos um convite do Presidente da República [Filipe Nyusi] para um encontro de reflexão sobre a paz, o presidente (Afonso) Dhlakama irá responder ainda hoje", afirmou Muchanga.

O porta-voz da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) considerou o convite "muito vago", adiantando que o chefe de Estado não indica a agenda da reunião, nem a data e o lugar onde se quer encontrar com Afonso Dhlakama.

O convite for formulado depois de Filipe Nyusi ter dito no domingo que ia propor formalmente, na segunda-feira, um encontro com o líder da Renamo para discutir a paz no país, tendo o principal partido de oposição condicionado a reunião a uma agenda concreta.

"Se for um encontro para um chá, o presidente da Renamo dispensa, porque ele tem açúcar quanto baste. Só irá acontecer a reunião se houver uma agenda concreta", afirmou na segunda-feira, em declarações à Lusa, António Muchanga.

O porta-voz da Renamo declarou também que o partido suspendeu a sua participação no diálogo de longo-prazo que mantém com o Governo, devido à alegada falta de seriedade por parte do executivo moçambicano.

"A Renamo está a implementar a decisão [anunciada na sexta-feira por Afonso Dhlakama] de suspender as negociações com o Governo por falta de seriedade", afirmou António Muchanga.

O Gabinete de Informação, adstrito ao gabinete do primeiro-ministro moçambicano, comunicou, também na segunda-feira, o cancelamento da sessão das negociações entre o Governo e a Renamo, sem especificar as razões do adiamento.

Na semana passada, as duas partes realizaram a 114.ª ronda do processo negocial, entrando no ponto sobre "questões económicas", o quarto da agenda, sem terem conseguido acordo em relação ao tema mais importante das negociações, que tem a ver com o desarmamento do braço armado da Renamo.

No âmbito das negociações, iniciadas em abril de 2013, as duas partes chegaram a acordo sobre a aprovação de um novo pacote eleitoral, assinaram o entendimento sobre o fim das hostilidades militares e aprovaram um acordo sobre a despartidarização do Estado.

A Renamo não reconhece os resultados das últimas eleições gerais ganhas oficialmente pela Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e exige governar nas províncias onde reivindica vitória, sob ameaça reiterada de tomar o poder pela força.

Nas últimas semanas, as partes têm estado envolvidas em confrontos na província de Tete, os últimos dos quais, segundo a Polícia da República de Moçambique, no sábado, com cinco emboscadas atribuídas a homens armados da Renamo contra uma unidade policial.

Num encontro com desmobilizados da Renamo na sexta-feira em Quelimane, Zambézia, o partido de oposição anunciou que ia criar um novo quartel para o seu braço armado nesta província e reiterou a sua intenção de criar a sua própria polícia.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Guiné-Bissau. Organizações da sociedade civil apelam à desobediência civil




Organizações da sociedade civil da Guiné-Bissau apela para uma paralisação total do país na quarta-feira para responder ao que considera serem "decisões erradas" do chefe de Estado, José Mário Vaz, por este ter demitido o Governo saído de eleições.

Em declarações à imprensa hoje à saída de uma audiência com o líder do Parlamento guineense, Luís Nancassa, porta-voz das organizações da sociedade civil, referiu que todo o dia de quarta-feira deve ser marcado por uma "desobediência civil" na Guiné-Bissau.

Porta-voz da Aliança Nacional para Paz e Democracia na Guiné-Bissau, plataforma criada por organizações da sociedade civil para fazer face à crise política no país, Nancassa afirmou que o apelo é extensivo aos transportes públicos, comércio e serviços.

"Tudo o que podermos paralisar será paralisado, queremos até que o mercado se feche, que os transportes não circulem, que os trabalhadores fiquem em casa", observou Luís Nancassa.

Segundo Nancassa, o povo guineense deve demonstrar a José Mário Vaz que, tal como teve forças para o eleger como chefe de Estado, pode da mesma forma posicionar-se para o contestar.

As organizações da sociedade civil faltaram hoje a uma audiência solicitada pelo Presidente guineense.

"Não fomos porque entendemos que não devemos ir", referiu Nancassa, explicando que Vaz "virou costas a todo mundo e agora quer que fossemos lá fazer o quê".

A sociedade civil não pode aplaudir "os maus atos" do Presidente, acrescentou.

A sociedade civil faltou, mas, ainda assim, José Mário Vaz reuniu-se com os embaixadores, representantes das missões internacionais sedeadas em Bissau e diretores dos bancos comerciais.

A todos pediu apoios para o futuro Governo, a ser criado, para ser dirigido por Baciro Djá, primeiro-ministro por si indigitado.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Murade Murargy: “Temos de ter paciência com a Guiné Equatorial” - entrevista



NUNO RIBEIRO - Público

Secretário executivo da CPLP relativiza a dissolução do poder judicial na Guiné Equatorial e apela ao bom senso na Guiné-Bissau para sair da crise.

O secretário executivo da CPLP relativiza a dissolução do poder judicial no país presidido por Teodoro Obiang. Refuta as acusações de envolvimento na operação Lava Jato e defende que Lula da Silva é "do ponto de vista humano, e na perspectiva de africano, um grande amigo de África".

Não esconde as divergências com a diplomacia portuguesa sobre o regime de Malabo. Estabelece mesmo uma diferença entre o ministro Rui Machete e o seu secretário de Estado da Cooperação, Luís Campos Ferreira, face à Guiné Equatorial. O moçambicano Murade Murargy regozija-se por não ter consentido a dependência da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), da qual é secretário executivo, em relação a nenhum Estado-membro, ou seja, Portugal.

PÚBLICO: A Guiné Equatorial entrou há pouco mais de um ano como membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Qual é o balanço que faz como secretário executivo da CPLP?

Murade Murargy: É positivo, esse aspecto foi analisado na última reunião do conselho de ministros da CPLP de Díli [23 e 24 de Julho]. Face aos últimos relatórios apresentados, o conselho de ministros considerou positiva a entrada da Guiné Equatorial na nossa comunidade. Não poderíamos esperar outra coisa, porque um processo de integração é bastante complexo. A Guiné Equatorial é um país que não tinha a língua portuguesa como oficial, há uma série de valores que não eram partilhados, para o país, era um processo de iniciação. Tinha de se organizar para ter instituições que pudessem fazer o acompanhamento da integração, razão pela qual as autoridades da Guiné Equatorial propuseram uma série de protocolos de cooperação com a CPLP, o secretariado e os Estados membros, tendo em vista acelerar a sua integração plena. O balanço feito em Díli, através das informações do embaixador e também da constatação no terreno - estive na Guiné Equatorial em Junho - foi positivo. Informei o conselho de ministros que a Guiné Equatorial está empenhada. Quando vou lá, não me encontro apenas com o Presidente [Teodoro Obiang], uma das pessoas que estão mais empenhadas na integração e no cumprimento do seu compromisso político para com a comunidade.

Sendo assim, que pensa do decreto presidencial de Obiang, de 20 de Maio, que dissolveu o poder judicial?

São questões internas que eu não …

Internas? Nos estatutos da CPLP está prevista a cooperação dos Estados na Justiça, referem-se Estados democráticos com separação de poderes, não com dissolução do poder judicial. Isto não é normal.

Pois, não me envolvi nesses aspectos porque não tive conhecimento.

Quando teve conhecimento?

Através dos órgãos de comunicação, não tive uma notificação pelos órgãos competentes.

Os seus diplomatas no terreno não o informaram?

Não me informaram.

Não tinham que o fazer?

Não. Não foi uma questão de grande dimensão, como estamos a pensar.

Considera esta uma questão menor?

É uma questão interna da governação da Guiné Equatorial. Nós estamos a apoiar a Guiné Equatorial na sua integração [na CPLP]. Esse é que o ponto fundamental. Não vou considerar a situação, nem sei do que se trata, não sei que tipo de solução foi feita, não sei.

O ministro Rui Machete considerou esta situação negativa. Qual é a sua posição?

É a apreciação do ministro português.

Não faz a sua?

Não, porque não tenho conhecimento. Não me pronuncio sobre coisas de que não tenho conhecimento.

Não sabia que Malabo dissolveu o poder judicial?

Só através dos órgãos de comunicação.

O chefe da diplomacia portuguesa considerou insuficiente o acompanhamento pela CPLP do cumprimento do dossier dos Direitos Humanos na Guiné Equatorial. Diz-me que Malabo está a evoluir favoravelmente e que não podia ser de outra maneira. Em que ficamos?

Não sei qual é base do ministro Machete. Ele não esteve em Díli, não ouviu a informação completa, contrariamente ao seu secretário de Estado [Luís Campos Ferreira, secretário de Estado da Cooperação] que ouviu o relatório do embaixador e manifestou a sua opinião. Não houve uma opinião negativa do representante de Portugal no conselho de ministros de Díli. Disse que o processo estava evoluindo, que tínhamos de apoiar a Guiné Equatorial, mas não de uma forma negativa, não sei se foi isso que o ministro Machete disse ou não…

Está a duvidar?

Não estou a duvidar.

Suscita-lhe algum comentário o facto de, nestes 12 meses nos quais a Guiné Equatorial é membro de pleno direito da CPLP, não ter havido a legalização de novos partidos ou o regresso de exilados, e de continuar a prática de confinamento dos opositores?

Para mim, essas são as perguntas de quem não quer ir ver a situação no terreno. Eu convido as pessoas a deslocarem-se e depois de verem o que se passa no terreno é que deviam falar e fazer os seus comentários. Não é só a Guiné Equatorial, muitos outros países têm as mesmas situações. Porque não nos preocupamos com eles? Mesmo na nossa comunidade. Não vou citar países, mas sabe e eu também. Tenho estado permanentemente lá [Guiné Equatorial], estive com uma delegação empresarial portuguesa e, ao contrário do que escreveram no PÚBLICO de que havia empresários com uma visão negativa, eles voltaram com uma opinião totalmente diferente ao que se diz.

Tem estado regularmente em Malabo e nunca indagou as autoridades e o presidente Obiang com quem fala pessoalmente das questões dos Direitos Humanos?

Não baseio as minhas informações no que a imprensa fala. Se pegasse em tudo o que a imprensa fala, passaria o tempo só a fazer indagações.

Então, que exemplos concretos pode dar da melhoria da situação?

Temos lá embaixadores de vários países. A embaixada do Brasil deu informações de que não havia presos políticos, como se diz cá fora. Mas, para mim, a questão de fundo é que temos de ajudar a Guiné Equatorial a melhorar a sua governação. Agora, pegar em coisas que fazem parte do seu passado, para mim não é importante.

E as coisas do presente?

As coisas estão a melhorar, estão. Mas qual é o problema que vocês têm com a Guiné Equatorial? Pelos vistos há um problema. A Guiné Equatorial entrou na CPLP com um compromisso, estamos a seguir a evolução da situação interna, está evoluindo. Tem cooperação com Portugal, com o Brasil, com todos os países da língua portuguesa.

O que ganhou a CPLP com a entrada da Guiné Equatorial? Houve mais investimentos de países da CPLP?

O primeiro país é Portugal que está a fazer comércio com a Guiné Equatorial.

Quais são os países que, neste momento, mais lá investem?

O Brasil e Portugal, e a Guiné Equatorial tem missões empresariais em Moçambique, está a investir em Moçambique. A Guiné Equatorial quer investir em Portugal mas pelas questões que existem e que têm de ser ultrapassadas…

Que questões?

As questões dos direitos humanos de que tanto fala a imprensa. Eles [Guiné Equatorial] queriam entrar como accionistas no Banif mas fez-se tanta guerra contra isso que se retraíram. Disseram que não vale a pena, vamos ver até ao momento oportuno. Neste momento, a Visabeira está em negociações para entrar na Guiné Equatorial, com as telecomunicações, com a hotelaria. Há outras empresas portuguesas, na agricultura, que estão a entrar.

Tem conhecimento de queixas de empresários espanhóis, italianos ou franceses de que os seus investimentos dependem de associações com familiares do Presidente Obiang?

Não tenho conhecimento disso.

Sabe se a empresários do universo da CPLP são sugeridas associações com pessoas próximas do Presidente Obiang?

Não tenho conhecimento.

Como está o ensino do português na Guiné Equatorial?

Está a correr bem. O Brasil está muito envolvido, Portugal também. Os outros países [da CPLP] têm tantos problemas internos para resolver…

Em que língua é que fala com o Presidente Obiang?

Falamos em português. 

E demora muito tempo?

Ele mantém uma conversa, estive com ele uma meia hora a falarmos em português. Aliás, num círculo, eu, o Presidente Trovoada e o Obiang, os três juntos, a conversar. Tínhamos começado em francês porque estavam lá os presidentes do Congo, da Guiné-Conacri e do Togo, mas quando eles se retiraram, e não nos demos conta, ficámos os três da língua portuguesa a falar em francês. Então, o Presidente de São Tomé deu-se conta e voltámos a falar em português.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, disse que o seu país quer aproveitar a presidência rotativa do conselho de ministros da CPLP em 2016 para voltar aos princípios fundadores, em especial a língua. O que pensa?

Não concordo. A CPLP não pode ficar parada no tempo, isso significa ficar parado no tempo, isso é nostalgia.

A língua é nostalgia ou um veículo comum?

A língua é um veículo comum, mas temos de evoluir. Que a CPLP fique, apenas, a dormir sobre a língua é, para mim, nostalgia. Língua, língua, língua... E depois da língua o que há? A CPLP tem de ser um pouco mais que isso. A CPLP tem de se aproximar dos seus povos, de desenvolver projectos de cooperação que visem melhorar as condições de vida dos nossos povos. Temos o dever e a obrigação de difundir a língua, mas não devemos ficar parados aí. Hoje, o português é uma língua de negócios. Porque é que os japoneses e os chineses aprendem português? Para fazer negócios connosco. Nos contratos com os chineses, por exemplo, há uma versão em chinês, outra em português e uma terceira em inglês, que serve, mais ou menos, de árbitro. Quando não encontramos uma terminologia comum. O português é uma língua da ciência, da tecnologia, da inovação, não só a língua do Camões. Temos de explorar todas estas vias que a língua portuguesa nos oferece e não ficar parados no idioma, idioma, idioma. Só isso não dá.

Mauro Vieira diz, também, que não se deve transformar a CPLP numa organização comercial e económica e que deve ser um espaço de consensos políticos e cooperação. O que pensa?

Concordo, mas não devemos ficar parados aí. Consensos políticos e cooperação muito bem, mas temos de ver a componente empresarial, a sociedade civil tem de ser desenvolvida, tal como a participação dos povos. Temos de nos aproximar através de várias acções.

Então, esta visão do ministro brasileiro é limitada?

É limitada, é limitada. Se é isso que ele pensa, é limitada. Não digo que seja positiva ou negativa, mas que devia ir mais além.

A CPLP deve ancorar-se nas relações económicas em detrimento do apoio e consolidação das estruturas democráticas dos Estados membros?

A CPLP tem os seus princípios e valores que são sagrados. Estado democrático, princípios humanos e liberdade de expressão, disso não abdico. Mas quem está na berlinda é a Guiné Equatorial e temos de fazer com que a Guiné Equatorial enverede pelos nossos princípios.
Com pouco êxito…

A Guiné Equatorial só tem um ano na CPLP.

E ao fim de um ano dissolve o poder judicial…

É um processo que vai levar tempo, o seu tempo. Temos de ter paciência.

Paciência ou cumplicidade?

Paciência, não é cumplicidade, temos de ter paciência. Apoiar, foi por isso que o conselho de ministros decidiu nomear Ramos Horta para fazer o acompanhamento, aconselhar quais os caminhos a seguir.

Como é possível construir algo de novo, objectivo fundador da CPLP, mantendo práticas de antanho como o desrespeito dos direitos humanos?

Mas não há desrespeito dos direitos humanos.

O que é a dissolução do poder judicial? Que garantias dá um Estado quando não tem tribunais independentes?

Nunca fui interpelado sobre esta questão por um Estado membro da CPLP. Foi uma situação que pode acontecer em qualquer dos Estados membros.

Espero que não.

Espero que não, também.

Tenho a certeza que isso em Moçambique não vai acontecer.

Também acho, mas a Guiné Equatorial é um país ainda frágil, frágil, tem instituições frágeis e temos de compreender, entender e apoiar. É um país que se está a organizar, a caminhar com muita dificuldade, temos de lhe dar a mão e não abandoná-lo. Não sou pela política do abandono, pela crítica pela crítica, mas pela crítica construtiva, fazer isto e aquilo. Isso temos dito. Agora, não vou entrar com violência e dizer ao Presidente [Obiang] porque dissolveu o poder judicial…

É uma pergunta a fazer?

Há maneiras de dizer as coisas para nós, diplomatas.

E já disse?

Já disse. Não tenho que dar dados concretos.

Em Angola, o Governo fala de actos preparatórios da tentativa de deposição do Presidente José Eduardo dos Santos. Como vê a situação?

Só assumo posições em função das decisões dos Estados membros da CPLP. Não assumo posições individuais.

Esse é o mesmo critério em relação às preocupações sobre a Guiné-Bissau?

Temos lá um representante que nos informa e estamos em concertação com outras quatro organizações internacionais – Nações Unidas, União Africana, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e União Europeia. O que comuniquei quando o nosso representante disse que a situação estava difícil, que os poderes, o primeiro-ministro, o Presidente e o parlamento não se estão a entender, é que não podemos desiludir a comunidade internacional que considera a Guiné Bissau no bom caminho. Que a instabilidade vai criar problemas de credibilidade internacional quando o dossiê Guiné-Bissau estava no bom caminho. A comunidade internacional pode deixar a Guiné-Bissau de lado e preocupar-se com outras questões.

Esta sua posição não é mais interveniente do que em Angola ou na Guiné Equatorial?

São situações concretas, estou a falar porque na Guiné Bissau os parceiros internacionais falam a mesma voz, não é uma posição, apenas, de uma organização, mas de cinco, incluindo a CPLP.

A revista brasileira Veja referiu o seu envolvimento na operaçãoLava Jato, quando era embaixador de Moçambique no Brasil. Refuta as acusações?

Perfeitamente. Refuto redondamente. Estive no Brasil como embaixador de Moçambique e, como embaixador, tive contactos com todas as autoridades, com os presidentes Lula, Fernando Cardoso, Itamar Franco, com todos os poderes e partidos políticos. O meu papel como embaixador de Moçambique era seguir o nosso lema – fazer mais amigos e atrair investimentos. Foi o que fiz. Contactei todas as empresas. Mas não estou a ser investigado, estou a ser citado porque falei com Lula, o que é natural.

Com a sua experiência brasileira como vê as acusações a Lula da Silva?

Não me quero envolver na situação interna de um país.

Mas surpreenderam-nos as acusações, do ponto de vista humano?

Do ponto de vista humano, e na perspectiva de africano, o Lula é um grande amigo de África. Desenvolveu uma grande relação política, económica e comercial com África e o Brasil, as empresas brasileiras beneficiaram imenso com os projectos em África. O Brasil é hoje visível em África graças a Lula. Os projectos de bolsa-família que ele introduziu nos nossos países – em Moçambique temos o bolsa-escola, o ensino à distância com o apoio do Brasil, outros projectos sociais, a fábrica de anti- retrovirais – e em outros países africanos foram importantes. Como africano é assim que vejo o Lula, internamente são os brasileiros que têm de julgar, não eu.

Tem uma longa trajectória política, já está reformado. Como encara os casos que suscitam dúvidas sobre o comportamento ético dos políticos?

Falo como político e diplomata. Muitas vezes somos pessoas incompreendidas. As nossas acções são incompreendidas e, muitas vezes, confundidas com acções marginais. Se promovo uma empresa do meu país para que se internacionalize faço um crime?

Se receber luvas por isso, faz.

Mas quem garante que recebo luvas? Eu promovo a empresa, não recebo luvas nenhumas. Se tivesse recebido luvas era um homem rico, não sou. Falo como político. Agora, aqueles que se beneficiaram de uma forma indevida desses processos, lá está a Justiça para isso, não me oponho. A Justiça está para julgar, vai demorar o seu tempo, mas está lá. São os órgãos competentes de cada país que vão julgar se há crime ou não há crime. Para isso estão os tribunais.

Em 2016 termina o seu cargo como secretário executivo da CPLP. Qual gostaria que fosse o perfil do seu sucessor?

Quando vou para um posto não vou com a intenção de destruir o que outro fez, ou de pôr em causa o que outro fez. Faço as correcções que tiver de fazer, mas continuo a obra. No caso da CPLP, gostaria que quem viesse tivesse a visão de uma CPLP de que todos nos orgulhemos, de uma CPLP de cidadãos de todos os países. Não uma CPLP alienada a um ou outro país, uma CPLP que consiga manter a sua independência, como eu tentei fazer. Apesar de estar em Portugal, nunca aceitei que a CPLP estivesse dependente de qualquer dos Estados membros. Procurei dar uma personalidade à CPLP.

Apesar de estar em Portugal, nunca permitiu que a CPLP ficasse dependente de Portugal?
Nunca, nunca.

Existiu essa tentativa?

Não sei, mas mantive uma linha de independência total. Qualquer relação minha e desta casa com Portugal é através das pessoas próprias, a representação permanente de Portugal perante a CPLP e o embaixador de Portugal que apresentou credenciais. Esse é que é o meu interlocutor, não um director ou quem quer que seja para interferir no meu trabalho.

Nenhum ministro de governo português…

Não, não, há os mecanismos próprios.

Sente-se incomodado quando ministros portugueses manifestam opiniões sobre a CPLP?

Não tem problema. São contribuições que podem ser ou não ser construtivas. Mesmo essa declaração do ministro Machete [considerar negativa a dissolução do poder judicial na Guiné Equatorial], tirando esse aspecto, achei positiva.

À excepção da Guiné Equatorial?

Talvez não tenha sido bem informado. De toda a maneira, fez declarações importantes para o avanço da CPLP, admite que a CPLP tem de ser muito mais que a língua.

Escreve segundo o acordo ortográfico?

Sou indisciplinado. Misturo.

Que horror.

Não, escrevo pelo antigo.

JUSTIÇA ANGOLANA DURAMENTE CRITICADA NO CASO MAVUNGO




A representante do Ministério Público alegou não ter domínio do processo. Segundo ela, só o sub-procurador-geral em Cabinda está em condições de conduzir a acusação. Porém, ele foi chamado a Luanda.

Em Cabinda, foi adiado para amanhã, quarta-feira (26.08), o julgamento de Marcos Mavungo. O ativista angolano está detido desde março, por ter organizado uma manifestação anti-governamental no enclave.

Na audiência desta terça-feira (25.08), a representante do Ministério Público, Elisa Mapontes, declarou que não dominava o processo. E informou que só o sub-procurador-geral da República em Cabinda, António Nito, pode conduzir a acusação.

O argumento da magistrada - que não foi possível gravar porque os jornalistas não foram autorizados a fazer a cobertura do julgamento - não agradou à equipa de defesa de Marcos Mavungo.

Francisco Luemba, um dos advogados do ativista, fala em "manobras dilatórias".

"Nós opusemo-nos, porque já em março quando o arguido estava para ser julgado em processo sumário houve uma manobra idêntica do Ministério Público, que disse que não tinha o domínio do processo e que quem tinha era a colega. E uma vez que a colega estava impedida, só isso é que tinha determinado a sua presença na audiência e hoje é o inverso."

Questionado sobre a possibilidade de um novo adiamento ocorrer também na quarta-feira(26.08), Francisco Luemba respondeu: "Se não aparecerem eu acho que eles já não poderão usar o mesmo argumento. Está decido que amanhã às 10 horas a audiência vai prosseguir. Nós esperamos que amanhã a essa hora todas as condições estejam reunidas para que a audiência possa ter lugar."

"Peça teatral"

Rúl Danda, o líder da bancada parlamentar da UNITA, o principal partido da oposição, foi um dos amigos do acusado que esteve no tribunal para assistir ao início do julgamento. Para ele, o adiamento do julgamento já era previsível por se tratar de uma "peça teatral".

O líder da UNITA diz: que " já a adivinhar as coisas, escrevi na minha página do Facebook que quem estivesse interessado em ver teatro era só vir aqui. E, de facto, o que vimos aqui foi uma peça teatral, das piores que já vi na minha vida. Estávamos todos à espera que se fizesse um julgamento decente, porque achamos que não se pode privar de liberdade alguém nestas condições."

Elias Isaac, diretor-geral da Open Society em Angola, que também esteve presente nas instalações do tribunal de Cabinda esta terça-feira (25.08), afirmou estar desiludido com a justiça do país que, na sua opinião, está completamente sob alçada do poder político.

"Eu não assisti a nenhum julgamento, assisti a uma encenação, porque a impressão que tenho ao sair desta audiência é que o nosso sistema de justiça está completamente deficiente. É um sistema de justiça que não protege a lei, que não protege o cidadão, porque sentimos que o Ministério Público praticamente está a deriva. Não consegue assumir as suas responsabilidades para que o Marcos Mavungo tenha o fim deste martírio."

Secreta em peso no Tribunal

O Tribunal Provincial de Cabinda esteve vigiado por um forte aparato policial e dos serviços secretos. Na sala de audiência, quase todos os que conseguiram entrar fazem parte dos serviços secretos angolanos.

Sentado no banco dos réus, Marcos Mavungo, de 52 anos, aparentava tranquilidade, apesar de estar debilitado fisicamente. Raramente reconhecia as pessoas.

Vários ativistas de organizações dos direitos humanos, amigos e familiares do arguido foram ameaçados e impedidos de assistir ao julgamento.

A polícia tentou realizar algumas detenções, mas sem sucesso devido à revolta popular que se verificou à porta do tribunal. A imprensa também não foi poupada. Enquanto falava com um dos advogados, a DW África foi obrigada a interromper a entrevista.

Nelson Sul D'Angola (Cabinda) – Deutsche Welle

GOLPE DE ESTADO NA GUINÉ-BISSAU - opinião



Saliatu da Costa

"Dentro de todas as razoabilidades, mais uma se desperdiçou, num conceito totalmente distorcido do que é um Estado, um povo, uma democracia e acima de tudo, do que é digno!

Num país como a Guiné-Bissau, onde se assassinou o Amílcar Cabral, pai da nacionalidade guineense, onde o movimento reajustador 14 de Novembro ergueu-se de razão e caiu de ressentimento, onde levantou-se um conflito armado que ceifou vidas inocentes à medida de dois prepotentes que não resistiram ao “Polon di Brá”, pois ainda abanam os ramos da sua árvore para de história nos valer; num país de sucessivos golpes e contragolpes de estado, onde jamais um governo conseguiu cumprir o seu mandato, onde a força da arma foi sempre preponderante; numa Guiné-Bissau onde a fome e a ignorância são impeditivos da edificação da democracia, o povo se esquivou de todas as incidências e pela 1ª vez acreditou numa viragem de páginas que até aqui só deixaram lamúrias e amarguras.

Das águas de Cacheu, o afamado congresso pescou um graúdo, o Eng. Domingos Simões Pereira, constituindo um grande trunfo para o partido e um acasalamento perfeito, partido-DSP, DSP-partido, uma posição cobiçada por muitos, que poucos merecem. De Cacheu também adveio um partido fragmentado, sem dono, dentro do qual a disputa de outrora sobreviveu de parte à parte e nasceram as novas incongruências que os veteranos, na qualidade de apaziguadores ou conselheiros da morança, podiam atenuar, provavelmente se fossem ouvidos, ou melhor, mesmo que não.

Não citando os atropelos à vista da exposição, os três órgãos de soberania da nação desenvolveram uma relação catastrófica em apenas um ano de mandato, onde se identificaram com a mediocridade da Mídia, para complicar, numa situação que alarmou o povo.

Ora vamos por pontos:

Um estratégico governo inclusivo, longe de ser dos melhores, mas provavelmente o único com as possibilidades de concluir o mandato, sendo de uma poderosa integração de sensibilidades políticas quer do PAIGC quer da oposição parlamentar, extraparlamentar, da Sociedade Civil e ainda da Diáspora.

Um ano desgastante de governação, não isoladamente pelos défices advindos da transição, outrossim pelas aquarelas entre os três órgãos da soberania.

Desgastou-se o governo com amiúdes e amadorismo de parte à parte, e consecutivamente, uma aparente fragilidade, depois da atuação do Ministério Público, ainda que não encomendada (…), quiçá (?), mas um pouco duvidosa por um ataque claro aos membros do governo e sua exposição à imagem do caso Sócrates em Portugal. Um ressalvo importante: ninguém se posiciona sobre a lei; espera-se sim que a posição da lei se horizontalize.

Dos ruídos da remodelação e o timing certo para o chefe do Governo, mais fragilidade ainda, sim, o governo se fragilizou. Há quem diga que foi teimosia do 1ºMinistro, eu assumo pensar que tinha uma estratégia que passava por não implementar grandes remodelações que a olhos dos potenciais parceiros ou doadores da mesa redonda, desencadearia um questionamento quanto à seriedade do Governo, ou; como ele disse e bem: “deixar a justiça seguir o seu rumo”, ou ainda, com uma clara noção de engendramentos para aniquilá-lo, um posicionamento à revelia, quem sabe! Pois é, ao gato escaldado que da água fria foge, o povo no caso concreto, não lhe interessa argumentos, senão se distanciar dos condenados na praça pública, sem uma transição em julgado.

O Presidente
da República que de actos e trancos se posicionou na oposição do governo, eis que não desperdiçou nenhuma tacada, mas falhou, cedendo oportunidade para fantasmas do passado …

Uma mesa redonda com sucesso, 1 ano de governação e aparente melhoria a olhos nus, a recuperação da credibilidade diante de parceiros internacionais e uma avaliação positiva da FMI, sem falar na moção de confiança da Assembleia da República, e o Presidente da República, ao ´ignore´ de tudo e todos, exonerou o governo ao fim de um ano de mandato, e sinceramente, num decreto vago e escrito por quem só quis assassinar politicamente o Presidente da República, aquele que eu orgulhosamente dizia, “meu Presidente”, que para mim, era dos políticos mais promissores da Guiné-Bissau. E não é que o próprio entourage do Presidente acabou isolando-o inclusive dos seus aliados mais próximos.

Os nossos constitucionalistas, com os pesos e medidas ao critério de cada fartura, invocam a constituição e a normalidade, quando muitos como eu, pouco letrado, também lemos e interpretamos claramente o que diz a constituição, relativamente às prerrogativas do Presidente da República, que até é facilmente percetível. Ora respondam-me: A Guiné-Bissau, o país, apresentava uma crise grave antes da queda do governo? Atenção, não disse crise primário de relacionamentos entre as figuras do estado.

Num procedimento totalitário, o Presidente da República nomeia Baciro Dja o novo 1º Ministro, quando os parceiros e a comunidade internacional equacionavam as hipóteses de uma resolução pacífica dentro dos parâmetros da lei, com um agravante, à desconsideração da posição da maioria parlamentar.

Se para alguns dos nossos constitucionalistas, até aqui não se pode falar na inconstitucionalidade do decreto presidencial que nomeie o novo primeiro-ministro, eu pergunto: onde está o sentido de Estado, onde se esquivou a coerência e o amor à Pátria. Porque realmente, é preciso uma carga de coragem para chegar onde chegamos?

Ao reluzir de um amanhecer prometedor, espeta-se o punhal no coração de um povo esperançoso e adia-se um futuro para todos nós.

Vai-se formar um governo melhor, sem dúvida, à semelhança do ego… Espera-se que nos regozijemos e aplaudimos, quem sabe assim será, mas, constará para a nossa história como mais uma traição aos eleitores, ao povo da Guiné-Bissau; mais um marimbar na vontade do povo, que com fome e esgotado acaba por sucumbir.

A Guiné-Bissau perdeu a oportunidade de ver a sua imagem dignificada com um dos seus filhos mais capacitados: Engenheiro Domingos Simões Pereira.

Nada pessoal contra o Senhor Baciro Dja, que considero um senhor até dinâmico a nível partidário e fazedor de massa popular, mas não entendo como ele pode prosseguir com os desenvolvimentos até aqui programados, não entendo que bases temos nele para uma credibilidade perante os parceiros internacionais, não entendo um cem número de incongruências, não entendo…Golpecracia!

Quando começou-se a ver um Primeiro-Ministro com um conceituado programa de desenvolvimento para a Guiné-Bissau, um Primeiro Ministro que dignifica a nossa imagem em todos os quadrantes, nós optamos por aniquilá-lo de forma mais vil, sendo de momento o político mais admirado, capacitado e conceituado na e da Guiné-Bissau pelo mundo fora... E é assim que dentre maiores fracassos, figura o PAIGC como um antro de traidores, uma atração de mediocridades que do seu bureau político apresenta um número exorbitante de membros, à semelhança do Partido Popular de China, e pior, sem brio.

Irmãos guineenses, pela pátria, esperemos que cedo ou tarde se permita ao DSP actuar em prol do desenvolvimento, pois com a sua visão, só mesmo ele.

Não obstante respeitar os outros órgãos da soberania, eu contínuo pelo DSP e pela Guiné-Bissau, e é exactamente pelo meu país que endereço aqui o meu profundo obrigado ao Engenheiro Domingos Simões Pereira.

Saliatu da Costa, em Ditadura do Consenso

Guiné-Bissau. Parlamento aprova resolução que pede ao PR para exonerar novo PM




O parlamento da Guiné-Bissau aprovou hoje uma resolução proposta pelo PAIGC para que haja um recuo na nomeação do novo primeiro-ministro, Baciro Djá, e a escolha de outro nome, em conjunto com o Presidente da República.

Dos 102 deputados eleitos, 79 estavam presentes no hemiciclo e 75 votaram a favor, registando-se quatro abstenções: três da bancada do Partido da Renovação Social (PRS) e uma do Partido da Nova Democracia (PND).

De acordo com a proposta aprovada, a Assembleia Nacional Popular (ANP) "discorda do Decreto Presidencial n.º 06/2015", que nomeia o novo primeiro-ministro.

Nesse sentido, a ANP recomenda "às lideranças dos partidos políticos representados na Assembleia" continuarem a "envidar esforços no sentido de, em conjunto, avançarem com propostas de solução" ao Presidente da República, refere o documento.

Essa solução terá que passar por dois pressupostos: o Presidente deverá "exonerar" Baciro Djá, nomeado e empossado na quinta-feira e "nomear um novo primeiro-ministro, indicado pelo PAIGC, partido vencedor das últimas eleições" e com indigitação "precedida de consultas com as formações políticas representadas da ANP".

O documento prevê que o parlamento venha a "garantir todo o apoio e colaboração institucional ao Governo constituído com base nos [dois] pressupostos".

A resolução lança ainda "um apelo a todos os órgãos de soberania" para que seja assinado "um pacto de estabilidade".

LFO/MB // CC - Lusa

Guiné-Bissau: Rádio estatal deixa de transmitir debates parlamentares




A Rádio Difusão Nacional (RDN) da Guiné-Bissau deixou hoje de transmitir em direto os debates no Parlamento, facto classificado como "uma situação grave" pelo presidente do Parlamento da Guiné-Bissau, Cipriano Cassamá.

Técnicos da estação desmontaram equipamento, disse à agência Lusa o secretário-geral da Assembleia Nacional Popular (ANP), José Carlos Fonseca.

De acordo com aquele responsável, um repórter da RDN transmitiu-lhe que tinha ordem para não transmitir o debate em direto, ao contrário do que tem sido hábito e do que prevê o regimento do órgão.

A situação aconteceu no dia em que os deputados estão reunidos de emergência para debater a situação política do país e em que o novo primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Baciro Djá, nomeou novos diretores para a RDN e para a Televisão da Guiné-Bissau.

"É grave a situação que estamos a viver", referiu Cipriano Cassamá, presidente da ANP ao intervir perante os deputados, no arranque da sessão extraordinária do Parlamento, a propósito de a RDN deixar de transmitir a sessão.

"De acordo com o regimento, a nossa sessão é difundida. Mas hoje a nossa instalação foi violada", referiu, fazendo referência aos elementos que "desmontaram tudo".

"Hoje não vamos com certeza estar em direto com a Rádio Nacional, mas a mesa [da Assembleia] assumiu contatar rádios privadas" para a sessão ser transmitida a nível nacional, através de outras estações.

Califa Soares Cassamá, que assumiu hoje funções como diretor da RDN, negou à Lusa que tenha havido ordens para a RDN deixar de transmitir o debate.

"O que estava previsto era montar o equipamento da ANP na Presidência da República para transmitir a tomada de posse do Governo", apesar de ainda não haver data marcada, referiu.

Questionado sobre o facto de, ainda assim, o debate em curso não estar no ar, Califa Cassamá referiu que tal deixou de ser possível porque os elementos da RDN foram entretanto impedidos de continuar no edifício da ANP.

Todos os debates parlamentares têm sido transmitidos pela RDN nos últimos meses, inclusivamente os que foram realizados na primeira quinzena de agosto, período em que a crise política estalou, e em que os deputados foram especialmente críticos com o Presidente da República por demitir o Governo de Domingos Simões Pereira.

Nos últimos dois meses, face às ameaças de destituição pelo Presidente, a ANP já tinha aprovado duas moções de confiança no Governo.

Lusa, em Notícias ao Minuto

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